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quarta-feira, 17 de maio de 2023

Tutores tradicionais do pensamento, incomodados, procuram calar a voz do povo - Alexandre Garcia

O presidente do Conselho da Renner, José Galló, afirmou, n'O Estado de S.Paulo, que somos o país do futuro que não chega. Tenho demonstrado isso em palestras. Jogamos fora as oportunidades postas à nossa porta. Parecemos masoquistas, sofrer é o nosso prazer.

Ganhamos, de graça, o que para os outros países é um sonho inalcançável: ausência de catástrofes naturais, de guerras com vizinhos; clima ideal: chuva e sol nas doses certas; água abundante, por cima e por baixo; minerais de toda sorte no subsolo; amplidão territorial, grandeza em rios e florestas; solo onde tudo dá. 
Talvez querendo nos punir por não termos conquistado o direito de ter tudo isso, tratamos de provocar para que dê errado, para que a natureza não cometa a injustiça de nos privilegiar sem mérito.

Nossas escolhas nas urnas contribuem para isso. Nossa passividade infla os fracassos. Meu colega Luiz Edgar de Andrade enganou-se, quando reportou que Charles de Gaulle dissera que o Brasil não é um país sério. Mas se não tivesse sido um engano de informação, seria bene trovato. Para compensar — e anular — tudo o que ganhamos no Gênese, provocamos um apocalipse no território nacional. Nem Noé conseguiria salvar-nos nesse dilúvio de passividade — ou sem-vergonhice?

Audiência
Agora vivemos um regime de exceção e nossa indiferença é como se estivéssemos em pleno estado de direito. A comunicação digital deu voz a todos — e os totalitários reagiram porque a democracia que propagam é a deles; só eles podem ter voz, o povo não. Povo, para eles, só é uma audiência anônima.

Os tutores tradicionais do pensamento, incomodados, procuram calar a voz do povo. Afinal, está na Constituição que todo poder emana do povo. Os tutores esperam que o povo se acomode com o que está escrito. Assim, se esgota no papel o poder popular e não é exercido. Mas, mesmo quando tenta exercer, o povo tem sido enrolado.

Por exemplo, os brasileiros elegeram seus representantes no Congresso, mas quem manda é quem não tem voto.  
Os representantes no Congresso têm o poder nominal de fazer leis, mas nas verdadeiras liberdades democráticas — esse poder é apenas literal. Quem baixa regras, mesmo, é o topo do Judiciário. Derroga até aquilo que, cheios de esperança, considerávamos direitos e garantias fundamentais, pétreas, inquebrantáveis.
 
E lá vamos nós, jogando nosso potencial no lixo, nosso futuro no passado, nossos filhos e netos num beco sem saída. 
Posso falar nisso, pois desde 1940 acompanho esse espetáculo de país alegre e sem rumo, na penitência de pecador por ter recebido um paraíso e não ter conseguido convertê-lo em terra prometida, ao contrário do que fizeram os israelenses com um deserto. Talvez um Sinai esteja dentro de nós, e habitamos o deserto submissos a ele e a falsos Moisés. Talvez apenas não tenhamos ânimo e coragem para separar as águas e atravessar o Mar Vermelho.
 
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Lula fez o diabo para escapar do encontro que Moro acaba de marcar



Se tentar esconder a verdade com as maluquices que anda dizendo, o réu da Lava Jato encurtará a distância entre São Bernardo e a República de Curitiba

“Não há no planeta Terra ninguém mais indignado do que eu”, disse Lula ao receber a notícia de que fora transformado em réu da Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro. A frase superlativa não surpreendeu o magistrado que comanda a devassa do maior esquema corrupto da história. Ele soube desde sempre com quem estaria lidando, confirma a ressalva incluída no texto que formalizou a aceitação da denúncia do Ministério Público Federal: “… entre os acusados, encontra-se ex-Presidente da República, com o que a propositura da denúncia e o seu recebimento podem dar azo a celeumas de toda a espécie”.

“Celeuma” é pouco para definir o que Lula anda dizendo desde que a distância entre São Bernardo do Campo e a República de Curitiba encurtou dramaticamente. Graças sobretudo à discurseira em resposta aos procuradores federais, ficou claro que há notáveis diferenças entre as reações verbais provocados pelo medo de cadeia ─ cujo sintoma inaugural é a perda da noção do ridículo ─ e as produzidas pelo medo da morte política, escancarado pela perda do que resta do sentimento da vergonha.

Para sobreviver ao escândalo descoberto em 2004, por exemplo, Lula primeiro afirmou que fora traído por amigos jamais identificados, depois jurou que o Mensalão nunca existiu. Sem acreditar numa só palavra do que dizia, avisou que, tão logo deixasse a Presidência, trataria de desvendar pessoalmente a conspiração da elite golpista que tentou derrubar, com a fabricação de roubalheiras imaginárias, o governo que só pensava no povo. 

Haja sem-vergonhice.  Essa retórica do cinismo deu lugar ao discurso de quem cruzou a fronteira do ridículo, avisa o palavrório despejado pelo palanque ambulante um dia depois da denúncia dos procuradores da Lava Jato. Mais grave ainda, Lula agora acredita no besteirol que improvisa sob salvas de palmas das plateias amestradas. “Acho que só ganha de mim aqui no Brasil Jesus Cristo”, disse o Mestre a seus discípulos no Sermão do Segundo Calvário. Ele ainda enxerga no espelho o campeão de popularidade aposentado pela vaia no Maracanã na abertura do Pan-2007.

Lula ultrapassou de novo a fronteira do ridículo ao explicar que “a profissão mais honesta é a do político, porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir pra rua e pedir voto”. Para o comandante do Petrolão, portanto, a mais honesta das profissões é exercida por ladrões tão insolentes que pedem votos às vítimas do assalto.  

Garantida a camisa-de-força, a alma viva mais pura do mundo consolidou a candidatura a orador das turmas do hospício com a sopa de letras concebida para provar que só diz a verdade.  “A gente pode mentir pra vocês, a gente pode mentir pra mulher da gente, a gente pode mentir pro presidente do partido, a gente pode mentir pra um companheiro, mas a gente não pode mentir nem pra Deus e nem pra gente mesmo”. Resumo da ópera do desvario: só Deus e Lula sabem a verdade que o mitômano sem cura esconde do resto do mundo. No dia do depoimento à Lava Jato, fará o possível para ocultá-la de Sérgio Moro.
Caso tente escapar da Lava Jato pela trilha desmatada por frases sem pé nem cabeça como as reproduzidas acima, poderá antecipar o acerto de contas com a Justiça. E cumprir mais cedo a promessa de percorrer a pé o caminho da cadeia.

Fonte: Blog do Augusto Nunes