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sábado, 19 de novembro de 2022

Futebol - O MPF se esqueceu da cruz na nossa canarinho? Gazeta do Povo

Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina

A liberdade religiosa continua sendo desprezada por alguns setores no Brasil. 
Dessa vez, por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) – aliás, de novo. 
Vamos ao caso: a Nike fez um acordo com o MPF para vetar a personalização das camisas da seleção brasileira com nomes ou expressões cristãs (a customização no site da empresa já vetava expressões de outras religiões, como as de matriz africana).
 
A personalização de camisas não é de hoje. Começou com os próprios jogadores escolhendo números aleatórios em vez dos clássicos 2 para lateral direito, 3 para zagueiro, 9 para centroavante etc. 
Atualmente os jogadores usam o número que quiserem, tudo acertado com o técnico e demais colegas. Gabriel Jesus, por exemplo, joga com a 33 no Manchester City, em alusão à idade com que Jesus de Nazaré foi crucificado. Inclusive, seu próprio nome leva “Jesus”. A partir da Copa do Mundo de 1994, as camisas também passaram a trazer os nomes dos jogadores nas costas, além do número.

Com isso, abriu-se a porteira para que os próprios torcedores personalizassem a camisa do seu time do coração com seu nome ou qualquer outra expressão. Em Porto Alegre, há muitos anos, basta ir à lojinha dentro do próprio Estádio do Beira-Rio e pedir sua camisa oficial personalizada (nós temos várias) mediante uma pequena taxa complementar.

Em um país livre, se você quiser personalizar sua camisa – pois pagou por ela –, personaliza e fim. Contudo, no Brasil, o significado de liberdade não é mais o mesmo especialmente depois da pandemia. Então, uma prática comum vira caso para o Ministério Público.

As liberdades de crença e religiosa são liberdades fundamentais em um democracia, como temos explicado aqui e aqui, e para o próprio sistema de liberdades civis fundamentais. O âmbito de proteção de ambas inclui o direito de ter, não ter, mudar e manter sua religião, além da exteriorização da crença na vida civil, por meio da afirmação pública da crença escolhida (liberdade de crença) e sua defesa, expressão, culto, assistência, ensino e organização (liberdade religiosa).

Por outro lado, tais liberdades são mais bem exercidas quando praticadas em um Estado laico, pois não existe a pressão estatal a favor de determinada religião em detrimento de outras ou da pressão de expurgo de uma, várias ou todas as religiões do espaço público. Na primeira hipótese, identificamos as teocracias e os Estados confessionais; a segunda se conforma com os Estados que praticam o laicismo e o secularismo.

O laicismo, como já explicamos, tem como núcleo o expurgo da religião do espaço público. A religião ou as religiões são males existentes na sociedade e que devem se ater ao espaço privado de seus fiéis. O fenômeno religioso faz mal ao Estado, por isso deve ser abatido. O laicismo é um movimento de expurgo da religião da vida pública, enquanto o secularismo é o golpe final na transcendência para que a religião seja vista, no máximo, como algo cultural. Mas isso é papo para França ou China; aqui no Brasil é diferente. [São principios do Estado e cujo valor é ZERO, diante da DOUTRINA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA - em religião entendemos que deve ser seguida a norma da IMPOSSIBILIDADE DE SERVIR A DOIS SENHORES - em termos Católicos/Cristão não podemos servir a DEUS e ao diabo = DEUS está no CATOLICISMO, religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo.]

A Constituição brasileira de 1988, documento fundante de nossa nação, criou um ambiente colaborativo entre os poderes político (civil) e religioso. No Brasil, o fenômeno religioso, organizado ou não, goza, em relação ao Estado, de separação, liberdade e autonomia, benevolência, colaboração e igual consideração, como explicamos em nossa obra A laicidade colaborativa brasileira: da aurora da civilização à Constituição brasileira de 1988.

Já as liberdades de crença e religiosa possuem no Brasil um enquadramento constitucional único no mundo, usufruindo de um status que corresponde aos seus  conteúdos, âmbitos de proteção, dimensões e destinatários, como ensina a melhor doutrina europeia sobre o tema e conforme tivemos a oportunidade de constatar em nossa pesquisa de mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

O óbvio seria o MPF pressionar a Nike para que fosse garantido o uso de qualquer expressão religiosa. Em vez disso, o MPF pressionou para excluir todas as religiões da possibilidade de personalização, em típica ação laicista.

Dito isso, qual seria o papel do MPF frente à denúncia de que “pode colocar Jesus na camisa, mas Exu não”? Se considerarmos que o MPF tem legitimidade para dizer como uma empresa multinacional (ou não) deve fazer ou deixar de fazer seu marketing, devemos partir da premissa brasileira para obtermos a resposta, isto é, responder a partir do sistema brasileiro de liberdades e de seu Estado constitucional.


Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Thiago Rafael Vieira e Jean Marques Regina, colunista - Gazeta do Povo - VOZES