No rumo do Titanic
Num 13 de abril como hoje, há 110 anos, o Titanic seguia sua rota, rumo a
Nova York, orgulhoso e confiante, certo de sua supremacia sobre o mar.
Estava a dois dias do choque com um iceberg. Seu poder submerso rasgou o
casco de aço do presunçoso navio e o mandou para o fundo do mar. Boston
está a uns 700km a oeste do local daquele naufrágio, e a 8 mil km de
São Paulo, o maior contingente eleitoral do Brasil.
Num encontro em
Boston, políticos brasileiros participaram de um seminário. Com a
supremacia da verdade, embaçados por suas certezas, assumiam o risco de
não perceber os riscos abaixo da linha d'água.
Sergio Moro, em Washington, insistia em permanecer
candidato à Presidência da República, negando expressamente que vá
aceitar uma vaga para concorrer a deputado federal. A senadora Simone
Tebet, em Boston, deixou claro que o seu partido, MDB, mais o PSDB e o
União Brasil vão indicar um candidato único, dia 18 de maio, a ser
escolhido entre ela, João Doria e Luciano Bivar — excluindo
expressamente Moro. Será que o ex-juiz vai ficar com a chance de
disputar uma vaga na Assembléia de São Paulo [por óbvio, deputado estadual] ?
Porque no seu Paraná, ao
abandonar o Podemos de Álvaro Dias e Oriovisto Guimarães, as escotilhas
se fecharam. [Moro encerrou sua carreira política quando tentou trair quem o tirou do ostracismo = o presidente Bolsonaro; trair o chefe é uma atitude indigna; se discorda, chega e diz, se perceber que não será atendido, peça para sair, renuncie. Renunciar é preferível a trair. Ser LEAL é marca dos homens honrados.
MINHA HONRA é LEALDADE.]
Ciro Gomes estava nos Estados Unidos também, vendo afundar
seu concorrente de terceiro posto, e não quer ficar a ver navios.
A senadora pode ir vestindo o colete salva-vidas. Em
Brasília, José Sarney e metade da bancada de senadores do MDB jantaram
ontem na casa do ex-ministro de Lula, Eunício Oliveira. Convidado
especial: o próprio Lula, que levou a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Como num ato falho, Eunício negou a jornalistas que estivessem traindo
Simone Tebet. Àquela hora, ela estava em São Paulo, com o ex-presidente
Michel Temer e o presidente do MDB, Baleia Rossi, e deve ter sentido o
choque com um iceberg que, em Brasília, rasgava o casco de sua
candidatura, que começava a fazer água.
Eduardo Leite também estava no tombadilho em Boston. E
suscitou mexericos na primeira classe: que, por enquanto, ficaria como
imediato no caso de o comandante abandonar o navio, e isso seria o sinal
para se unirem todos ante o perigo do gigantesco iceberg.
O comandante, por sua vez, está fazendo manobras
estranhas. Indispôs-se com a classe média, queixando-se que gasta
demais; com os religiosos, pregando aborto para quem não quiser ter
filho; com os militares, ameaçando tirar todos de seus postos no
governo; com os deputados federais, ensinando a assediar suas famílias;
com 600 mil proprietários legais de armas, prometendo desarmá-los,
enquanto daria poder ao MST e ao MTST; quer desfazer privatizações, teto
de gastos e modernização das leis trabalhistas.
A própria tripulação
não entendeu as manobras e está preocupada que seja leme perigoso, com
intenção de afundar.
Juízes supremos, que vão arbitrar eleições e julgar
questões envolvendo o governo, estavam lá, como estão por toda parte,
como se estivessem em campanha política, abandonando a imparcialidade e a
isenção. A banda vai emitindo as notas do acompanhamento.
A orquestra
de bordo sente que pode afundar, mas tocar é preciso, navegar não é
preciso.
A banda eleva o volume para impedir que os passageiros percebam
os perigos da rota.
Os sons saem desesperados, mas têm que tocar até o
fim. E a nave segue seu rumo.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
AVULSAS