J. R. Guzzo
Terra arrasada
Após três anos inteiros de violação maciça do direito de defesa e das
prerrogativas legais dos advogados, nos processos tocados em segredo
pelo ministro Alexandre de Moraes no seu inquérito criminal para
investigar “notícias falsas” e “atos antidemocráticos”, a Ordem dos
Advogados do Brasil resolveu, enfim, dizer alguma coisa em nome dos seus
associados.
Com todo o respeito, perguntou a OAB, será que não daria
para o ministro permitir que os advogados defendessem os seus clientes,
como determina a lei – a começar por direitos absolutamente elementares,
como o acesso aos autos, ou saber do que, precisamente, as pessoas
estão sendo acusadas?
Para todos os efeitos práticos, a resposta que
receberam foi a seguinte: “Vão ver se eu estou na esquina. Não me
amolem”.
Foi uma fotografia perfeita, mais uma, da situação de
terra arrasada em que se encontram hoje a democracia, os direitos civis e
as liberdades públicas neste país.
O STF diz, com todas as letras, que
os advogados não podem utilizar as regras legais para defender clientes
indiciados no inquérito perpétuo, secreto e ilegal de Alexandre de
Moraes. É “defesa da democracia”, dizem eles o tempo todo, e para
defender “a democracia” o ministro está autorizado a fazer tudo.
A
resposta de Moraes à OAB é um monumento a essa aberração.
Ele apenas
afirmou, no português de reprovado no Enem que se vê em quase todos os
seus despachos, que não havia do que reclamar.
Os direitos de defesa
estão sendo observados, alegou – embora seja óbvio, objetivamente, que
não estão. Não vai tomar nenhuma providência. Fim de conversa. [O ilustre Flávio Gordon publicou na Revista Oeste uma excelente matéria - Golpe de Estado - em que apresenta o golpe de estado jurídico "Eis porque o golpe de Estado jurídico seja muito mais insidioso e difícil de conter, uma vez que, ..."
Recomendamos a leitura.]
É
preciso voltar ao tempo do AI-5, e seus processos secretos na Justiça
Militar, para encontrar algo parecido em matéria de agressão às
garantias que a lei brasileira dá aos advogados. Talvez seja pior.
O
inquérito dos “atos antidemocráticos” é ilegal na origem, ao expropriar
do Ministério Público o direito, que só ele tem, de iniciar inquéritos
criminais – e ao transformar o complexo Moraes-STF em polícia, promotor,
vítima e juiz ao mesmo tempo.
Em consequência, tudo o que sai dele está
contaminado pela ilegalidade. É um clássico da teoria jurídica da
“árvore envenenada” – um ato judicial iniciado fora da lei só pode
produzir frutos com veneno.
A conduta do STF está envenenada
também pela hipocrisia.
Ainda há pouco, com o apoio dos “garantistas”
(onde estarão eles hoje?), o tribunal exigia a obediência fanática a
cada átomo dos direitos dos réus na Lava Jato; por conta disso,
praticamente todas as punições foram anuladas – incluindo as de Lula, o
que permitiu a sua volta à Presidência da República. [atualmente o Lula está prestas a dar o terceiro passo - ser diplomado - rumo ao seu sonho de voltar à cena do crime (segundo palavras do Alckmin, vice-presidente eleito do petista) voltar a presidir o Brasil. Agora é o
contrário.
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo