Análise Política
O apelo aos eleitores para que votem “útil” é bem conhecido na política
brasileira, seu nascimento remonta ao início dos anos 80 do século
passado, quando o regime militar acabou com o bipartidarismo que ele
próprio havia implantado no Ato Institucional número 2, de 1965.
Revogada a bipolaridade restrita a Arena e MDB, surgiram o PDS, sucessor
da Arena, o PMDB, continuidade do MDB, o PTB de Ivete Vargas, o PDT de
Leonel Brizola e o PT de Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a nova pluralidade partidária, o governo João Figueiredo implantou o
voto vinculado. As eleições municipais haviam sido adiadas de 1980 para
1982. Nestas, portanto, o eleitor seria obrigado a votar em candidatos
do mesmo partido de vereador a governador, passando por prefeito (onde
houvesse eleição direta), deputado estadual, federal e senador.
O objetivo do regime em dificuldades políticas: melhorar o desempenho do
PDS nas eleições de governador, pois o oficialismo poderia vencer mesmo
onde não tivesse a maioria absoluta, desde que chegasse na frente, pois
até então a eleição para cargo majoritário era em um turno só.
O PT foi um ferrenho defensor de introduzir na Constituição de 1988 os
dois turnos para presidente, governador e prefeito, pois vinha desde
1982 sendo vítima do então batizado “voto útil”.
Lula foi alvo desse discurso quando se candidatou a governador de São
Paulo em 1982, perdendo para Franco Montoro (PMDB). Depois, Eduardo
Suplicy sofreu com o argumento quando tentou a prefeitura da capital em
1985 e o governo estadual em 1986.
Nos três momentos, o apelo pela “utilidade” do voto decorria de os
grupos identificados com o combate ao regime militar enfrentarem nas
urnas paulistanas e paulistas candidatos da direita. Reinaldo de Barros
em 82, Jânio Quadros em 85 e Paulo Maluf em 86.
O PT chegou à Constituinte em 1987 escaldado e trabalhou duro pelo seu
espaço político. O argumento era razoável. “Cada um lança seu candidato
no primeiro turno, e as alianças mais amplas acontecem no segundo.” E o
partido viu a tese dos dois turnos sair vitoriosa, abrindo caminho aos
candidatos majoritários do PT nas eleições subsequentes.
O apelo maciço do PT ao voto útil neste primeiro turno da eleição
presidencial provoca uma dúvida: por que desacreditar da possibilidade
de alianças mais amplas num eventual segundo turno?
A hipótese rósea é o PT e Lula não desejarem dar sopa para o azar e não
quererem dar a Jair Bolsonaro mais quatro semanas, e no mano a mano,
para tentar fazer o antipetismo voltar a superar o antibolsonarismo.
A outra hipótese é o PT desejar ser retornado ao poder por uma onda de
votos úteis sem precisar firmar compromissos programáticos e em torno de
espaços políticos com outros grupos, além dos escassos acordos já
firmados.
A hipótese mais realista é uma combinação das duas.
De qualquer modo, seria pouco inteligente o PT não fazer o que está
fazendo, pois um segundo turno contra Bolsonaro reabrirá a disputa
eleitoral em outro patamar, com os dois oponentes em mais paridade.[não haverá segundo turno e, se houver,o "capitão do povo" tritura o descondenado petista, que além da derrota voltará para a cadeia - cadeia mesmo, não 'resort'.]
Verdade que as projeções de segundo turno apontam vantagem, até algo
confortável, para Lula. Mas em 2018 as projeções de segundo turno antes
do primeiro estavam bem equilibradas, aí o candidato do PSL conseguiu um
arranque na reta final do primeiro turno que lhe permitiu abrir grande
diferença na largada do segundo.
Depois essa diferença foi caindo, mas a distância final acabou sendo boa, de uns dez pontos percentuais.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista politico