“É essencial fazer o processo de
interrogatórios funcionar. A guerra contra o terrorismo não será decidida pelo
poderio da mão-de-obra ou da artilharia, como na 2ª Guerra Mundial, mas
localizando os terroristas e sabendo quando e onde os ataques futuros poderão
acontecer. Esta é uma guerra na qual a
Inteligência é tudo. Vencer
ou perder depende de informações de Inteligência”. (Cadeia de Comando – A Guerra de Bush do 11 de
setembro às Torturas de Abu Ghraib,Seymor
Hersh, Editora Ediouro, 2004)
O texto abaixo é uma síntese de diversos artigos já publicados pelo
autor sobre o tema Terrorismo. Contém, todavia, alguns dados inéditos sobre o
tema.
A
possibilidade de uma organização não-estatal relativamente pequena e fraca
infligir um dano catastrófico, é algo genuinamente novo nas relações
internacionais e representa um desafio sem precedentes à segurança. Todo o
edifício da teoria das relações internacionais é construído em torno do
pressuposto de que os Estados são os únicos participantes significativos na
política mundial. Se uma destruição catastrófica pode ser infligida por agentes
que não são Estados, então muitos conceitos que fizeram parte da política de segurança
ao longo dos dois últimos séculos – equilíbrio de poder, dissuasão, contenção e
assemelhados – perdem sua relevância. A teoria da dissuasão, em particular, depende de o usuário de
qualquer tipo de arma de destruição em massa ter um endereço e, com ele, ativos
que possam ser ameaçados em retaliação.
As regiões fronteiriças entre Afeganistão e Paquistão, e entre Paquistão e
Índia, reúnem 65 diferentes grupos de
guerrilheiros e terroristas. Somando-se
a mais de 30 grupos atuando no Iraque, o resultado significa que a Ásia
Central é a região mais turbulenta do planeta.
Segundo Nigel Inkster, diretor da área de Ameaças Transnacionais e Risco
Político do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, o número de grupos violentos “não
estatais” aumentou - são
cerca de 400 em todo o mundo (coletiva
de imprensa, disponível no site do instituto:
Definição
de terrorismo
Definir o que é terrorismo não é uma tarefa fácil. O terrorismo é uma forma de
propaganda armada. É definido pela natureza do ato praticado e não pela identidade de
seus autores ou pela natureza de sua causa. Suas ações são realizadas de forma
a alcançar publicidade máxima, pois têm como objetivo produzir efeitos além dos
danos físicos imediatos. Pode ser dito que o terrorismo é o emprego
sistemático e premeditado da violência contra alvos não-combatentes a fim de
intimidar governos e sociedades. Em toda a sua existência, a ONU não conseguiu
obter um consenso para uma definição do que seja terrorismo.
Vilipendiado pela maioria das pessoas,
defendido pelos seus instigadores, a verdade é que o terrorismo conseguiu
prioridade na cobertura da mídia. Sua incidência mais que dobrou nos últimos
anos e se transformou em um dos mais prementes problemas políticos da
atualidade. Suas características
multifacetadas, suas letalidade e imprevisibilidade, que não custam caro,
tornam a prevenção e controle difíceis, dispendiosos e não confiáveis. As
definições abaixo comprovam que não há uniformidade nem mesmo entre os órgãos
de Inteligência e de Segurança de um mesmo país sobre o tema terrorismo:
“O
uso ilegal da força ou violência contra pessoas ou propriedades para intimidar
ou coagir um governo, uma população civil, ou qualquer segmento dela, em apoio
a objetivos políticos ou sociais” (FBI);
“O
calculado uso da violência ou da ameaça de sua utilização para inculcar medo,
com a intenção de coagir ou intimidar governos ou sociedades, a fim de
conseguir objetivos, geralmente políticos, religiosos ou ideológicos” (Departamento de
Defesa dos EUA);
“Violência
premeditada e politicamente motivada, perpetrada contra alvos não combatentes
por grupos subnacionais ou agentes clandestinos, normalmente com a intenção de
influenciar uma audiência” (Departamento de Estado dos EUA).
Nessa lista de definições, o ponto comum fica evidente mas há diferenças de
ênfase. O FBI frisa a coerção, a
ilegalidade e as agressões contra a propriedade em apoio a objetivos
sociais bem como políticos. O
Departamento de Estado coloca a ênfase na premeditação, frisa a potencial
motivação política de grupos, mas não faz referência à violência espontânea ou
à significação psicológica da ação ameaçada. O Departamento de Defesa, com mais abrangência, dá igual destaque à violência
real ou ameaçada, cita uma faixa mais ampla de objetivos e inclui entre os
possíveis alvos não só governos como também sociedades inteiras.
As definições de terrorismo conhecidas
provocam interrogações. Uma delas: por quais critérios os terroristas devem
ser considerados por executarem atos ilegais ou ilegítimos? Essa é uma questão
que desperta a atenção dos cientistas políticos. Há concordância generalizada
de que é importante examinar o contexto em que o terrorismo e os terroristas
operam. Ou seja, os fatores históricos, sociais, econômicos, étnicos e até
psicológicos que têm alguma influência sobre o pensamento, o comportamento e a
ação dos terroristas.
No Brasil, mesmo com a crescente pressão internacional, o Congresso Nacional ainda não decidiu sobre a tipificação do
crime de terrorismo. Segundo o jornal O Globo de 15 de novembro de 2007, uma decisão de sepultar o projeto
antiterrorista consta de um relatório do grupo criado pela Estratégia Nacional
de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Enccia), formado por
representantes dos ministérios da Justiça, Defesa, Relações Exteriores,
Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e membros do Ministério
Público Federal e do Judiciário. Após um ano de estudos, esses especialistas
entenderam que a classificação de terrorismo como crime “é inviável”
(?) O Gabinete de Segurança Institucional, em relatório enviado ao Ministério
da Justiça, comunicando essa decisão, alegou que qualquer definição “seria
mortal para os movimentos sociais e grupos de resistência política...”
Também não existe lei no Brasil que
defina o que é uma organização criminosa, segundo o ministro Carlos Ayres
de Brito, do STF, em 17 de agosto de 2007, durante uma sessão do julgamento dos
40 quadrilheiros do Mensalão. A menos que se apreenda uma ata da criação de uma
organização criminosa, dificilmente se poderia ter provas de sua existência, segundo o
ministro. Essas lacunas constituem, sem dúvida, um fator de força para o
terrorismo e o crime organizado.
O
terrorismo e a Convenção de Genebra
Um dos mais condecorados militares, o
general francês Jacques Massu, em seu livro A Batalha de Argel, fez a apologia da “tortura funcional, que poupa a vida da vítima
mas obtém a informação necessária”. Defendeu a violação da Convenção de Genebra na Argélia, argumentando que os
combatentes
argelinos não eram soldados regulares e, por isso, não tinham direito à proteção dada ao prisioneiro comum. O terrorista vitima não combatente põe bombas em aviões civis,
em trens de passageiros comuns, matando mulheres e crianças. Argumento diverso
não é o dos consultores jurídicos do governo Bush: “A Convenção de Genebra trata da guerra e não do terrorismo”. [graças ao entendimento adotado pelo general Massu, que resultou em
táticas antiterror, incluindo de interrogatório, que a França conseguiu conter,
na época, em limites toleráveis o terror
na Argélia.
Aliás,
seria extremamente útil que as autoridades de segurança de vários estados
brasileiros, especialmente do Rio,, assistissem o filme a Batalha de Argel,
técnicas utilizadas naquele conflito tornariam bem mais eficiente a polícia carioca.]
Objetivos
e características do terrorismo
O objetivo básico do terrorismo é buscar estabelecer um clima de insegurança, uma
crise de confiança que a comunidade deposita em um regime, que facilite a eclosão ou o
desenvolvimento de um processo revolucionário. Ou seja, objetiva criar
artificialmente as condições objetivas que tornem factíveis uma revolução;
- O alvo, para os terroristas, é
irrelevante, pois o que lhes interessa “não é a natureza do
cadáver, mas sim os efeitos obtidos”, conforme escreveu Carlos Marighela, no final dos anos 60, em seu Minimanual do Guerrilheiro Urbano;
- Os
prédios públicos, instituições e instalações que desempenham funções
importantes e simbolizam a ordem vigente são os alvos preferidos. Também ataques indiscriminados e ao acaso contra a
população, visando atingir suas
atividades quotidianas, em supermercados, lojas, restaurantes, aeroportos, estações
rodoviárias e ferroviárias, trens e metrôs, objetivando, nesse caso, fomentar
um clima generalizado de medo e o
sentimento de que ninguém está seguro, em parte alguma, seja qual for sua
importância política, como foi o caso do atentado em 11 de setembro de 2001 às
Torres Gêmeas, em Nova York, e 11 de março de 2004 a um trem de passageiros, em
Madri;
- Uma das características que define o
terrorismo moderno é a sua internacionalização, resultante de três
fatores, até certo ponto complementares: a cooperação existente entre organizações terroristas; o fato de Estados nacionais soberanos apoiarem grupos terroristas
e utilizarem o terror como meio de ação política, especialmente no Oriente
Médio; e a crescente facilidade com que
terroristas cruzam fronteiras para agir em outros países;
- Os terroristas não têm origem no
proletariado e sim na chamada classe média, uma vez que a causa do
terrorismo não é a pobreza e sim problemas políticos. A motivação política é a
característica fundamental do terrorismo;
- Embora os grupos terroristas envolvam
cerca de 80 diferentes nacionalidades, os mais ativos têm sido os
palestinos, sendo que, para os grupos religiosos islâmicos, tanto o capitalismo
como o socialismo são um mal. Eles dizem agir em nome de Maomé, com quem alegam
ter ligação direta;
- As organizações dedicadas ao
terrorismo começaram a agir sem vínculos
entre si e sem inspiração ou ajuda externa. Hoje, todavia, coordenam
suas atividades, prestam serviços umas às outras, emprestam-se homens e armas,
compartilham campos de treinamento, e algumas têm por trás de si Estados que as
financiam, que lhes dão guarida, armam, fornecem documentação e comandam suas
operações;
- O terrorismo deve ser combatido de uma
forma total e coordenada, sob pena de fugir ao controle. Uma defesa puramente
passiva - o contraterrorismo -
historicamente não tem constituído um obstáculo suficiente para conter o seu
desenvolvimento. O antiterrorismo, ao contrário, sugere uma estratégia
ofensiva, com o emprego de toda uma gama de opções para prevenir e impedir que
atos terroristas ocorram, levando a guerra aos terroristas. Essa, todavia, não
é uma tarefa simples. Exige Serviços de
Inteligência altamente capacitados e governos determinados, uma vez que,
nesse caso, as represálias são levadas a efeito antes que haja qualquer ataque.
Antes, portanto, que sejam causados quaisquer tipos de danos. O antiterrorismo é, portanto, uma resposta
a algo que ainda não ocorreu. Nesse sentido, talvez não constitua surpresa
o fato de Otto Von Bismarck, o grande
chanceler alemão, ter comparado a
guerra preventiva a “cometer o suicídio por medo de morrer”.
- É geralmente considerado legítimo
recorrer à defesa violenta em resposta a graves ameaças que inflijam
extensos sofrimentos humanos ou ponham em risco a própria sobrevivência da
sociedade. Todavia, esse critério da grave ameaça é
escorregadio na aplicação específica. Como na maioria dos julgamentos humanos,
a avaliação da gravidade da ameaça envolve sempre alguma subjetividade. A grave
ameaça prescreve uma escolha de opções, mas a escolha de opções
violentas também formata, muitas vezes, a construção da grave ameaça;
- É impossível proteger por todo o tempo
todos os alvos em potencial, ficando assim, sempre, os terroristas com a vantagem da iniciativa. Para que essa
proteção fosse efetiva seria necessário implantar um Estado-policial,
exatamente o tipo de situação que os terroristas gostariam que fosse criada,
pois, assim, teriam um inimigo fascista para combater... em nome da democracia.
Uma
democracia não pode utilizar um cidadão em cada cinco para ser policial; não pode fechar suas fronteiras e nem restringir as
viagens dentro do país; nem manter uma
vigilância constante sobre cada hotel, cada prédio, cada apartamento em
cada andar; e nem gastar horas
revistando carros nas ruas e bagagens de viajantes nos aeroportos e em
terminais rodoviários;
- Finalmente, assim sendo, uma das únicas defesas contra o terrorismo é a
possibilidade de realizar uma infiltração com a finalidade de interceptar e
conhecer antecipadamente quando e onde um alvo deverá ser atacado. Essa,
contudo, é como já foi dito, uma tarefa para um excepcional Serviço de
Inteligência, aliada a dois componentes essenciais: vontade política e decisões que não temam
riscos, mormente agora, em que o fundamentalismo islâmico substituiu o
marxismo e o anarquismo como principal ideologia revolucionária utilizada para
justificar, gerar e difundir o terrorismo. Todavia, é um fato de que quanto
mais brutais forem as represálias contra o apoio da população às atividades
terroristas, menor será o apoio ao governo. Por outro lado, também é verdadeiro
que os grupos que se valem da coerção e do terror para conseguirem o apoio da
população, colocam em risco os seus interesses de longo prazo e apresentam à
Inteligência oportunidades para recrutar informantes e penetrar nas
organizações terroristas ou insurgentes.
O
objetivo de recordar os conceitos acima foi a publicação pela imprensa da
oportunista - esse é o adjetivo correto - decisão dos representantes dos 192 países
que compõem a Organização das Nações Unidas (ONU), aprovada em 8 de setembro de
2006, às vésperas do quinto aniversário do ataque às Torres Gêmeas, de “adotar
uma estratégia global contra o terrorismo”. Isso, sem antes, durante toda a
sua trajetória desde que foi fundada, conseguir definir para o mundo o que seja
terrorismo de uma forma aceitável a todas as pessoas e Estados.
O
terrorismo é a arma dos fracos
O terrorismo é a arma dos fracos. Existe, todavia,
uma tendência nas sociedades ocidentais de identificar o “lado fraco” com
o “lado justo”. Essa tendência faz com que as organizações
insurgentes ou terroristas, ou ainda de ideologias religiosas reacionárias,
mesmo agindo contra a maioria da opinião pública, contra os desejos da maioria
do povo, aproveitem-se dessa tendência – “lado fraco”, “lado justo” -
e usem a mídia para tentar aumentar o apoio à sua causa, embora nas atividades
terroristas os civis inocentes tornem-se o alvo principal.
Apesar de ser considerada a arma dos
fracos, o general Aleksandr Sakharovski, um dos chefes da KGB, definiu, em
1967, o novo rumo a ser seguido pelo comunismo internacional: "No mundo
de hoje, quando as armas nucleares tornaram obsoleta a força militar, a nossa
principal arma deve ser o terrorismo”. (citado por Olavo de Carvalho – “O Orvalho Vem Caindo”, Diário do
Comércio, 5 de novembro de 2007).
Paradoxalmente, as organizações
terroristas, que desprezam a lei e a ordem existentes, são frequentemente
respaldadas por essas mesmas leis que almejam destruir. Leis que garantem os
direitos individuais e que buscam evitar que o governo penetre na privacidade
das pessoas, que não permitem prisões
indiscriminadas, que proíbem o uso de pressões irresistíveis durante interrogatórios e que determinam o seguimento estrito dos
procedimentos legais. Tais leis servem
como um dispositivo importante na proteção aos insurgentes e aos
terroristas. Além disso, em nome da democracia, as leis geralmente não se opõem a
que as organizações levem a cabo operações abertas para organizar-se, recrutar
novos membros, publicar jornais e panfletos e até angariar fundos. Apesar
de todos os obstáculos legais, “é essencial fazer o processo de interrogatórios
funcionar. A guerra contra o terrorismo não será decidida pelo poderio da
mão-de-obra ou da artilharia, como na 2ª Guerra Mundial, mas localizando os
terroristas e sabendo quando e onde os ataques futuros poderão acontecer. Esta é uma guerra na
qual a Inteligência é tudo. Vencer ou perder depende de informações de
Inteligência. Estamos
diante de um inimigo que não luta, ataca ou planeja de acordo com as leis da
guerra”. (“Cadeia de Comando – A Guerra de Bush do 11 de setembro às
Torturas de Abu Ghraib”, Seymor Hersh, editora Ediouro, 2004).
Nesse sentido, o Novo Manual de Contra-Insurgência dos EUA
define, em seu capítulo terceiro, que é “indispensável a
preparação da Inteligência, no ambiente operacional e antecedendo as operações
a serem realizadas”, ficando evidente a máxima que, na atualidade, numa campanha de
contra-insurreição bem sucedida, é impositivo que “a Inteligência
conduza as operações”.
No Brasil, no regulamento da Agência
Brasileira de Inteligência–Abin, foi criado um Departamento de
Contra-Terrorismo, organismo que, conceitualmente, busca
levar a guerra aos terroristas, imobilizando-os antes mesmo que pratiquem
qualquer ato criminoso. Ou seja, uma busca pelo que ainda não foi feito, o que
exige órgãos de Inteligência de alta qualidade. Tudo isso, contudo, não deixa de ser um paradoxo, pois como
funcionará um Departamento de Contra-Terrorismo se nem os experts
da ONU e nem os do governo brasileiro tenham
conseguido ainda definir o que seja Terrorismo?
Tampouco, no Brasil, se conseguiu
definir o que é uma organização criminosa (ministro Carlos Ayres de Brito,
do STF, em 27 de agosto de 2007).
Por: Carlos I.S.
Azambuja é Historiador