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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O conjunto da obra - Percival Puggina

A mensagem que abri vinha do site O Antagonista, assíduo frequentador de minha caixa de e-mails, e reproduzia o título de capa da revista Crusoé desta semana. A revista, como se sabe, é ainda mais prolixamente antagonista do que o site e anda tão extraviada quanto o próprio Robinson Crusoé, personagem simbolicamente escolhido para lhe dar o nome.

A manchete dizia: “O impeachment entra na agenda”. Você entendeu, leitor? É preciso que o impeachment entre na agenda. Então, passam a escrever sobre o que não estava na agenda, como forma de fazer com que se torne assunto e se passe a falar de algo que sequer estava em cogitação, exceto em círculos de intriga, tramoia e conjura que conspiram nesse sentido. Um processo circular, muito bem pensado.

Nestes dias, jornais e TVs dedicadas ao jornalismo militante estão fazendo exatamente isso. Mas se você for olhar atentamente, verá que é tudo merengue, sem consistência. Se parar de bater, dessora e acabou. A mídia esconde tudo que é feito e bem feito, passa todo tempo falando mal do presidente e julga armazenar substância para derrubá-lo do poder.  
Não tem povo, não tem voto, não tem motivo. E querer não é poder.

O jurispetista versejador sergipano Ayres Brito, ex-ministro do STF, foi escolhido a dedo para ser entrevistado pela Folha de São Paulo na semana passada. Incumbido de trazer o impeachment “para a agenda”, ciscou ninharias, listou banalidades, abandonou verbos e substantivos, apelou para adjetivos, reproduziu fake análises e, na ausência de fatos, sugeriu um impeachment pelo “conjunto da obra” como ele a conseguia ver desde sua reduzida estatura.  [quando o STF tinha entre seus integrantes o  versejador, conseguiu-se a proeza de um decreto, destinado apenas a regulamentar da Lei de Acesso a Informação, inserisse um parágrafo no artigo 6º daquela Lei, permitindo a divulgação individualizada do salário dos servidores públicos. Nada contra que divulguem, nossa insatisfação várias vezes exposta - veja aqui e/ou  aqui - é pelo STF avalizar o uso de um decreto para modificar uma lei. 

Outra, quando ele presidia a Suprema Corte, foi que a falta do advérbio apenas em uma parágrafo da Constituição Federal permitiu uma interpretação criativa da Lei Maior, elevando a união civil entre pessoas do mesmo sexo, à condição de entidade familiar.]

Conjunto da obra? Mas é exatamente pelo conjunto da obra que esse impeachment não conta com apoio popular e vejo o presidente com boas possibilidades de ser reeleito. Aliás, é o que mostram as pesquisas. É pelo conjunto da obra que a sociedade não confia no STF. É pelo conjunto da obra que ela não confia no Congresso Nacional. É pelo conjunto da obra que ela rejeitou nas urnas de 2018 os partidos que até então haviam arrastado o Brasil para o caos econômico, social e moral. É pelo conjunto da obra de desinformação que ela não confia na mídia militante.  
Não será por maus modos e frases mal construídas que haverão de destituir um presidente eleito com 57 milhões de votos. Eça de Queiroz, na introdução que escreveu para a coletânea de textos intitulada “Uma campanha alegre”, em que ele e Ramalho Ortigão corroeram, com a acidez do mais fino humor, as estruturas da política portuguesa, Eça de Queiroz afirmou: “O riso também é uma opinião”.

Onde a seriedade some, o ridículo assoma e o riso é um bom companheiro.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.