O presidente do Conselho da Renner, José Galló,
afirmou, n'O Estado de S.Paulo, que somos o país do futuro que não
chega. Tenho demonstrado isso em palestras. Jogamos fora as
oportunidades postas à nossa porta. Parecemos masoquistas, sofrer é o
nosso prazer.
Ganhamos, de graça, o que para os outros países é um
sonho inalcançável: ausência de catástrofes naturais, de guerras com
vizinhos; clima ideal: chuva e sol nas doses certas; água abundante, por
cima e por baixo; minerais de toda sorte no subsolo; amplidão
territorial, grandeza em rios e florestas; solo onde tudo dá.
Talvez
querendo nos punir por não termos conquistado o direito de ter tudo
isso, tratamos de provocar para que dê errado, para que a natureza não
cometa a injustiça de nos privilegiar sem mérito.
Nossas escolhas nas urnas contribuem para isso. Nossa
passividade infla os fracassos. Meu colega Luiz Edgar de Andrade
enganou-se, quando reportou que Charles de Gaulle dissera que o Brasil
não é um país sério. Mas se não tivesse sido um engano de informação,
seria bene trovato. Para compensar — e anular — tudo o que ganhamos no
Gênese, provocamos um apocalipse no território nacional. Nem Noé
conseguiria salvar-nos nesse dilúvio de passividade — ou sem-vergonhice?
Audiência Agora vivemos um regime de exceção e nossa indiferença é como se estivéssemos em pleno estado de direito. A comunicação digital deu voz a todos —
e os totalitários reagiram porque a democracia que propagam é a deles; só eles podem ter voz, o povo não. Povo, para eles, só é uma audiência anônima.
Os tutores tradicionais do pensamento, incomodados,
procuram calar a voz do povo. Afinal, está na Constituição que todo
poder emana do povo. Os tutores esperam que o povo se acomode com o que
está escrito. Assim, se esgota no papel o poder popular e não é
exercido. Mas, mesmo quando tenta exercer, o povo tem sido enrolado.
Por exemplo, os brasileiros elegeram seus
representantes no Congresso, mas quem manda é quem não tem voto.
Os
representantes no Congresso têm o poder nominal de fazer leis, mas nas
verdadeiras liberdades democráticas — esse poder é apenas literal. Quem
baixa regras, mesmo, é o topo do Judiciário. Derroga até aquilo que,
cheios de esperança, considerávamos direitos e garantias fundamentais,
pétreas, inquebrantáveis.
E lá vamos nós, jogando nosso potencial no lixo, nosso
futuro no passado, nossos filhos e netos num beco sem saída.
Posso falar
nisso, pois desde 1940 acompanho esse espetáculo de país alegre e sem
rumo, na penitência de pecador por ter recebido um paraíso e não ter
conseguido convertê-lo em terra prometida, ao contrário do que fizeram
os israelenses com um deserto. Talvez um Sinai esteja dentro de nós, e
habitamos o deserto submissos a ele e a falsos Moisés. Talvez apenas não
tenhamos ânimo e coragem para separar as águas e atravessar o Mar
Vermelho.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense