O ex-ministro Gilberto Carvalho encontrou uma
maneira, digamos, teológica para explicar por que o PT, um partido que
se dizia diferente dos outros por ser ético e honesto, sucumbiu à mais
grossa corrupção desde que chegou ao poder, numa escala inédita na
história brasileira. Na exegese de Carvalho, talvez inspirado pelos
sermões que ouviu quando foi seminarista, o PT pecou, embora com a
melhor das intenções, e agora tem de “sofrer” para que a política
nacional se redima.
“Temos a nossa cota de responsabilidade”, disse Carvalho, um dos principais ideólogos do PT, em entrevista à TV Brasil,
reconhecendo que, por ter se envolvido em escândalos, o partido
enfrenta a crescente hostilidade da opinião pública. “É duro ser
apontado na rua, chamado de bandido, ter companheiros presos”, lamentou o
ex-ministro de Lula.
No entanto, segundo o raciocínio de Carvalho, o
sofrimento do PT terá valido a pena se as ações da polícia e da Justiça
contra os corruptos desmontarem “um processo oligopólico que sempre
existiu no Brasil” e reduzirem a corrupção que tomou a estrutura do
Estado. Carvalho julga, assim, que o PT tem uma cruz a carregar, em nome
da redenção nacional: “Se o preço que nós estivermos pagando for o
preço necessário para se extirpar a corrupção no país, não tem problema.
Nós vamos pagar esse preço”.
Carvalho explica o calvário petista como uma consequência da boa alma do partido. Segundo
ele, o PT queria deflagrar um “processo virtuoso”, nome que ele deu à
implementação da desastrosa política estatista que tinha a pretensão de
acabar com a pobreza do país por decreto. Mas para Lula chegar “lá”,
como dizia o jingle da campanha presidencial de 1989, foi preciso seguir
“o exemplo da prática política dos partidos tradicionais que mais
condenávamos”, afirmou Carvalho. “Não fosse a contratação do
(marqueteiro) Duda Mendonça em 2002 a peso de ouro, provavelmente não
teríamos ganhado as eleições e não teríamos feito tudo isso o que nós
fizemos”, disse o ex-ministro em sua “autocrítica”. Mas não há
arrependimento: “Postos os fatos na balança, acho que nós fizemos o
caminho necessário para chegar ao governo, dentro de uma regra do jogo
que estava estabelecida”.
Essa “regra do jogo”, explicou Carvalho, é
aquela segundo a qual não se faz campanha eleitoral sem o dinheiro de
empreiteiras e outros grandes grupos empresariais. O PT, então, teria
despido as vestes de partido casto porque somente assim seria possível
chegar ao poder e, então, realizar a missão salvadora para a qual se
julgava (e ainda se julga) destinado. “Se você não mudar essa regra do
jogo, nunca haverá partidos virtuosos”, disse o ex-ministro,
considerando que não é possível fazer política sem sujar as mãos.
É claro que o PT, embora tenha aderido à
corrupção, só o fez porque precisava mudar o país, segundo a lógica de
Carvalho. Mas, uma vez no poder, disse o ex-ministro, o PT cometeu um
“grande erro” ao não aproveitar a “correlação de forças favorável” para
encaminhar uma reforma política “com muito vigor”, depois de “ter
sofrido das dores do mensalão” e de perceber “que esse câncer da
corrupção começava a se espalhar dentro do partido”. E Carvalho explica
por que o PT não fez isso: “Talvez porque nós estávamos tão envolvidos
em todo o processo de fazer a mudança do país, envolvidos na questão
toda da obra de governo, que não nos demos conta”. Simples assim.
Mas a “autocrítica” dos petistas, como de
hábito, é apenas um truque retórico para atacar os inimigos de sempre.
Carvalho argumenta que as denúncias de corrupção contra o PT nada mais
são do que o “mote que a elite usou, com todo o exército da mídia”, para
impedir as reformas que o partido desejava promover. “O nosso erro foi
dar a eles esse mote”, disse Carvalho. “Esse pessoal todo que nos acusa
não tem moral, porque o nosso grande erro foi o de imitá-los.” Ou seja,
para o PT, o problema não é ter se corrompido, mas sim ter dado
oportunidade para que a “elite” o atacasse. É Barrabás querendo se
passar por Cristo.
Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo - Estadão