O
fechamento do centro de detenção na ilha de Cuba não deve ocorrer em um futuro
próximo
Na semana
passada, o
presidente americano Barack Obama formalizou sua última tentativa para
cumprir uma de suas principais promessas de sua primeira campanha em 2008:
fechar o centro de detenção de Guantánamo. O presídio, que funciona no enclave militar americano na ilha de Cuba, se
tornou um dos principais símbolos dos abusos da Guerra ao Terror empreendida
pelo governo dos Estados Unidos depois dos atentados de 11 de setembro 2001.
Quando foi eleito, Obama prometeu que fecharia o local em até um ano. Oito anos
depois, em seu derradeiro ano na presidência dos Estados Unidos, ele faz um
último esforço e enfrenta um Congresso de maioria republicana hostil à demanda,
a falta de apoio popular em relação ao assunto e a má vontade de instâncias
burocráticas do governo americano.
ÉPOCA explica por que o tema é alvo de
polêmicas e entraves e esclarece o que diz o plano do presidente Obama.
Por
que fechar Guantánamo?
Em 2004, o escândalo do centro de detenção americano de Abu Ghraib, no Iraque, eclodiu. Fotos revelaram a tortura e a humilhação dos prisioneiros ali lotados – o lado obscuro da Guerra ao Terror começava a vir a público, provocando comoção internacional. Com o início de uma série de investigações e audiências públicas conduzidas pelo Congresso americano e organizações internacionais, foi identificado que o modelo de interrogatório e detenção dos prisioneiros suspeitos de atos de terrorismo usado em Abu Ghraib havia sido gestado muito mais próximo de casa, em Guantánamo, na base militar localizada a cerca de 200 quilômetros da costa do estado da Flórida. Prisões arbitrárias, detenções sem julgamento – e por vezes sem evidências que justificassem o encarceramento– abusos e o uso de tortura física e psicológica se tornariam as marcas perenes de Guantánamo.
Em 2004, o escândalo do centro de detenção americano de Abu Ghraib, no Iraque, eclodiu. Fotos revelaram a tortura e a humilhação dos prisioneiros ali lotados – o lado obscuro da Guerra ao Terror começava a vir a público, provocando comoção internacional. Com o início de uma série de investigações e audiências públicas conduzidas pelo Congresso americano e organizações internacionais, foi identificado que o modelo de interrogatório e detenção dos prisioneiros suspeitos de atos de terrorismo usado em Abu Ghraib havia sido gestado muito mais próximo de casa, em Guantánamo, na base militar localizada a cerca de 200 quilômetros da costa do estado da Flórida. Prisões arbitrárias, detenções sem julgamento – e por vezes sem evidências que justificassem o encarceramento– abusos e o uso de tortura física e psicológica se tornariam as marcas perenes de Guantánamo.
Fechar a
prisão, nesse sentido, seria o passo mais contundente a ser dado pelo governo
americano no reconhecimento dos abusos cometidos em nome do combate ao terror. “Manter esta instalação aberta contraria
nossos valores”, afirmou o presidente Barack Obama na coletiva de imprensa
em que anunciou seu plano de fechamento de Guantánamo “O fechamento do centro de detenção da Baía de Guantánamo é um
imperativo para a segurança nacional. Seu funcionamento contínuo enfraquece
nossa segurança nacional por alimentar a propaganda de recrutamento de
extremistas violentos, causando dano às relações com aliados e parceiros chave
e drenando recursos do Departamento de Defesa”, diz a introdução do plano
apresentado por Obama, ecoando críticas feitas por organizações de direitos
humanos e analistas de segurança internacional.
Desde
2002, cerca 780 prisioneiros passaram por GTMO – como a
prisão é referida em sua abreviação técnica. Deles, 680 foram transferidos para países como Afeganistão, Arábia
Saudita, Paquistão, Reino Unido, Alemanha, Uruguai e outros, onde vivem em
liberdade relativa, monitorados por procedimentos de segurança exigidos pelas
autoridades americanas. Quatro morreram
em custódia.
Hoje, restam 91 prisioneiros em Guantánamo, dos quais 36 já
foram “liberados para transferência”.
É o jargão usado para os prisioneiros cujos casos foram individualmente
avaliados por um comitê composto pelos Departamentos de Estado, de Segurança
Nacional de Justiça e de Defesa e outras duas agências governamentais da área
de segurança e receberam, de forma unânime, uma espécie de salvo conduto de que
não representam perigo para os Estados Unidos. "O governo reluta tanto em admitir um erro que, ao invés de
dizer que 'nós exoneramos essa pessoa, olhamos para as provas e determinamos
que não havia evidência para detê-la em primeiro lugar’, prefere dizer: essa
pessoa pode ser enviada de maneira segura
para um terceiro país sem representar um perigo aos Estados Unidos", diz
Joe Pace, da organização Reprieve, que presta auxílio jurídico para
prisioneiros e ex-prisioneiros de Guantánamo e advoga pelo fim de violações de
direitos humanos no âmbito prisional. "
Essa distinção é importante, porque o governo faz isso para não admitir que a
detenção da pessoa foi um erro desde o início”.
O plano também defende o
fechamento da prisão como um
medida prudente do ponto de vista fiscal num momento em que há clamor por
contenção de gastos públicos nos Estados Unidos. De acordo com o documento do
governo americano, os gastos para manter os 91
prisioneiros, sob a guarda de um total de dois mil funcionários, entre
militares e seguranças privados,
demandou gastos de US$ 450 milhões no ano passado. Guantánamo
representaria assim um gasto orçamentário desproporcional em relação ao
contingente de pessoas que se encontra no local.
O
que diz o plano?
Em um documento de nove páginas, o Executivo americano defende uma estratégia em três frentes para fechar o centro de detenção de Guantánamo: atuar ativamente para a transferência para outros países dos 36 prisioneiros que já estão liberados para o procedimento; manter reavaliações periódicas dos casos dos prisioneiros restantes; e por fim, transferir para outros países os prisioneiros que serão julgados por seus crimes - ou para algum centro de detenção no território americano os prisioneiros que continuarem com status indefinido.
Em um documento de nove páginas, o Executivo americano defende uma estratégia em três frentes para fechar o centro de detenção de Guantánamo: atuar ativamente para a transferência para outros países dos 36 prisioneiros que já estão liberados para o procedimento; manter reavaliações periódicas dos casos dos prisioneiros restantes; e por fim, transferir para outros países os prisioneiros que serão julgados por seus crimes - ou para algum centro de detenção no território americano os prisioneiros que continuarem com status indefinido.
Dentre
eles, há um número pequeno de prisioneiros cujos casos
tramitam a passos lentos na Justiça americana – cerca de nove. A
situação mais polêmica, no entanto, se refere aos prisioneiros que “não se qualificam para serem processados”.
São os prisioneiros contra os quais não há nenhuma
acusação formalizada, com evidências e provas de crimes, mas que não
foram liberados pela comissão de segurança do governo que avalia seus casos e
determina seu destino. Dos 46 prisioneiros “não
liberados para transferência” que permanecem em Guantánamo, 22 foram
qualificados por uma força tarefa das autoridades americanas como passíveis de
sofrerem algum processo e irem a julgamento – o restante, caso já não esteja
envolvido em algum trâmite legal, se encontra no limbo jurídico, sem um
processo formal de acusação, mas sem possibilidade de libertação. Sua detenção
é dada como indefinida.
Para esses prisioneiros e aqueles
que eventualmente forem condenados a penas, o plano de Obama propõe ou
sua transferência para uma prisão de segurança máxima (as notórias “supermax”) já existente nos Estados Unidos ou para um
novo presídio a ser construído dentro de uma base militar em território americano.
É
exatamente essa disposição que suscitou críticas de ativistas e organizações
internacionais. "O problema de
Guantánamo nunca foi sua localização. O problema é termos pessoas que estão
detidas, sem acusação, sem julgamento, de maneira indefinida, e frequentemente
com base em evidências duvidosas que foram obtidas por tortura. Para nós,
simplesmente mudar o CEP de Guantánamo não resolve o problema. A lei requer que
o presidente ou acuse essas pessoas ou as liberte”, diz Pace. “Não há nenhuma informação nova nesse plano.
A administração tem trabalhado com a ideia de abrir uma prisão nos Estados
Unidos para abrigar as pessoas que supostamente são muito perigosas para serem
libertadas, mas contra as quais não há evidência suficiente para levá-las a
julgamento. Isso tem sido falado há tempos. O problema é que isso custaria
muito dinheiro e o presidente não tem a habilidade de gastar essa quantidade de
dinheiro para abrir uma prisão nos Estados Unidos sem autorização do Congresso,
que não vai cooperar”, completa.
Quais
são suas perspectivas de execução do plano?
Além da polêmica em torno dos casos dos presos com status indefinido, a perspectiva do fechamento de Guantánamo em um futuro próximo não parece realista. O presidente americano enfrenta uma maioria republicana no Congresso que é contra o fechamento do centro de detenção - sem falar de uma parte considerável do próprio partido Democrata que não se mostra receptiva ao projeto. “Eu acho que é extremamente improvável (que Obama consiga dar continuidade ao plano). O presidente tem dito desde seu primeiro dia de mandato em 2009 que iria trabalhar com o Congresso para fechar Guantánamo, e até agora não foi bem sucedido”, diz Pace.
Além da polêmica em torno dos casos dos presos com status indefinido, a perspectiva do fechamento de Guantánamo em um futuro próximo não parece realista. O presidente americano enfrenta uma maioria republicana no Congresso que é contra o fechamento do centro de detenção - sem falar de uma parte considerável do próprio partido Democrata que não se mostra receptiva ao projeto. “Eu acho que é extremamente improvável (que Obama consiga dar continuidade ao plano). O presidente tem dito desde seu primeiro dia de mandato em 2009 que iria trabalhar com o Congresso para fechar Guantánamo, e até agora não foi bem sucedido”, diz Pace.
Se Obama decidir que tem a
prerrogativa constitucional de fechar o complexo de maneira unilateral, com uma
ordem executiva, o Congresso poderá barrá-lo na Justiça – e já disse que o
fará: no dia seguinte à publicação do plano, o presidente da Câmara dos
Representantes, Paul Ryan, informou que buscava orientação jurídica na questão
e estaria pronto para barrar qualquer plano implementado de maneira unilateral
pelo Executivo, com base na Lei de Autorização de Defesa Nacional aprovada em
2015. A norma proíbe o uso de fundos do orçamento de defesa americano para
transferir prisioneiros de Guantánamo para o país.
O tema também não é
particularmente popular entre o eleitores americanos – uma sondagem de 2014 do
instituto de pesquisa Gallup mostrava que 66% da população do país se opunha a
ideia de fechar o centro de detenção. Não há indicações de que alguma mudança
substancial nessa tendência tenha ocorrido.
Isso
reforça a hipótese de que, diante da iminente mudança de governo, no próximo
ano, os planos de fechamento da prisão devem ficar ao
menos congelados, se não forem completamente abandonados, ainda que
Obama seja sucedido por um democrata. “Se
for uma administração democrata, vamos perceber que ela vai enfrentar os mesmos
problemas que Obama enfrentou. E todos os candidatos republicanos já disseram
que são a favor da prisão. É difícil imaginar que eles gastariam capital
político para fechá-la”, diz Pace. O status de Guantánamo, ao que
tudo indica, permanecerá como o de boa parte de seus prisioneiros – indefinido.
Fonte: Revista ÉPOCA