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terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Como perder a guerra - Nas entrelinhas

Tanto a produção da vacina do Butantan quanto a da Fiocruz precisam de insumos importados da China, dos quais somos tão dependentes como os chineses da nossa soja

Há derrotas por antecipação. Geralmente, como já disse, ocorrem quando se comete um erro de conceito estratégico. A partir daí, os planejamentos tático e operacional são desastres sucessivos. Em tese, oficiais superiores são treinados para serem bons estrategistas. O marechal Castelo Branco, por exemplo, conquistou essa fama nos campos da Itália, na II Guerra Mundial, ao elaborar o bem-sucedido plano da tomada de Monte Castelo, que veio a ser uma das glórias de nossos pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Não é o caso do general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, apesar da fama de craque em logística.

[José Serra foi um dos melhores ministros  da Saúde e não era médico. Apesar de seus limitados conhecimento em saúde pública,  um dos feitos do MS sob seu comando - remédios genéricos - se consolidou definitivamente.
O problema do general Pauzuello é que perde tempo dando muitas explicações, declarações, e o mais grave é que não filtra adequadamente o que vai falar.
Parece ter pressa em falar - receio que lhe tirem o microfone.]
O primeiro erro de conceito de Pazuello é considerar a pandemia uma guerra. Como figura de linguagem, ainda se pode dar um desconto; como conceito de política sanitária, porém, leva a conclusões equivocadas. Logo no começo da pandemia, o sanitarista Luiz Antônio Santini, médico e ex-diretor do Inca, publicou um artigo no site do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz chamando atenção para isso: “A metáfora da guerra, embora frequente, não é adequada para abordar os desafios da saúde, até porque, por definição, uma guerra visa derrotar um inimigo e, para isso, vai requerer a mobilização de recursos das mais variadas naturezas que, em geral, levam a uma brutal desorganização econômica e social do país. Essa visão belicosa, no caso de uma pandemia, além de limitar, é seguramente ineficiente”.[convenhamos que a um jornalista despender tempo analisando o significado das palavras é normal e muitas vezes conveniente;
Mas um médico, com ampla experiência na direção de instituições da saúde, escrever um artigo que se supõe cuidar de estratégias para enfrentar o desafios da saúde, gastar um parágrafo criticando uma metáfora, deve ter sido movido por 'falta de assunto'.] 

Segundo o sanitarista, uma pandemia não representa um ataque inesperado de um agente inimigo da humanidade, como a tese da guerra sugere. “O processo de mutação dos vírus é uma atividade constante na natureza e o que faz com que esse vírus mutante alcance a população, sem proteção imunológica, são, além das mudanças na biologia do vírus, mudanças ambientais, no modo de vida das populações humanas, nas condições econômicas e sociais. Muito além, portanto, de um ataque insidioso provocado por um agente do mal a ser eliminado.” Muito provavelmente, o que está acontecendo em Manaus, e pode se repetir em outras cidades, é consequência de uma mutação genética do vírus da covid-19, que fez com que a doença se propagasse mais rapidamente e a subestimação da importância do distanciamento social e outros cuidados, como uso de máscaras.

A pandemia não é culpa de Pazuello, mas um fenômeno da natureza. Entretanto, deveria ter sido mitigada pelo Ministério da Saúde, enquanto a ciência busca respostas com vacinas, medicamentos, mais conhecimentos e tecnologias. O problema é que Pazuello não foi nomeado para o cargo de ministro da Saúde por seus conhecimentos em saúde pública, mas porque obedece cegamente ao presidente Jair Bolsonaro, um capitão que pauta sua atuação na Presidência pelo improviso e, no caso da pandemia, pelo negacionismo.

Aposta errada
Por ordem de Bolsonaro, Pazuello apostou no “tratamento precoce” à base de um coquetel cuja eficiência é contestada pelos epidemiologistas. No caso de Manaus, segundo depoimentos de intensivistas, a maioria dos mortos havia tomado hidroxicloroquina, azitromicina, zinco e vitamina D, além da ivermectina. O general foi a Manaus recomendar esse tratamento alternativo em massa, na expectativa de que isso contivesse a pandemia, em vez de dar a devida importância à escalada da doença, que provocou o colapso dos hospitais, a começar pela falta de oxigênio. Pesaram na sua avaliação a sua autossuficiência e ignorância em matéria de saúde pública.
A mentalidade bélica também cobra um preço na questão das vacinas. O tempo todo o governador de São Paulo, João Doria, foi tratado como inimigo por Bolsonaro, que demitiu Henrique Mandetta por ciúmes. [Mandetta criou entrevistas coletivas - excelente maneira de conseguir a simpatia de grande parte da imprensa - falava, falava e nada se aproveitava =  a falta de sucesso do seu livro, editado após defenestrado do MS, mostra o pouco valor que tem o que diz, escreve.
Bolsonaro está certíssimo quando considera, e trata, o 'bolsodoria' como inimigo - inimigo é a menor classificação que o presidente pode, e deve, dedicar a um indivíduo que se elegeu graças ao apoio do capitão e logo que empossado traiu seu principal e mais eficiente cabo eleitoral.]  O ex-ministro havia alcançado grande popularidade, ao liderar a luta contra a pandemia, e havia se encontrado com o governador paulista para discutir a colaboração entre os governos federal e estadual no enfrentamento da crise sanitária. À época, Bolsonaro considerava a covid-19 uma “gripezinha”, sabotava o distanciamento social e desacreditava a vacina, que ainda se recusa a tomar, com argumento de que foi imunizado pela doença, embora os casos de reinfecção estejam aumentando.[um comentário nada científico: classificar como regra geral a covid-19 como gripezinha pode não ser politicamente correto, até certo ponto desagradável,  mas dependendo do caso pode mudar o conceito.
Conhecemos uma senhora com 89 anos que na sexta-feira p.p(15), foi diagnosticada com covid-19, ela e o filho com 55 anos.
Após o teste ambos foram internados no dia 15 e ela desde ontem, (18) está em casae o filho permanece internado.
Convenhamos que usar gripezinha para definir a covid-19 que acometeu é adequado.]
O resultado todo mundo sabe. A vacina do Butantan (CoronaVac) é a única disponível até agora. O governador João Doria começou a campanha de vacinação no domingo. Pazuello corre contra o prejuízo. As vacinas disponíveis 6 milhões de doses, equivalentes à vacinação de 3 milhões de pessoas, a maioria profissionais de saúde — são insuficientes para imunizar a população. [além da pouca eficácia da vacina - ao nosso entendimento leigo vacinar 100 pessoas e 70 ficarem imunizadas é bem melhor (além de reduzir o número de possíveis infectados, reduz o número de potenciais contaminadores) que vacinar 100 e apenas 50 ficarem imunizados. 
Outro ponto não muito favorável é que a CoronaVac rende a metade da vacina da Fiocruz. Coronavac = 6 milhões de doses, permite vacinar  3 milhões de pessoas e Fiocruz = 2 milhões de doses vacina dois milhões de pessoas.
Vale lembrar que é melhor uma CoronaVac no Brasil do que uma Astra Zeneca na Índia.] 
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense