Daqui a algumas semanas, o
Congresso Nacional retorna com o tema da reforma tributária. Uma coisa aprendi
com a história política do país: nunca houve uma reforma tributária que tenha
diminuída a carga de impostos pagos pela população. Por mais que o sistema
tributário seja caótico, disforme, complicado, caro e injusto, não vejo como
desta vez será diferente. Aliás, tem havido aumentos de impostos no
Brasil inteiro quase silenciosamente.
Citemos dois exemplos. Um, a
elevação do imposto sobre veículos (o IPVA) de 2,5% para 3,5%, que representou
aumento de 40% no total a pagar. Na conta de energia, quase metade do valor são
tributos, e chegou a esse ponto sem a população perceber claramente, pois os
impostos sobre energia são principalmente indiretos, estão embutidos
(escondidos) no preço.
Nas mais importantes revoluções
ao longo da história, a revolta contra os impostos esteve presente. A Revolução
Inglesa (1689), A Revolução Americana (1776) e A Revolução Francesa (1789)
tiveram, como uma das causas, a revolta contra o excesso de tributação interna
ou contra a tributação imposta pelo império sobre a colônia. Aqui mesmo no
Brasil, tivemos movimentos sangrentos contra a pesada tributação imposta por
Portugal. Tiradentes morreu por lutar contra a “derrama”, a cobrança forçada
dos impostos atrasados, o chamado “quinto”.
Na Revolução Inglesa, chamada de
“gloriosa”, houve grande revolta contra os altos impostos e o direito do rei de
elevar tributos a qualquer momento e em qualquer medida. A Inglaterra vivia sob
a monarquia absoluta, o rei detinha poderes plenos e não se submetia às mesmas
leis impingidas aos cidadãos. O resultado foi a substituição da monarquia
absoluta pela monarquia parlamentar, o rei deixou de ser soberano, e expressiva
parcela de seus poderes foi transferida ao parlamento formado por representantes
eleitos. Nascia o princípio de que não pode haver tributação sem representação.
Na Revolução Americana, uma das
causas da revolta e da declaração de independência dos Estados Unidos em
relação à Inglaterra foi a “Revolta do Chá”, em 1773. A coroa britânica
sobretaxou o chá exportado para os Estados Unidos e provocou indignação geral,
inclusive entre os próprios ingleses que haviam emigrado para a América do
Norte.
Na Revolução Francesa,
produtores enraivecidos se revoltaram contra as arbitrariedades no aumento de
tributos e contra a figura dos contratadores (ou rendeiros gerais), que
detinham o direito, cedido a eles pelo rei mediante pagamento, de cobrar
tributos sobre determinado produto ou região. O famoso cientista Antoine
Lavoisier, considerado pai da química moderna, foi guilhotinado pelos
revoltosos em dezembro de 1771 porque era um contratador, ou rendeiro geral.
Esses fatos históricos nos
remetem aos poderes concedidos a prefeitos, governadores e presidente da
República para criar e aumentar tributos sem passar pelos representantes do
povo. O chefe do Poder Executivo também é eleito pelo povo, mas como ele
administra os gastos públicos, não se deve dar-lhe poderes para criar ou elevar
tributos. Isso é como dar ao síndico de um prédio o direito de cobrar taxas dos
moradores sem submeter à votação e aprovação deles.É essencial para a segurança
jurídica, a previsibilidade econômica e a paz social que a criação ou a
elevação de tributos seja votada pela câmara de representantes. A divisão de
poderes entre legislativo, executivo e judiciário, que devem ser harmônicos e
independentes entre si, com poderes limitados, é fundamental para a defesa do
indivíduo contra os excessos e o arbítrio do governo e dos governantes.
Um dos problemas da existência
dessa entidade chamada “Estado” e de seu braço executivo, o governo, é que não
há anjos na Terra. É grande a parcela de governantes e burocratas, inclusive os
concursados, que uma vez no governo colocam seus interesses pessoais acima dos
interesses daqueles que os puseram lá. Uma das facetas dessa realidade é que,
uma vez no cargo público, o eleito ou concursado mude de lado. Isto é, ele
passa a representar o Estado, não a sociedade. Seria esperar muito da natureza
humana que fosse diferente. Não nos iludamos: o primeiro
objetivo de quem disputa eleição é conseguir o poder; o segundo é manter-se no
poder. Para muitos, o objetivo é mandar e se enriquecer no cargo. Então, a
sociedade deve cuidar para que haja limitação dos poderes do governo e o
controle das ações dos governantes, coisas das quais não gostam os governantes
com inclinação autoritária. Entre as limitações, deve estar a limitação do
direito de impor tributos.
Transcrito do Alerta Total
José Pio Martins,
economista, é Reitor da Universidade Positivo.