Revista Oeste
Rosa Weber pode até desdenhar das páginas da nossa Constituição, mas não menosprezar as páginas da história
Cena do filme Pearl Harbor | Foto: Divulgação
Sim, eu posso imaginar o que você está pensando agora. Tivemos um Capitólio tupiniquim.
Mas as similaridades não param por aí. No aniversário de um ano do famoso 6 de janeiro, a vice-presidente da nação mais poderosa do mundo, Kamala Harris, decidiu incluir a data como um dos três dias mais sombrios da história norte-americana, e afirmou que o 6 de janeiro de 2021 viverá na memória do país — comparando o dia ao episódio em Pearl Harbor, quando os japoneses atacaram a base militar americana no Pacífico, colocando os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, e aos ataques terroristas de 11 de setembro às Torres Gêmeas em Nova York.
Do alto de sua absoluta ignorância e desonestidade, Harris, a campeã de impopularidade até dentro do Partido Democrata, proferiu: “Certas datas ecoam ao longo da história. Incluindo datas que lembram instantaneamente, a todos que as viveram, onde estavam e o que estavam fazendo quando nossa democracia foi atacada. Datas que ocupam não apenas um lugar em nosso calendário, mas um lugar em nossa memória coletiva. 7 de dezembro de 1941, 11 de setembro de 2001 e 6 de janeiro de 2021”.
Na última sexta-feira, 14 de julho, durante discurso no Seminário e Encontro Nacional da Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), Rosa Harris, digo, Rosa Weber, ministra do Supremo Tribunal Federal e atual presidente da Corte, comparou o vandalismo do 8 de janeiro no Distrito Federal — repudiado veementemente por todos nós da Revista Oeste — ao ataque à base naval de Pearl Harbor, nos Estados Unidos, feito pela Marinha japonesa, em 1941. “O presidente Franklin Roosevelt, em 8 de dezembro de 1941, perante o Congresso Norte-Americano, ao reagir ao ataque aéreo japonês, deflagrado na véspera, contra as Forças Navais Norte-Americanas, em Pearl Harbor, no Havaí, disse que aquela data, 7 de dezembro de 1941, pelo caráter traiçoeiro da agressão, viveria eternamente na infâmia. Para nós, 8 de janeiro de 2023 será eternamente o dia da infâmia. E não deixaremos ser esquecido, na defesa da democracia constitucional e do Estado Democrático de Direito”, regurgitou a ministra de Lula a bobagem dita pela vice de Biden.
Com todo o respeito, dona Rosa, vamos conversar. A senhora pode até desdenhar das páginas da nossa Constituição, que hoje em dia é facilmente moldada, amassada e rasgada — eu diria até tratada com “caráter traiçoeiro da agressão” —, mas menosprezar as páginas da história não dá. Essas não se curvam a caprichos narcisistas infames.
Um dia antes do ataque a Pearl Harbor, em 6 de dezembro de 1941, os Estados Unidos interceptaram uma mensagem japonesa que indagava sobre movimentações de navios e posições de ancoragem em Pearl Harbor. O decodificador passou a mensagem a seu superior, que respondeu que entraria em contato na segunda-feira, 8 de dezembro. No domingo, 7 de dezembro, um operador de radar em Oahu, no Havaí, viu um grande grupo de aviões em sua tela indo em direção à ilha e ligou para seu superior, que lhe disse que provavelmente era um grupo de bombardeiros americanos B-17 e que não era para se preocupar.
Agora imagine se os oficiais norte-americanos tivessem levado a sério a informação passada pela inteligência do iminente ataque? Dentro da esdrúxula comparação, seria como se a Abin tivesse avisado o ministro da Justiça e mais 48 agências do governo de um possível ataque e os envolvidos tivessem dado de ombros.
A destruição do USS West Virginia, no dia 7 de dezembro de 1941, em Pearl Harbor, Havaí | Foto: Shutterstock
Já que é o nosso dinheiro que sustenta muitas viagens, comes e bebes de vossas excelências, eu não me importaria se a senhora, em rota para um desses muitos congressos que os supremos costumam atender para falar mal do Brasil, desse uma parada no Havaí, quem sabe levasse o assessor “jênio”, e entendesse — de fato — o que foi e o que significa Pearl Harbor para o povo norte-americano que, aliás, também ouviu a comparação que a senhora vergonhosamente repetiu da vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris.
Não, dona Rosa, isso não é um elogio.
Numa recente viagem ao Havaí com a minha família, tive a oportunidade de visitar pela primeira vez Pearl Harbor e, claro, entrar no Memorial USS Arizona, um museu a céu aberto exatamente sobre um dos navios abatidos pelos japoneses. Sei que a senhora pensou que marcaria pontos extras com a turba que joga até amarelinha com a palavra “democracia”, mas, acredite, a infame comparação que a senhora fez é de um profundo desrespeito a um lugar que deve ser visitado por todos que desejem prestar verdadeiras homenagens a quem, de fato, lutou pela liberdade que temos hoje. Liberdade até para falar bobagens usando pronomes ridículos ou gritar “ameaça à democracia” toda vez que alguém chama um ministro de comunista ou traidor da pátria.
Ali, olhando para os destroços nas águas do Pacífico e andando sobre um dos navios abatidos, é impossível não se emocionar. Na parte final do memorial estão entalhados em uma parede de mármore os nomes de mais de 1,1 mil marinheiros e fuzileiros navais mortos no USS Arizona durante o ataque a Pearl Harbor. A maioria dos mortos tinha idade entre 17 e 23 anos. Há muitas fotos do ataque de 7 de dezembro de 1941, mas não encontrei nenhuma com generais servindo água aos japoneses.
E a história deixa lições. Trinta dias após Pearl Harbor, 134 mil norte-americanos se alistaram nas Forças Militares. O ataque criou uma onda de patriotismo e indignação que levantou o país e ajudou a curar o orgulho ferido. Catástrofes unem pessoas. Desafios criam vínculos de honra, coragem, amor à pátria e resiliência para lutar pelo que é correto e para lutar contra qualquer projeto de poder nefasto. Se Adolf Hitler, com todo o seu poderio superior, foi derrotado, só há esperança em nosso caminho contra qualquer tipo de Gestapo.
Leia também “A escravidão do pensamento”
ÍNTEGRA DA MATÉRIA - CLIQUE AQUI - Revista OESTE
Ana Paula Henkel, colunista da Revista Oeste