Ministros decidiram que acordos de delação podem ser rescindidos se houver ilegalidades
Canotilho,
José Joaquim Gomes. A sombra desse jurista português pairou nas últimas
duas semanas sobre o plenário do Supremo Tribunal Federal, durante o
julgamento da autonomia do Ministério Público para fazer acordos de
delações premiadas, como nos casos recentes dos grupos JBS e Odebrecht.
Esse
professor de 75 anos de idade, da freguesia de Pinhel e dono de uma
cátedra na Universidade de Coimbra, acabou sendo o grande vencedor do
embate no STF. Os juízes recorreram aos seus argumentos ao analisar a
importância da proteção à segurança jurídica no regime democrático: o
estado de direito é, sobretudo, o estado da confiança — ele defende. Foi
repetido até por aqueles que, com nuances, consideram que o Supremo
deve exercer um papel moderador para evitar mais instabilidade política
derivada do clima de confronto entre poderes que permeia as
investigações da Operação Lava-Jato sobre a corrupção
político-empresarial.
O julgamento resultou num
acordão pelo qual, resgatado o juiz Gilmar Mendes do isolamento,
abriu-se uma brecha para revisão de acordos de delação premiada
realizados pelo Ministério Público. Em princípio, ficou restrita à
possibilidade de anulação do prêmio aos delatores em caso de não
cumprimento do que foi expresso no contrato de colaboração ou se,
durante o processo, for descoberto algum tipo de ilegalidade.
Numa
circunstância de conflito entre poderes, os juízes decidiram reforçar o
poder do Judiciário. Não revogaram, mas circunscreveram a autonomia do
Ministério Público à letra da legislação sobre colaboração premiada,
[sempre bom lembrar que o MP, ainda não é um PODER, apesar da decisão do STF dar ao procurador-geral o status - no que concerne a conceder vantagens a bandidos - de SUPREMO PODEROSO = maior que o dos outros três somados ao poder do MP como instituição.] ressalvando a possibilidade de interferência ainda que de forma restrita
na hora da sentença.
O Supremo escolheu reafirmar
seu poder até o limite. Já era um dos tribunais mais poderosos do
planeta, por ser Corte constitucional e acumular funções penais e de
recursos. Nos julgamentos, cria Direito Constitucional — como tem
repetido o teórico Canotilho, o Brasil tem duas Constituições, a de 1988
e outra feita pela jurisprudência do STF. Em
tese, nada muda nos processos da Lava-Jato no Supremo. Na prática,
abriu-se uma vereda para eventual revisão na hora da sentença no
Supremo. Em nome da confiança do Estado e da segurança jurídica.
Fonte: José Casado, jornalista - O Globo