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quarta-feira, 7 de abril de 2021

O caso Ferrogrão: como uma decisão do STF pode tirar o país dos trilhos - Revista Oeste

Agronegócio

Governo se mobiliza para reverter interrupção do projeto de ferrovia que ligaria Mato Grosso ao Pará e se tornaria a principal rota de escoamento do agronegócio brasileiro

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu o projeto da Ferrogrão; decisão deve ser analisada pelo plenário da Corte | Foto: Divulgação

Um dos principais projetos logísticos do país e considerada prioridade absoluta do Ministério da Infraestrutura, a Ferrogrão tem tudo para se tornar a rota mais importante de escoamento do agronegócio brasileiro. Com previsão de alcançar 933 quilômetros em extensão, a ferrovia conectará a região produtora de grãos do Centro-Oeste, em Mato Grosso, ao Estado do Pará, desembocando no Porto de Miritituba. A Ferrogrão ligará os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA), às margens do Rio Tapajós. Um dos trunfos do projeto é a capacidade de levar parte da carga do agro para os portos da Região Norte. Além disso, serviria como uma “esteira de grãos”, substituindo o modal rodoviário meio de transporte mais poluente e ineficiente e criando uma multimodalidade formada por ferrovia, hidrovia e portos. Em 30 anos, a expectativa é que a Ferrogrão movimente 48,6 milhões de toneladas e crie 160 mil empregos, reduzindo em quase R$ 20 bilhões o custo logístico da produção. O investimento estimado para o projeto é de R$ 12 bilhões.

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Parece auspicioso, e é. Mas, como o Brasil raramente perde a oportunidade de frustrar qualquer esboço de progresso e desenvolvimento, uma decisão tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 15 de março, literalmente tirou o país dos trilhos. Atendendo a uma reivindicação do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), um baluarte de nossa esquerda mais atrasada, o magistrado suspendeu a eficácia da Lei 13.452/2017, que teve origem em um projeto de conversão da Medida Provisória (MP) 758/2016. Essa MP alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, excluindo 862 hectares da unidade de conservação ambiental.

Na ação impetrada pelo Psol, o partido alega que somente uma lei em sentido formal — e não uma MP — poderia autorizar a alteração ou a supressão de áreas de unidades de conservação. Segundo os socialistas, o Parque Nacional de Jamanxim (que fica entre os municípios paraenses de Itaituba e Trairão) é um patrimônio cultural imaterial do Brasil. A legenda afirma que “os povos indígenas brasileiros são os nossos melhores protetores das florestas” e “seu modo de vida e sua cultura são muito mais avançados que qualquer outra experiência histórica e humana conhecida”. Nesse sentido, prossegue o Psol, “a práxis dos não indígenas é que se considera predatória e suicida”.

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De acordo com o entendimento de Moraes (leia aqui a íntegra da decisão), uma alteração territorial dessa natureza não poderia ter sido realizada por meio de medida provisória — além de causar danos ao meio ambiente. “No caso sob análise, considerada a aparente redução do patamar de proteção ambiental decorrente da exclusão de cerca de 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, bem como o fato de que a edição de medidas provisórias não satisfaz a exigência de lei em sentido formal para a alteração ou modificação de matéria que a Constituição Federal submeteu a regime mais rígido e estável, afigura-se necessário reconhecer a plausibilidade do risco de que a medida provisória […] venha a produzir efeitos irreversíveis que, posteriormente, não poderiam ser alcançados por eventual declaração de inconstitucionalidade”, assinalou o ministro em seu despacho. A decisão será submetida ao plenário do STF, para apreciação dos demais ministros da Corte, e pode ser revertida.

Sem dano ambiental
A MP contestada pelo Psol promoveu o alargamento da chamada “faixa de domínio” de 50 metros na lateral da Rodovia BR-163, que tinha originalmente 396 hectares e passou a contar com 862 — o que corresponde a uma redução de 466 hectares do Parque do Jamanxim ou, mais precisamente, 0,054% de sua área original, de 862.895,27 hectares. Além da interferência mínima, a MP acrescentou ao parque uma área de 51.135 hectares em floresta preservada.

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“É um absurdo. Quando você contabiliza que esse produto que sairia da ferrovia vai por caminhão, só a diferença de consumo de combustível do modal rodoviário para o ferroviário já acaba com essa argumentação. É muito espantoso que não se ouça o setor, que não se ouçam alguns Estados que são cortados por essa ferrovia, e se tome uma decisão arbitrária como essa”, afirmou a Oeste o presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), Fernando Cadore. “Em nossa visão, deveria ter sido uma decisão colegiada, e não monocrática, e pautada em muito mais embasamento, em muito mais estudo do impacto. Esse tipo de decisão é que tem travado o desenvolvimento do nosso país, que já tem uma infraestrutura carente que está mais de um século ultrapassada quando a gente compara com a evolução da produção”, prossegue. “Isso só faz mal para o país, para a região afetada e para a sociedade de maneira geral, uma vez que você não tem opção para diminuir o custo do transporte, e a ferrovia viria para isso. Esse custo chega ao bolso do consumidor final, quando ele vai ao supermercado fazer a compra da cesta básica.”

Leia mais sobre ferrovias no artigo “O direito a viajar de trem”, de Dagomir Marquezi, publicado na Edição 18 da Revista Oeste

O advogado ambientalista Fernando Augusto do Prado, coordenador do Núcleo de Agronegócio do escritório Nelson Wilians Advogados e membro da Comissão de Direito Agrário da Ordem dos Advogados do Brasil de Goiás (OAB-GO), avalia que Moraes, tecnicamente, poderia, de fato, ter tomado a decisão que tomou, “observando apenas a legislação ambiental e os princípios que a norteiam”. O que Moraes parece ter ignorado é que a proibição de alterações em áreas protegidas, por meio de MP, entrou em vigor somente a partir de 2019, conforme decisão do próprio STF — três anos após a edição da MP. O advogado aponta um evidente componente político por trás desse posicionamento. “Analisando os fatos e sua cronologia, logo se perceberá que a medida provisória de 2016, que virou lei em 2017, foi alvo de uma ação de inconstitucionalidade somente em 2020, o que nos leva a crer que se trata de uma manobra política do partido autor da ação e que o STF está alinhado com a política exercida pela oposição do governo Bolsonaro”, afirma a Oeste. “Naturalmente, há matérias que vão à apreciação do STF que carregam em si aspectos políticos, mas o julgamento, em minha opinião, não pode ser contaminado pelo ambiente político. Em razão desses vários aspectos, o mais prudente seria que o julgamento fosse levado diretamente ao plenário”, prossegue.

Prado também rechaça a tese de que uma das alterações não poderia ter sido feita por meio de MP. “No que diz respeito ao sentido formal, a origem de uma lei via medida provisória tem o seu procedimento traçado na Constituição Federal, o que foi observado quando da conversão da MP 758/2016 na Lei 13.452/2017”, explica.

Interferência ‘suprema’
Cadore ataca o que chama de “judicialização da governabilidade”, com decisões do STF que interferem nas atribuições do Poder Executivo. “Nós entendemos que o Executivo tem que fazer a gestão, que o Legislativo tem que cuidar da legislação e que o Judiciário tem que julgar o que cabe a ele. A partir do momento em que os Poderes começam a se entrelaçar e o Judiciário acha que tem poder para ser o Executivo, as coisas perdem o sentido e andam para trás”, critica. “É isso que estamos vivendo no país, infelizmente. Esperamos que os setores sejam ouvidos quando forem tomar decisões que causem impacto em  determinado segmento da economia.” A Aprosoja-MT entrou como amicus curiae em uma ação apresentada pelo governo federal pedindo a reversão da decisão de Moraes.

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Em nota encaminhada a Oeste, o Ministério da Infraestrutura afirma que “entende, respeita e corrobora com o compromisso do STF com o meio ambiente”, mas “segue confiante em sua argumentação em favor da medida editada em governo anterior e referendada pelo Congresso Nacional”. “Todos os pontos serão apresentados em favor da viabilidade ambiental, econômica e jurídica da ferrovia”, diz a pasta. O governo afirma ainda que o projeto pretende reduzir “em 50% a emissão dos gases do efeito estufa” e “1 milhão de toneladas de CO₂ da atmosfera da Amazônia”. “A implementação da Ferrogrão visa a fazer o Brasil maior e mais competitivo da ‘porteira para fora’”, completa o ministério.


Governo otimista
O governo federal está otimista em reverter a decisão de Alexandre de Moraes. Oeste apurou que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, tem evitado comentar publicamente o caso justamente para não ferir suscetibilidades de ministros do STF. Nas palavras de um interlocutor próximo ao ministro, o objetivo é “não aumentar a temperatura nas redes e na imprensa” e “não politizar o assunto”.

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Desde a decisão de Moraes de suspender o projeto da Ferrogrão, Tarcísio atuou reservadamente junto a ministros do STF para tentar convencê-los da importância da ferrovia para o agronegócio brasileiro e, por tabela, para o país. Pelo menos três ministros da Corte teriam sido procurados. O imbróglio que envolve o projeto da Ferrogrão chegou a ser levado ao plenário virtual do STF no dia 26 de março, mas acabou retirado pelo próprio Moraes. O assunto pode ser debatido pelos ministros a qualquer momento. “Fica muito claro que é uma decisão que tem que ser revertida para o bem do país e da população de maneira geral. Nesse sentido, estamos otimistas, até porque não existe esse dano ambiental colocado pelo Psol. Foi uma narrativa de inverdades. Seria uma insanidade não dar sequência a um projeto de que o país precisa”, afirma Cadore.

Em entrevista ao jornalista Silvio Navarro publicada na Edição 27 da Revista Oeste (leia aqui), o ministro Tarcísio ilustrou com clareza a importância econômica da Ferrogrão para o Brasil. “Estamos investindo em ferrovias, que é o meio ideal para o transporte de produtos de baixo valor agregado, como é o caso de nossas commodities. Mas ferrovia não para em fazenda nem no supermercado. Por isso a importância da multimodalidade”, disse. “[A Ferrogrão] É, sem dúvida, o projeto mais ambicioso de nossa história recente e tem potencial para revolucionar a logística brasileira, ampliando a competitividade do nosso produto no cenário global. […] Se criarmos corredores mais eficientes de exportação, a produção hoje de Mato Grosso pode saltar dos atuais 60 milhões para 110 milhões ou 120 milhões de toneladas. Isso tudo sem precisar derrubar uma árvore.”

O agronegócio brasileiro, referência mundial de excelência e competitividade, aguarda ansiosamente pelo dia em que a Ferrogrão sairá do papel. Para que isso aconteça, é necessário que os ministros da mais alta Corte do Judiciário se manifestem sobre a infeliz decisão de Alexandre de Moraes — e a revertam, para o bem do país e em nome do progresso e do desenvolvimento econômico. É preciso recolocar o Brasil nos trilhos.

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