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domingo, 26 de maio de 2019

Manifestação errada em hora inadequada

Mobilização de bolsonaristas amanhã em nada ajuda o governo nos desafios políticos

O presidente Jair Bolsonaro diz que não irá às manifestações de amanhã, alegadamente para defendê-lo e a seu governo de um suposto avanço da esquerda, demonstrado pelas passeatas em defesa da Educação. As derrapagens do governo no MEC criaram mesmo um chamativo pretexto. Mas não havia apenas a cor vermelha nas passeatas.

O estranho é fazer manifestação como se estivéssemos em período eleitoral. Diante da evidência de que o movimento foi criado a partir das redes sociais, por onde transitam frações da extrema direita e suas propostas radicais, inconstitucionais, o presidente, que teria chegado a admitir comparecer, recuou. Seria uma sandice ir. Ele mesmo, em viagem ao Paraná na quinta-feira, criticou quem planeja levar às ruas pedidos de fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Em café da manhã, também quinta, com jornalistas, para o qual O GLOBO não foi convidado, o presidente afirmou que quem defender essas palavras de ordem no domingo “estará na manifestação errada”. Fechar instituições republicanas é “golpe”, o que também era defendido pelo lulopetismo quando pregava a convocação de uma ilegal “Constituinte exclusiva”, para alterar a Carta sem quorum qualificado, ao seu bel-prazer. [a constituição 'cidadã', atrapalha em muito a governabilidade, desce a detalhes que em vez de esclarecer abrem espaços para mais questionamentos - salvo engano é a segunda ou terceira maior constituição do planeta - tem um artigo que precisa ser reduzido ou até mesmo excluído (claro, por uma Constituinte com poderes para legais para tanto) o famoso artigo 5º que só concede DIREITOS sem a contrapartida dos DEVERES.


Do começo ao fim aquele artigo permite praticamente tudo e o que não está permitido pode passar a ser, bastando uma interpretação ampla do termo 'direito individual'.

Talvez esteja sendo exagerado neste exemplo, mas se um individuo decidir defecar (por exibicionismo, protesto, ou mesmo alguma desordem mental) em plena praça pública - tipo na Praça dos Três Poderes em Brasilia, ou em frente ao Monumento dos Pracinhas no Rio ou em outros locais - e por acaso seja preso, alegando ofensiva ao pudor (apesar daquele grotesco episódio no carnaval de rua deste ano, a golden shower, que foi visto como normal e até aplaudido nas redes sociais) há risco da matéria ir parar no Supremo e lá decidirem que defecar é um direito individual e pode ser exercido sem restrições e quem reclamar será preso pela prática de crime inafiançável, imprescritível, etc, etc.
Sempre oportuno lembrar que estamos no Brasil, onde a Suprema Corte é chamada a se manifestar até sobre o uso de banheiros unissex, públicos,  por crianças adultos.].

Mas, mesmo com todos esses inconvenientes é a CONSTITUIÇÃO vigente e tem que ser cumprida.]

O presidente comparou este tipo de manifestação com as que têm sido arregimentadas pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro, isolado no poder, até agora sob a proteção da cúpula militar. E aplaudido por claques de beneficiados pelo assistencialismo estatal, enquanto o país dissolve.  Em vez de gastar tempo e energia num ato extemporâneo, os bolsonaristas devem procurar entender que o jogo político é travado no Parlamento, onde são negociados projetos. Quem costuma ir às ruas é a oposição, que se mobiliza em momentos críticos, de impasse. Não é o que acontece.

Transita pelo Congresso um projeto de reforma da Previdência, crucial para a economia enfim se livrar de travas fiscais. É uma tarefa de que a classe política se esquiva há pelo menos 25 anos, desde que Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente, com propostas reformistas. Uma delas, a previdenciária. Não teve condições de aprová-las como gostaria. Depois, vieram Lula e Dilma, ideologicamente contrários ao ajuste das contas públicas, por acharem que ele seria feito contra os “pobres”, grave engano. Mesmo assim foram forçados a avançar alguns passos em mudanças na previdência dos servidores públicos. A hora, portanto, é de o governo e aliados atuarem no Congresso para viabilizar mudanças que se tenta fazer há um quarto de século.

A própria bancada do PSL, partido do presidente, precisa entender o que se passa. A foto publicada pelo GLOBO, de deputados pesselistas gravando “lives” no plenário da Câmara, simboliza a dessintonia entre bolsonaristas e a realidade. Redes sociais podem ter ajudado na campanha. Mas não auxiliam a governar.


 Editorial - O Globo