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domingo, 31 de julho de 2022

Por que Ayres Britto está errado sobre a supremacia do STF - Gazeta do Povo

Vozes - André Uliano


No dia 17 de julho deste ano, Carlos Ayres Britto fez a seguinte publicação em sua conta pessoal do Twitter:

Conversa

Carlos Ayres Britto

 @ayres_britto

Fundamental para ordenar o pensamento é entender que, na Constituição de 1988, não há um Supremo Congresso Nacional, menos ainda um Supremo Presidente da República, porém um Supremo Tribunal Federal. Fora dessa ordem que a própria Nação ditou, o que se tem é constituicídio.

9:05 AM · 17 de jul de 2022·Twitter for iPhone


Bom, primeiramente, se você é jovem, cabe aqui explicar quem é Carlos Ayres Britto. Natural do Sergipe e nascido em 1942, ele foi ministro do STF entre 2003 e 2012. Antes de ocupar uma vaga na Corte, Britto militou no PT por 18 anos, tendo inclusive disputado uma vaga na Câmara dos Deputados em 1990, mas sem sucesso.

Voltando à postagem que gostaríamos de analisar criticamente, nela o ex-ministro parece insinuar que o STF ocuparia uma posição hierárquica superior em relação aos demais poderes, possuindo uma supremacia sobre eles.

Estaria correta essa afirmação? De modo algum.

O termo supremo na denominação da Corte não se refere à sua relação em face dos outros Poderes da República, mas apenas indica seu status no interior do Poder Judiciário. Isto é, cuida-se de supremacia apenas sobre os demais tribunais e juízes, uma vez que funciona como órgão de cúpula da Justiça.

Com efeito, a expressão Suprema Corte tem um sentido técnico, o qual contrapõe-se ao de Corte Constitucional. O modelo de "Suprema Corte" vigora em países nos quais qualquer órgão do Poder Judiciário pode realizar o controle de constitucionalidade - o chamado modelo difuso -, como ocorre no Brasil
Nesse caso, há um Tribunal que ocupando o ápice da cadeia jurisdicional analisa tais questões em última instância e, por isso, intitula-se supremo. Por outro lado, nos sistemas em que há apenas o chamado controle concentrado, o controle de constitucionalidade fica a cargo de um órgão alheio à hierarquia recursal dos juízes e tribunais ordinários: são as Cortes Constitucionais.  
Grosso modo, elas não são "supremas", porque são órgãos únicos em seu gênero. Não há órgãos abaixo dela com jurisdição sobre o mesmo tipo de questão, as quais chegariam a ela por meio de recursos.

Repare que por isso também não haveria sentido em chamar a Câmara dos Deputados, o Senado ou o Presidente de "Supremos", visto que inexiste órgão de mesma espécie, submetido a eles por via recursal. Existe apenas um Presidente, uma Câmara e um Senado. Contudo, existem vários tribunais, sendo um deles - o de cúpula - supremo em relação aos demais.

Essa tipologia está bem descrita em trabalho da jurista australiana Cheryl Saunders intitulado: "Courts with Constitutional Jurisdiction" (Cortes com Jurisdição Constitucional). O texto está publicado em manual de Direito Constitucional Comparado publicado pela prestigiada Cambridge University Press (The Cambridge Companion to Comparative Constitutional Law).

Confira:  O protótipo do controle difuso é um sistema judicial em que múltiplos tribunais aplicam todas as fontes do direito, incluindo o direito constitucional, para resolver disputas devidamente apresentadas a eles. Os tribunais normalmente são organizados em uma hierarquia, na qual a suprema corte tem a palavra final sobre o significado e a aplicação da constituição.  
No restante do Poder Judiciário, as decisões dos tribunais superiores, incluindo, essencialmente, o supremo tribunal, vinculam os tribunais inferiores por meio de uma doutrina de precedente. Exemplos incluem os Supremos Tribunais do Reino Unido, Estados Unidos, Canadá e Índia e o Supremo Tribunal da Austrália." (pág. 417)

"Em contraste, o protótipo para o controle concentrado de constitucionalidade é um tribunal único e especializado, usualmente denominado Tribunal Constitucional, Corte Constitucional ou, eventualmente, Conselho Constitucional, organizado separadamente do resto do sistema judiciário e com jurisdição exclusiva sobre as matérias constitucionais que lhe são atribuídas. Exemplos incluem o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o Tribunal Constitucional da República da Coreia, o Tribunal Constitucional da África do Sul e o Tribunal Constitucional do Chile."." (pág. 426)

Como se pode perceber, a nomenclatura escolhida pelo legislador constituinte não coloca o STF acima dos demais poderes, mas apenas como órgão de cúpula do próprio Poder Judiciário; superior, portanto, apenas aos demais tribunais e juízes do país.

Frise-se que não se trata de mera questão de nomenclatura. Não estamos diante de uma discussão bizantina.  
A posição externada pelo ex-ministro está fundamentada em uma teoria de viés juristocrático e, portanto, antidemocrático.

De fato, uma eventual Supremacia Judicial sobre os demais poderes - os quais possuem membros eleitos pelo povo em sufrágio universal e passíveis de responsabilização política periódica perante as urnas - revelar-se-ia num governo aristocrático exercido por juízes. 

Frise-se que juízes não são eleitos, mas nomeados por certos grupos políticos.
 Assim, na medida em que tais magistrados possam governar, tal governo passa simplesmente a ser o modo por meio do qual o grupo ao qual estão ligados se perpetua no poder. 
Ou seja, a supremacia judicial convola-se em juristocracia elitista. Esse fenômeno é perceptível em vários países.
 
O jurista canadense Ran Hirschl, na obra Towards Juristocracy (“Rumo à Juristocracia”), apresenta um exemplo sombrio desse fenômeno. Primeiramente, ele constata que o aumento do Poder das Cortes mediante expansão constitucional se dá pela ação de três grupos-chave: - elites políticas que se veem ameaçadas e buscam isolar suas preferências do processo político, constitucionalizando-as; 
- elites econômicas que buscam constitucionalizar os direitos que as beneficiam;
por fim, a que mais nos interessa aqui –, elites judiciais e Supremas Cortes, que buscam aumentar a sua influência política e reputação internacional. 
Depois, para sustentar sua hipótese, ele cita o caso da África do Sul. Hirschl defende que, enquanto durou o apartheid, a minoria branca acreditava que podia confiar no processo majoritário, momento em que vigorava a Supremacia do Parlamento. Quando aquele regime já não era viável por meio do mecanismo político, a mesma minoria branca teria “se convertido” ao constitucionalismo, usando-o como instrumento para preservar privilégios.
 
Saliente-se que o modelo constitucional brasileiro não segue uma censurável e autoritária supremacia judicial.  
Nossa supremacia é constitucional. 
Nela, os poderes devem ser independentes e harmônicos, e todos contribuem para revelar o sentido da Constituição, por meio de diálogos constitucionais e institucionais. 
A população também participa desses diálogos diretamente de variadas maneiras.

Esses fenômeno dialógico ocorre de diferentes modos: a reação da população a decisões judiciais, a crítica intelectual qualificada, a pressão sobre o Parlamento para que legisle sobre um tema revertendo uma decisão do STF (por exemplo, como no famoso caso da vaquejada), os mecanismos clássicos de freios e contrapesos entre os poderes etc.

É importante que o leitor esteja, portanto, sempre atento a mensagens que buscam - ainda que de modo sub-reptício - inocular ideias equivocadas acerca de nosso constitucionalismo. Lembro aqui as palavras com que, há cerca de dez anos, encerrava sua palestra o jurista espanhol Juan Garcia Amado, catedrático de Filosofia do Direito da Universidad de León:

É preciso voltar à política. E se para fazê-lo for necessário jogar ao rio ou lançar ao mar meia dúzia de magistrados ativistas ou professores neoconstitucionalistas, é o que devemos fazer. Pois é isso que se espera de quem preza verdadeiramente pela democracia: defendê-la de seus inimigos.

André Uliano - Procurador da República. Mestre em Economia e pós-graduado em Direito. Professor de Direito Constitucional

Gazeta do Povo - VOZES


segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

O conjunto da obra - Percival Puggina

A mensagem que abri vinha do site O Antagonista, assíduo frequentador de minha caixa de e-mails, e reproduzia o título de capa da revista Crusoé desta semana. A revista, como se sabe, é ainda mais prolixamente antagonista do que o site e anda tão extraviada quanto o próprio Robinson Crusoé, personagem simbolicamente escolhido para lhe dar o nome.

A manchete dizia: “O impeachment entra na agenda”. Você entendeu, leitor? É preciso que o impeachment entre na agenda. Então, passam a escrever sobre o que não estava na agenda, como forma de fazer com que se torne assunto e se passe a falar de algo que sequer estava em cogitação, exceto em círculos de intriga, tramoia e conjura que conspiram nesse sentido. Um processo circular, muito bem pensado.

Nestes dias, jornais e TVs dedicadas ao jornalismo militante estão fazendo exatamente isso. Mas se você for olhar atentamente, verá que é tudo merengue, sem consistência. Se parar de bater, dessora e acabou. A mídia esconde tudo que é feito e bem feito, passa todo tempo falando mal do presidente e julga armazenar substância para derrubá-lo do poder.  
Não tem povo, não tem voto, não tem motivo. E querer não é poder.

O jurispetista versejador sergipano Ayres Brito, ex-ministro do STF, foi escolhido a dedo para ser entrevistado pela Folha de São Paulo na semana passada. Incumbido de trazer o impeachment “para a agenda”, ciscou ninharias, listou banalidades, abandonou verbos e substantivos, apelou para adjetivos, reproduziu fake análises e, na ausência de fatos, sugeriu um impeachment pelo “conjunto da obra” como ele a conseguia ver desde sua reduzida estatura.  [quando o STF tinha entre seus integrantes o  versejador, conseguiu-se a proeza de um decreto, destinado apenas a regulamentar da Lei de Acesso a Informação, inserisse um parágrafo no artigo 6º daquela Lei, permitindo a divulgação individualizada do salário dos servidores públicos. Nada contra que divulguem, nossa insatisfação várias vezes exposta - veja aqui e/ou  aqui - é pelo STF avalizar o uso de um decreto para modificar uma lei. 

Outra, quando ele presidia a Suprema Corte, foi que a falta do advérbio apenas em uma parágrafo da Constituição Federal permitiu uma interpretação criativa da Lei Maior, elevando a união civil entre pessoas do mesmo sexo, à condição de entidade familiar.]

Conjunto da obra? Mas é exatamente pelo conjunto da obra que esse impeachment não conta com apoio popular e vejo o presidente com boas possibilidades de ser reeleito. Aliás, é o que mostram as pesquisas. É pelo conjunto da obra que a sociedade não confia no STF. É pelo conjunto da obra que ela não confia no Congresso Nacional. É pelo conjunto da obra que ela rejeitou nas urnas de 2018 os partidos que até então haviam arrastado o Brasil para o caos econômico, social e moral. É pelo conjunto da obra de desinformação que ela não confia na mídia militante.  
Não será por maus modos e frases mal construídas que haverão de destituir um presidente eleito com 57 milhões de votos. Eça de Queiroz, na introdução que escreveu para a coletânea de textos intitulada “Uma campanha alegre”, em que ele e Ramalho Ortigão corroeram, com a acidez do mais fino humor, as estruturas da política portuguesa, Eça de Queiroz afirmou: “O riso também é uma opinião”.

Onde a seriedade some, o ridículo assoma e o riso é um bom companheiro.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.