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sexta-feira, 3 de junho de 2022

A decadência do MST - Revista Oeste

Edilson Salgueiro

A expansão de armas defensivas no campo, a crise financeira de ONGs que patrocinavam invasões e o aumento da distribuição de títulos de propriedades rurais paralisam os movimentos sem-terra

Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) | Foto: Júlia Dolce/MST
Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) | Foto: Júlia Dolce/MST

As invasões de propriedades rurais aterrorizaram os brasileiros por décadas. Nos telejornais, os cidadãos se acostumaram a assistir às cenas de militantes com camisetas vermelhas e foices nos punhos ocupando fazendas, chácaras e granjas. Incêndios de plantações e destruições de lavouras se tornaram práticas comuns desses grupos. Mas o cenário agora é outro.

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), 11 invasões de fazendas foram registradas no país no ano passado. Em 2020, foram apenas seis. No ano anterior, sete. Trata-se dos menores números verificados desde 1995, quando o Incra passou a organizar as estatísticas.

Nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os sem-terra invadiram quase 2.500 fazendas. A administração de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) registrou cerca de 2.000 invasões. Na era Dilma Rousseff (PT), por sua vez, houve menos de 1.000 crimes dessa natureza. Os números mostram que o atual governo, liderado por Jair Bolsonaro (PL), apresenta um desempenho melhor até mesmo que o verificado na gestão de Michel Temer (MDB), que durou de agosto de 2016 a dezembro de 2018: foram 54 invasões durante o tempo em que o emedebista esteve à frente do Palácio do Planalto, enquanto nos últimos quase quatro anos elas não passaram de 15.

De acordo com Luiz Antônio Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários da Presidência, um dos fatores que explicam a redução no número de invasões é o armamento dos fazendeiros — mais especificamente, a regra que permite aos proprietários rurais carregarem as armas por toda a extensão da propriedade. Antes, a posse era restrita à sede do imóvel. “Os criminosos sabem que vão se deparar com pessoas armadas”, disse Garcia. “É um direito do cidadão defender a família. Está no Código Civil e no Código Penal.”

O caixa-forte do MST
Outro motivo para a queda nas invasões é a diminuição de verbas federais para as entidades ligadas aos sem-terra, que eram abundantes nas administrações petistas. Apesar de os líderes do MST responderem de maneira evasiva quando indagados sobre a origem dos recursos que sustentam as atividades do grupo, as informações bancárias de organizações não governamentais (ONGs) favoráveis à reforma agrária mostram que as invasões de propriedade eram financiadas pelos pagadores de impostos.

Os dados extraídos do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostram que o MST dispunha de uma ampla rede de abastecimento e distribuição de recursos. Mais de 40 entidades capitaneadas por integrantes ou líderes do movimento foram regadas com verbas públicas e privadas. A Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) está no topo da lista, com mais de R$ 22 milhões repassados por meio de convênios celebrados com os petistas entre 2003 e 2009.

Segundo a Contas Abertas, associação que elabora estudos sobre os gastos públicos, o repasse de recursos às ONGs era permeado por irregularidades. Em torno de R$ 23 milhões foram pagos através de contratos considerados inadimplentes e cujos pagamentos foram suspensos (alguns por apresentarem irregularidades na execução do convênio e outros pela falta de prestação de contas).

Esse é o caso da Anca, que foi alvo do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) por cometer improbidade administrativa. O presidente da entidade, Adalberto Floriano Greco Martins, foi acusado de repassar ilegalmente recursos públicos ao MST. Conforme a denúncia, a Anca não prestou contas de um montante de R$ 3,6 milhões transferido ao movimento social em 2004, de origem do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

No total, as ONGs receberam R$ 152 milhões de verbas federais da administração Lula. Dilma, que ficou menos tempo no Palácio da Alvorada, desembolsou R$ 100 milhões. Hoje, esses grupos não recebem nada. “O homem do campo vivia com insegurança por causa do MST”, afirmou Bolsonaro, em entrevista ao programa Voz do Brasil, da Rádio Nacional. “Percebemos que o movimento buscava recursos de ONGs patrocinadas por verbas federais.”

A legislação brasileira (8.629/1993) proíbe o financiamento público de grupos cujas ações configuram crime de invasão de imóveis rurais ou de bens públicos.

Nova política
Desde 2019, Bolsonaro transformou o programa de reforma agrária brasileiro. O modelo aplicado anteriormente, que consistia em desapropriações de “terras improdutivas” e instalações de novos assentamentos, deu lugar à titulação de propriedades rurais aos agricultores que já ocupavam um terreno, mas não tinham sua situação fundiária regularizada.

A política de assentamentos com base em desapropriações, iniciada durante a administração de José Sarney, reverberou nas gestões de Fernando Collor, Itamar Franco, FHC, Lula e Dilma, mas perdeu o ritmo com a ascensão de Temer ao Planalto e praticamente foi extinta no atual governo.

A nova política, acompanhada pelo TCU, permitiu que 335 mil famílias tivessem sua situação regularizada

“O Incra deu ênfase à política de titulação porque acredita que essa medida melhora a qualidade de vida das famílias dos assentados”, explicou Geraldo Melo Filho, presidente da autarquia. Ele afirma que a reforma agrária não parou — apenas mudou o foco. “Isso reduz a evasão. A entrega dos títulos permite aos assentados acessarem novas linhas de crédito.”

A nova política, acompanhada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), permitiu que 335 mil famílias tivessem sua situação regularizada — um recorde. Quase 100% dos títulos de propriedade beneficiam pequenos proprietários rurais.

Para Henrique Sales, consultor legislativo do Senado na área de agricultura, a regularização fundiária é imprescindível para que o produtor tenha acesso às políticas públicas de incentivo à produção. “Ao permanecerem em terras irregulares, os pequenos produtores tornam-se ainda mais vulneráveis”, observou, em audiência pública. “É inegável que a regularização das terras pode beneficiá-los com mais cidadania, segurança jurídica, social e econômica.”

Privado versus coletivo
Atualmente, há três tipos de título de propriedade: o primeiro é provisório, conhecido por Contrato de Concessão de Uso (CCU), que permite a exploração da terra. Os outros dois tipos têm caráter definitivo. A Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) pode ser concedida de forma coletiva ou individual, mas mantém o Estado como proprietário da terra. Já o Título de Domínio (TD) é absolutamente individual e a propriedade é transferida para o assentado.

O MST se manifesta contrário à atual política agrária. Segundo o movimento, as terras devem ser de propriedade coletiva. “Há um assédio às famílias que optam pela titulação privada, o que possibilita a venda das terras destinadas à reforma agrária”, declarou o próprio movimento. “Essa medida faz com que as pessoas que estão vivendo nos assentamentos percam o direito de herança da terra, o direito de permanecerem com a posse da propriedade.”

Mas é exatamente a concessão do título definitivo que dá aos pequenos produtores a liberdade de cultivar ou vender a própria terra, observa o jornalista Nelson Barretto, do Movimento Paz no Campo. “Quando acabamos com essa ideia, implantamos um regime ditatorial.”

Apesar de as políticas do Executivo terem praticamente neutralizado as investidas do MST, algumas armadilhas da legislação brasileira permitem que os militantes continuem a praticar delitos.

Jairo dos Santos Pereira, um dos coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Minas Gerais, o principal tentáculo urbano do MST, foi solto na quarta-feira 18, depois de ficar apenas cinco horas detido na Delegacia de Plantão da Polícia Civil. Ele havia sido preso por liderar a invasão de um imóvel no município de Montes Claros, localizado a 330 quilômetros de Belo Horizonte.

Segundo a Polícia Militar, responsável pela prisão do militante, aproximadamente 15 pessoas estavam no terreno indevidamente ocupado. Os policiais informaram Pereira que invadir propriedade privada é ilegal e constitui um “crime de esbulho possessório”  privar alguém de exercer a posse de um imóvel legítimo. O coordenador do MTST resistiu à abordagem e afirmou que não deixaria o terreno. Acabou preso.

“Esse pessoal é bem orientado”, disse Aline Bastos (PL), advogada e pré-candidata a deputada federal, que prestou assessoria jurídica a Halex Athayde, proprietário do terreno invadido pelos sem-teto em Montes Claros. “Eles conseguem recrutar crianças, grávidas e deficientes mentais.” A tática é sempre a mesma: o MTST alicia os pobres e miseráveis e lhes promete uma casa própria. Sem alternativas, as pessoas carentes aceitam a oferta.

Marilena de Souza é uma das aliciadas. Ela foi cooptada pelos coordenadores estaduais do movimento, mas não sabia que a proposta envolvia a invasão de uma propriedade privada. “Eles disseram que haviam recebido um terreno”, explicou. “Trabalho como faxineira três dias por semana, com salário diário de R$ 100. Como não iria me interessar pela oferta?”

Carlos Marques também participou da invasão. Ele disse que aceitou a proposta porque queria deixar de pagar aluguel. “Os coordenadores nos prometeram um terreno próprio”, revelou. Além de moradia, o MTST ofereceu um punhado de arroz e feijão àqueles que topassem ocupar a propriedade de Athayde.

Dezenas de cooptados preferiram não se manifestar publicamente, por medo de retaliação. Os entrevistados tiveram seus nomes alterados.

O papel do Legislativo
Para Heitor Soares, coordenador do núcleo de agronegócio do escritório Nelson Willians Advogados, a legislação que trata da invasão de propriedade é branda. “A pena prevista para o crime de esbulho possessório é de detenção de um a seis meses de prisão e multa”, explicou. “É diferente de reclusão. A pena de detenção é inferior a dois anos de prisão. A de reclusão é maior que isso. Nesse último caso, a pena é privativa de liberdade.”

O advogado diz que os invasores podem ser presos somente se cometerem agressões contra os proprietários de terras. “Para que tenhamos realmente mais energia no combate às invasões, é preciso mudanças legislativas”, afirmou.

Em 2021, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o regime de urgência para o Projeto de Lei 1.595/2019, do deputado federal Vitor Hugo (PL-GO), que regulamenta as ações estatais para reprimir atos terroristas no Brasil. A proposta inclui, entre outras coisas, “ações violentas com fins políticos ou ideológicos” na classificação de terrorismo. “Nossa intenção é salvar as vidas humanas, resguardar a capacidade do Estado de tomar as decisões em momentos críticos e preservar o patrimônio público e privado”, ressaltou o parlamentar.

Em abril deste ano, Bolsonaro enviou ao Congresso Nacional um projeto que prevê a atualização da Lei nº 13.260/2016, apelidada de Lei Antiterrorismo. A proposta é similar à apresentada anteriormente. Agora, a expectativa do governo é tentar retomar o tema, com o apoio dos partidos do centrão. No ano passado, o requerimento de urgência da proposta de Vitor Hugo teve 228 votos favoráveis, quando era necessário o apoio de 257 deputados.

A volta de José Rainha
Quem está celebrando a frouxidão das leis brasileiras é José Rainha Junior, um dos antigos líderes do MST. Em 2015, o militante foi condenado pela 5ª Vara da Justiça Federal de Presidente Prudente (SP) a 31 anos e cinco meses de prisão pelos crimes de extorsão, formação de quadrilha e estelionato.

Em 2011, Rainha foi investigado pela Polícia Federal na Operação Desfalque, que descobriu um esquema de extorsão de empresas e desvios de verbas para assentamentos rurais. Segundo o Ministério Público Federal (MPF), ele usava trabalhadores vinculados ao MST como massa de manobra para invadir terras e exigir pagamentos de contribuições aos movimentos sociais.

Rainha teria recebido R$ 70 mil de duas empresas do agronegócio para não invadir fazendas nem queimar canaviais do Pontal do Paranapanema e da região de Paraguaçu Paulista, no extremo oeste do Estado de São Paulo. Ainda de acordo com os promotores, o ex-líder do MST teria exigido R$ 112 mil de uma concessionária de rodovias para não depredar as praças de pedágio.

Em 2012, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu libertar o militante político. “Para manter a prisão, é preciso que haja fatos concretos que sinalizem a periculosidade e a possibilidade de que o acusado possa voltar a praticar o crime”, decidiu a ministra Rosa Weber.

Nove anos depois, a Justiça de São Paulo recebeu uma série de pressões de fazendeiros que estavam sendo atormentados pelo retorno das invasões de terra no Pontal do Paranapanema. Os pedidos de socorro ao Judiciário citavam especificamente José Rainha Junior, que agora é comandante da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL). Nada adiantou.

Há uma semana, a FNL se tornou vizinha das Forças Armadas em Brasília. O grupo invadiu um terreno público ao lado do Comando de Defesa Cibernética, no Lago Norte. Os militantes estão a poucos metros do quartel, em uma extensa área de cerrado. Há divisão dos lotes e até mesmo a presença de uma portaria de madeira, o que sugere uma ocupação profissional.

Além do Executivo
Invasões semelhantes às ordenadas por Rainha se tornaram os últimos espasmos dos sem-terra e dos sem-teto. Isso porque, como observa o deputado Frederico d’Avila (PL-SP), o porte de arma aos fazendeiros, o corte de financiamento de ONGs e os títulos de propriedade aos produtores rurais neutralizaram as investidas dos militantes do MST, do MTST e da FNL.

Incêndios de plantações e destruições de lavouras deixaram de ser práticas comuns desses grupos. Mas não por benevolência dos criminosos. O que levou à drástica redução no número de invasões e ao fim da violência nas propriedades rurais foram políticas públicas sólidas, que deram aos trabalhadores a liberdade para defender as conquistas obtidas com o suor do próprio rosto. Resta ao Legislativo e ao Judiciário não atrapalharem o processo.

Leia também “O MST é um caso de polícia”

Edilson Salgueiro, colunista - Revista Oeste