Em 2021, a mordaça finalmente começou a ser aplicada. A ordem, entretanto, veio do outro lado da Praça dos Três Poderes
Foi como estrangular os canais que vivem do dinheiro que ganham na internet
Do STF também surgiram outras investidas recentes patrocinadas pelo seu puxadinho mais próximo, o Tribunal Superior Eleitoral, formado por integrantes da mesma Corte. Na última terça-feira, o corregedor do TSE, Luis Felipe Salomão, determinou que alguns canais de direita ou apoiadores do presidente Jair Bolsonaro fossem proibidos de monetizar — termo técnico usado pelas plataformas de redes sociais para pagar os proprietários por seus conteúdos conforme o número de visualizações. Na prática, foi como estrangular os canais que vivem do dinheiro que ganham na internet. Foram emparedados os perfis Te Atualizei, Terça Livre, Jornal da Cidade Online, Folha Política e Vlog do Lisboa.
Dessa lista, causou enorme repercussão a inclusão do bem-humorado Te Atualizei, conduzido pela mineira Bárbara Destefani, com mais de 1,3 milhão de inscritos. “Não sei por que estou sendo investigada”, disse. “Foi apontado pelo ministro que as pessoas se colocam como analistas políticos — e como se isso fosse crime. Não é o meu caso, nunca enganei ninguém nem me coloquei como grande filósofa contemporânea. Sou uma dona de casa que gosta de política, que arrumava a casa com o celular preso no sutiã ouvindo a TV Câmara e a TV Justiça. Achei que, se eu seguisse as regras, estava segura pela Constituição. Nunca fui sequer punida pelo YouTube.”
Bárbara do canal Te Atualizei relata sua experiência de censurada.
Entrevista ainda está sendo feito ao vivo agora nos Pingos nos is:https://t.co/O9iKDn3TDA pic.twitter.com/8z8Hl6A6Vs
— Eduardo Bolsonaro🇧🇷 (@BolsonaroSP) August 17, 2021
Mas, afinal, por que um tribunal que cuida de eleições — e só por isso já se configura uma jabuticaba brasileira — pode arbitrar sobre o assunto se não estamos nem próximos do início da campanha? “Não se trata de candidatos ou potenciais candidatos a eleições para envolver a Justiça Eleitoral. É uma decisão intrigante”, afirmou a deputada estadual e jurista Janaina Paschoal (PSL-SP). “É aceitável um tribunal que se entende vítima de ações dessas pessoas aplicar medidas restritivas contra elas? Eu considero que não.”
Para Dircêo Torrecillas Ramos, jurista e membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, a decisão do TSE é inconsistente. “Primeiro, porque é relativo e muito difícil dizer o que é fake news ou não”, afirmou. Segundo ele, a canetada configura censura indireta. “Ao propor a desmonetização desses veículos, o TSE está praticando o cerceamento da liberdade de expressão de jornalistas e daqueles que encontraram um meio de falar o que pensam e de ganhar dinheiro com isso.”
É evidente que em determinadas postagens houve excessos. Como na forma grosseira com a qual Daniel Silveira se referiu aos membros da Corte ou nos apelidos dados aos ministros do STF por Roberto Jefferson — alguns destacando supostas orientações sexuais — e que seus seguidores nas redes sociais transformam isso em combustível permanente. Mas puni-los com prisões em flagrante ou preventivas — nas quais não há prazo estipulado pelo Código de Processo Penal (CPP) — por vídeos publicados provocou barulho no meio jurídico. “Embora admire o ministro Alexandre de Moraes, considero que a prisão foi equivocada”, afirmou o jurista Ives Gandra Martins. “Em uma democracia, as opiniões têm de ser expressas livremente. Não havendo atentados contra a democracia, mas apenas maneiras de pensar diferentes, não pode haver censura. Lutamos pela democracia para que tivéssemos a oportunidade de ampla expressão.”
A quem interessa a mordaça?
Não chega a causar estranheza a persistente patrulha do Judiciário aos canais que não se alinharam à oposição compulsiva ao governo Jair Bolsonaro.
“Do jeito que está, o relatório do TSE acaba com uma mídia que hoje é mais forte do que a tradicional”, disse Torrecillas. Janaina Paschoal completa: “O Brasil talvez seja um raro exemplo de país em que a ditadura é feita pelos que não ganharam a eleição”.
Leia também “A última entrevista de Roberto Jefferson antes da prisão”, publicada na Edição 73 da Revista Oeste