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domingo, 16 de janeiro de 2022

A preservação das liberdades - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

A administração Biden segue a passos largos em várias frentes na tentativa de desvirtuar os pilares democráticos norte-americanos 

Depois da eleição presidencial de 2018, o brasileiro começou a entender — pra valer — a real atuação do Supremo Tribunal Federal
Foi-se a era de sabermos de cor a escalação da Seleção Brasileira de Futebol. 
O povo se apaixonou por política e hoje sabe de cabeça os nomes, sobrenomes, apelidos e decisões dos ministros do STF.
 O ativismo da nossa mais alta Corte, até então apenas suspeito e bem disfarçado na maior parte do tempo, foi exposto na clara luz do dia. As dúvidas sobre a militância do tribunal deixaram de existir e hoje sabemos que a atual escalação do STF não gosta de jogar na esfera institucional.
 
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos | Foto: Shutterstock
       
Joe Biden, presidente dos Estados Unidos - Foto: Shutterstock

Juízes com grande poder de decisão. Decisões fora de sua área de atuação. Esse era um medo que aterrorizava os Pais Fundadores dos Estados Unidos. Homens não eleitos que poderiam decidir o que quisessem sem a chateação de ter de ouvir “os representantes do povo”. A Revolução Americana, nascida na opressão de decisões britânicas de taxar os colonos na América sem a devida representatividade no Parlamento (“No taxation without representation”), forjou uma nação com pilares sedimentados na desconfiança de decisões de homens sem votos. Os filtros do sistema político americano que evitam tais aberrações foram estudados e descritos por homens que entenderam que, em um justo sistema de freios e contrapesos em uma república, um Poder não pode — jamais — ferir as leis e atuar com maior peso sobre outro.

Há mais de 230 anos, Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, três dos Pais Fundadores Americanos, publicaram uma série de ensaios promovendo a ratificação da Constituição dos Estados Unidos, conhecidos como Federalist Papers. Ao explicar a necessidade de um Judiciário independente, Alexander Hamilton observou no Federalist número 78 que os tribunais federais “foram projetados para ser um órgão intermediário entre o povo e sua legislatura”, a fim de garantir que os representantes do povo agissem apenas dentro da autoridade dada ao Congresso nos termos da Constituição. Em um trecho do Federalist número 78, publicado em 1788 como parte de um dos documentos mais importantes da era fundadora da nação mais próspera do mundo, Alexander Hamilton é incisivo:  
Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido. Negar isso seria afirmar que homens, agindo em virtude de poderes, podem fazer não apenas o que seus poderes não autorizam, mas o que eles proíbem. (…) É mais racional supor que os tribunais foram concebidos para ser um órgão intermediário entre o povo e o Legislativo, a fim de manter este último dentro dos limites atribuídos à sua autoridade. A interpretação das leis é da competência própria e peculiar dos tribunais (…) A Constituição deve ser preferida à lei, à intenção do povo, à intenção de seus agentes. Nem esta conclusão supõe, de modo algum, uma superioridade do Poder Judiciário sobre o Legislativo. Supõe apenas que o poder do povo é superior a ambos; e que, onde a vontade do Legislativo, declarada em seus estatutos, se opõe à do povo, declarada na Constituição, os juízes devem ser governados por este e não pelo primeiro. Eles devem regular suas decisões pelas leis fundamentais, e não pelas que não são fundamentais”.

Os Pais Fundadores da América dedicaram anos de suas vidas estudando as falhas e os acertos de sistemas políticos até chegarem à sua Constituição, documento único com mais de 230 anos e apenas 27 emendas. No entanto, por mais que esses homens estivessem imersos na proposição de desenhar um sistema justo e sólido, pequenas imperfeições foram inevitáveis. Até na Corte Suprema, estritamente constitucional, momentos de puro ativismo podem acontecer. Como na manobra militante de 1974 que legalizou o aborto no país, no emblemático caso Roe v. Wade, mencionado em alguns de meus artigos aqui em Oeste. E há outro ponto dentro desse raro, porém existente e importante, ativismo judicial na América. O uso de agências regulatórias, que podem ter ações com poder de lei na ausência de legislações específicas.

Em Chevron v. National Resources Defense Council (1984), a Suprema Corte americana decidiu criar a doutrina de que os tribunais normalmente devem ceder às agências governamentais quando a linguagem de uma lei é ambígua. O conceito de “deferência Chevron” surgiu das interpretações concorrentes da Lei do Ar Limpo (Clean Air Act), entre as administrações de Jimmy Carter e Ronald Reagan. Em 1977, o Congresso alterou a Lei do Ar Limpo após críticas de que o governo não cumpria os padrões de qualidade do ar estabelecidos pela Agência de Proteção Ambiental (EPA).

A lei alterada exigia que os Estados que não atendiam às especificações teriam de estabelecer um programa de licenças regulando “fontes estacionárias novas ou modificadas” de poluição do ar. Em grande parte, a definição de “fontes estacionárias” ficou intacta sob as emendas de 1970 à Lei do Ar Limpo, que se referia a “qualquer edifício, estrutura ou instalação que emite ou possa emitir qualquer poluente do ar”. O problema é que as administrações Carter e Reagan não concordavam com a definição de “fontes estacionárias”.

Em um ano na Casa Branca, o atual presidente já encara preocupantes números de aprovação

Em 25 de junho de 1984, o juiz da Suprema Corte John Paul Stevens redigiu a decisão unânime da Corte que considerou a revisão judicial da interpretação de uma lei por uma agência. Se o Congresso não se manifestou diretamente sobre a questão específica, a interpretação da agência podia ser baseada em uma construção permissível da lei. No caso da Chevron, as emendas de 1977 deixaram à agência o poder de interpretar a linguagem ambígua da lei. O juiz Stevens argumentou que não havia uma intenção clara na história legislativa das emendas de 1977 para obter uma definição nítida de “fontes fixas ou estacionarias”, e, onde a linguagem não era precisa na questão de sua aplicação, as agências tinham experiência além do Congresso para promover a flexibilidade em administrar uma legislação importante.

Eu sei, parece um caso saído de um livro do Barroso. Agora imaginem os Pais Fundadores da América ouvindo que juízes deram o poder de interpretar legislações às agências reguladoras! Administradores que nunca receberam um voto de cidadãos americanos. E Chevron v. National Resources Defense Council acabou se tornando a porta para que outras agências administrativas adquirissem mais e mais poder, muitas vezes sendo usadas pelo próprio Executivo, que, se não conseguir conversar com as Casas Legislativas, pode assinar ordens executivas absurdas e até inconstitucionais. Como Joe Biden.

Em um ano na Casa Branca, o atual presidente já encara preocupantes números de aprovação (uma nova pesquisa da Quinnipiac University mostra queda de 36% para 33% nesta semana), para quem ainda deveria estar gozando da “lua de mel” com o eleitorado. Biden começou o ano de 2021 anunciando que jamais obrigaria as pessoas a se vacinar contra a covid, e que sua administração “erradicaria” o vírus. Bem, de acordo com vários imunologistas sérios, como o doutor Zeballos, no Brasil, e o doutor Martin Kuldorff, aqui nos EUA, o vírus não vai a lugar algum tão cedo. Ele pode até ser atenuado por variantes como a Ômicron, que traz alta transmissibilidade e baixíssima letalidade, mas está longe de ser “erradicado”, como declarou o democrata.

Sobre o passaporte sanitário fascista de uma vacina ainda em desenvolvimento, Biden também não cumpriu sua promessa. E, usando exatamente uma agência regulatória, a Osha (Occupational Safety and Health Administration), seu governo baixou uma ordem exigindo que empresas com mais de 100 empregados obrigassem seus funcionários a se vacinar. De acordo com a ordem, Joe Biden teria poder regulatório para emitir um mandato médico em prol da saúde pública e do “bem comum”. Muitos Estados, empresas e organizações sem fins lucrativos desafiaram a regra imposta pela Osha e foram para os Tribunais de Apelação em todo o país. Em novembro do ano passado, o Tribunal de Apelações do Quinto Circuito bloqueou totalmente a ordem draconiana do democrata e jogou o problema para a Suprema Corte.

Colhendo os frutos
Sempre é bom lembrar que a eleição presidencial norte-americana de 2016, entre Donald Trump e Hillary Clinton, não foi histórica apenas pela digital da polarização política. A escolha não era nada fácil, já que na cédula havia o nome de dois candidatos que não eram muito queridos nem pelos eleitores nem por seus partidos. No entanto, mais uma vez, o pragmatismo do norte-americano entrou em cena na eleição e, junto com ele, o famoso “single issue voter”, ou algo como “eleitor de questão única”. Para eles, havia apenas uma razão, um único motivo para eleger Donald Trump: a indicação de dois ou mais juízes para a poderosa Suprema Corte Americana.

Donald Trump ficou quatro anos na Casa Branca e conseguiu deixar uma marca inigualável. Além de um número surpreendente de indicações de juízes conservadores para as Cortes Superiores e distritos federais, Trump colocou três juízes constitucionalistas na Suprema Corte. Para aqueles que taparam o nariz e votaram no bufão laranja por uma única questão, a colheita chegou ontem, quinta-feira, 13 de janeiro de 2022. Em uma votação histórica, a Scotus bloqueou a ordem de vacinação para todas as empresas privadas que possuem 100 ou mais empregados, escrevendo em sua decisão: “O secretário (de Saúde) ordenou que 84 milhões de americanos tomassem uma vacina contra a covid-19 ou se submetessem a exames médicos semanais à sua própria custa. Este não é um ‘exercício cotidiano do Poder Federal’”.

A opinião final da Corte também observa que o Congresso nunca decidiu dar à Osha o poder de regular a vida dos norte-americanos: “Embora a covid-19 seja um risco que ocorre em muitos locais de trabalho, não é um risco ocupacional na maioria”. A decisão observa a falta de “precedentes históricos” da agência governamental Osha na emissão de amplas regulamentações de saúde e alerta: “Permitir que a Osha regule os perigos da vida cotidiana — simplesmente porque a maioria dos americanos tem empregos e enfrenta esses mesmos riscos enquanto estão trabalhando — expandiria significativamente a autoridade regulatória da Osha sem autorização clara do Congresso”.

O juiz Neil Gorsuch, um dos apontados por Donald Trump, concordou que o Congresso não deu à Osha o poder de regular a vida diária nem as liberdades de milhões de norte-americanos, e foi enfático: “A questão diante de nós não é como responder à pandemia, mas quem detém o poder de fazê-lo. A resposta é clara: de acordo com a lei atual, esse poder é dos Estados e do Congresso, não da Osha. Ao dizer isso, não impugnamos as intenções por trás das ações de ordens da agência. Em vez disso, apenas cumprimos nosso dever de fazer cumprir as exigências da lei quando se trata da questão de quem pode governar a vida de 84 milhões de norte-americanos. Respeitar essas exigências pode ser difícil em tempos de estresse. Mas, se este Tribunal as cumprisse apenas em condições mais tranquilas, as declarações de emergência nunca terminariam, e as liberdades que a separação de Poderes da nossa Constituição procura preservar seriam poucas”, concluiu Gorsuch, mostrando o motivo pelo qual os eleitores com apenas uma razão para votar Trump comemoraram a decisão nas redes sociais.

Mas não pensem que não há juízes ruins na Corte Suprema Americana. Os juízes indicados por democratas, Stephen Breyer, Sonia Sotomayor e Elena Kagan, não apenas discordaram da decisão e queriam que o governo federal violasse o próprio federalismo americano, diminuindo a autonomia dos Estados e do Congresso. Também cometeu gafes (mas pode chamar de fake news) do nível do nosso STF.

A juíza Elena Kagan sugeriu que tomar a vacina reduz totalmente a propagação do vírus, uma alegação duvidosa que é contestada pelo número quase fora de controle de novos casos em todo o mundo. A opinião de Kagan é que “esta é a política mais correta para acabar com tudo isso que está aí”. O juiz Stephen Breyer ecoou o sentimento de Kagan de que a vacina — ainda em desenvolvimento — impediria a propagação do vírus no local de trabalho. Ele disse que o argumento das empresas de que centenas de milhares de pessoas deixariam a força de trabalho devido à vacinação forçada, prejudicando a já em dificuldades economia dos EUA, é discutível, porque “mais pessoas podem renunciar a seus postos quando descobrirem que precisam trabalhar em conjunto com outros não vacinados”, disse Breyer, antes de sugerir que um mandato de vacina eliminaria os casos de covid nos EUA.

Até o próprio CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) admitiu que a vacina não bloqueia a transmissão da covid, mas isso não impediu que os juízes continuassem a alegar que as vacinas eram eficientes para conter a propagação do vírus. O juiz Breyer também usou repetidamente o aumento do número de casos após o surgimento da variante Ômicron para justificar a manutenção do mandato da Osha e afirmou que houve “750 milhões de novos casos ontem”, apesar de a população dos EUA ser menos da metade desse número.

O presidente eleito em 2022 indicará para o Supremo Tribunal Federal dois ministros em 2023

Os exemplos, dados e fatos não reprimiram as falácias vindas dos juízes progressistas, como Sotomayor, que passou a afirmar que a covid é um “risco grave” para “pessoas de todas as idades e condições”, e que pessoas não vacinadas têm potencial destrutivo para si mesmas e para os outros, inclusive os vacinados. Ela, junto com Breyer, também afirmou, de forma bizarra e sem a menor responsabilidade, que “os hospitais estão quase todos com capacidade total”, o que não é verdade, e mentiu que mais de 100.000 crianças estão hospitalizadas com covid e em respiradores. Faltou combinar com os dados oficiais: de acordo com o atual censo nacional de covid pediátrico, esse número é de 3.342 crianças internadas, a maioria de maneira incidental.

Mesmo com uma derrota histórica ontem e com uma decisão importantíssima para a preservação das liberdades que sustentam o Ocidente, a administração Joe Biden segue a passos largos em várias frentes na tentativa de desvirtuar os sólidos pilares democráticos norte-americanos
Com uma atual Suprema Corte, com maioria conservadora, que vê na letra fria da lei o único norte possível (nessa decisão sobre a Osha, o placar final foi de 6 a 3), democratas tentam aumentar o número de juízes do tribunal para 11 ou até 13 membros; tentam acabar com a ferramenta de fillibuster no Senado, manobra que daria ao partido de Biden o poder de passar leis com maioria simples (e não os 60 de 100 senadores necessários para votações importantes); além das inúmeras tentativas de “federalizar” as eleições e tirar o poder e o importante filtro de segurança colocado pelos Pais Fundadores da América.
 
Em 2022, a agenda nefasta da esquerda radical, que também está presente nos Estados Unidos, vai tentar seguir um caminho ainda mais violento; na América e no mundo. Neste ano, temos uma eleição-chave para o nosso futuro no Brasil. 
O presidente eleito em 2022 indicará para o Supremo Tribunal Federal dois ministros em 2023. Que o caminho que os norte-americanos pragmaticamente decidiram trilhar em 2016 nos ensine que resultados eleitorais são também colhidos com o tempo.

A agenda democrata tentou seguir um caminho muito bem pavimentado, de maneira quase perfeita, por Obama. De acordo com a velha imprensa e os institutos de pesquisas, Hillary seria eleita presidente em 2016 em todos os cenários. Faltou combinar com o eleitor.

Leia também “E se o governo mandasse o STF passear?”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


sábado, 1 de fevereiro de 2020

Limite ao direito de impor tributos - José Pio Martins

Daqui a algumas semanas, o Congresso Nacional retorna com o tema da reforma tributária. Uma coisa aprendi com a história política do país: nunca houve uma reforma tributária que tenha diminuída a carga de impostos pagos pela população. Por mais que o sistema tributário seja caótico, disforme, complicado, caro e injusto, não vejo como desta vez será diferente.  Aliás, tem havido aumentos de impostos no Brasil inteiro quase silenciosamente.
Citemos dois exemplos. Um, a elevação do imposto sobre veículos (o IPVA) de 2,5% para 3,5%, que representou aumento de 40% no total a pagar. Na conta de energia, quase metade do valor são tributos, e chegou a esse ponto sem a população perceber claramente, pois os impostos sobre energia são principalmente indiretos, estão embutidos (escondidos) no preço.
Nas mais importantes revoluções ao longo da história, a revolta contra os impostos esteve presente. A Revolução Inglesa (1689), A Revolução Americana (1776) e A Revolução Francesa (1789) tiveram, como uma das causas, a revolta contra o excesso de tributação interna ou contra a tributação imposta pelo império sobre a colônia. Aqui mesmo no Brasil, tivemos movimentos sangrentos contra a pesada tributação imposta por Portugal. Tiradentes morreu por lutar contra a “derrama”, a cobrança forçada dos impostos atrasados, o chamado “quinto”.
Na Revolução Inglesa, chamada de “gloriosa”, houve grande revolta contra os altos impostos e o direito do rei de elevar tributos a qualquer momento e em qualquer medida. A Inglaterra vivia sob a monarquia absoluta, o rei detinha poderes plenos e não se submetia às mesmas leis impingidas aos cidadãos. O resultado foi a substituição da monarquia absoluta pela monarquia parlamentar, o rei deixou de ser soberano, e expressiva parcela de seus poderes foi transferida ao parlamento formado por representantes eleitos. Nascia o princípio de que não pode haver tributação sem representação.
Na Revolução Americana, uma das causas da revolta e da declaração de independência dos Estados Unidos em relação à Inglaterra foi a “Revolta do Chá”, em 1773. A coroa britânica sobretaxou o chá exportado para os Estados Unidos e provocou indignação geral, inclusive entre os próprios ingleses que haviam emigrado para a América do Norte.
Na Revolução Francesa, produtores enraivecidos se revoltaram contra as arbitrariedades no aumento de tributos e contra a figura dos contratadores (ou rendeiros gerais), que detinham o direito, cedido a eles pelo rei mediante pagamento, de cobrar tributos sobre determinado produto ou região. O famoso cientista Antoine Lavoisier, considerado pai da química moderna, foi guilhotinado pelos revoltosos em dezembro de 1771 porque era um contratador, ou rendeiro geral.
Esses fatos históricos nos remetem aos poderes concedidos a prefeitos, governadores e presidente da República para criar e aumentar tributos sem passar pelos representantes do povo. O chefe do Poder Executivo também é eleito pelo povo, mas como ele administra os gastos públicos, não se deve dar-lhe poderes para criar ou elevar tributos. Isso é como dar ao síndico de um prédio o direito de cobrar taxas dos moradores sem submeter à votação e aprovação deles.É essencial para a segurança jurídica, a previsibilidade econômica e a paz social que a criação ou a elevação de tributos seja votada pela câmara de representantes. A divisão de poderes entre legislativo, executivo e judiciário, que devem ser harmônicos e independentes entre si, com poderes limitados, é fundamental para a defesa do indivíduo contra os excessos e o arbítrio do governo e dos governantes.
Um dos problemas da existência dessa entidade chamada “Estado” e de seu braço executivo, o governo, é que não há anjos na Terra. É grande a parcela de governantes e burocratas, inclusive os concursados, que uma vez no governo colocam seus interesses pessoais acima dos interesses daqueles que os puseram lá. Uma das facetas dessa realidade é que, uma vez no cargo público, o eleito ou concursado mude de lado. Isto é, ele passa a representar o Estado, não a sociedade. Seria esperar muito da natureza humana que fosse diferente. Não nos iludamos: o primeiro objetivo de quem disputa eleição é conseguir o poder; o segundo é manter-se no poder. Para muitos, o objetivo é mandar e se enriquecer no cargo. Então, a sociedade deve cuidar para que haja limitação dos poderes do governo e o controle das ações dos governantes, coisas das quais não gostam os governantes com inclinação autoritária. Entre as limitações, deve estar a limitação do direito de impor tributos.
Transcrito do Alerta Total
José Pio Martins, economista, é Reitor da Universidade Positivo.


 

domingo, 20 de novembro de 2016

O salário do governante

Os fundadores da nova república no século XVIII consideraram vital que o cargo de presidente dos EUA fosse remunerado

Linda Greenhouse é a mais conceituada jornalista americana da atualidade especializada em assuntos constitucionais. Ela destrincha como poucos o emaranhado jurídico do país e não é por acaso que sua cobertura dos trabalhos da Suprema Corte dos Estados Unidos lhe rendeu um Prêmio Pulitzer em 1998. 

Greenhouse atravessou 2016 abstendo-se de escrever sobre o embate eleitoral — a sua seara é a lei, não a política. Somente agora, no final da campanha, ela saiu do casulo.
“O estado de direito não é fácil de ser reduzido a uma definição”, escreveu a colunista do “New York Times”. “Mas reconhecemos quando o vemos. Trata-se ao mesmo tempo de um processo e um fim — ele é o produto não de uma série de mandatos, mas de hábitos arraigados, de uma ideia coletiva, de expectativas comuns quanto à maneira da sociedade organizar suas questões e resolver seus conflitos. Sabemos que leis, sozinhas, não bastam — no papel, alguns dos governantes mais odiosos eram corretos”.

Ela ensina: “O estado de direito proporciona a confiança de que o que é verdade hoje será verdade amanhã também. Ele é a base da resiliência para absorver os choques que todo sistema político enfrenta. E resiliência leva tempo para se formar. A ‘União’ Europeia, por exemplo, que ora vê suas estruturas abaladas pelas tensões do século XXI, é uma construção de pouco mais de meio século. Nos Estados Unidos pensávamos que tínhamos, com folga, todo o tempo do mundo pela frente. Talvez não o tenhamos mais”.

Numa primeira entrevista à TV após emergir vitorioso das urnas, Donald Trump foi perguntado se pretendia levar adiante a ameaça eleitoral de nomear um procurador especial para indiciar Hillary Clinton pelo uso indevido de um servidor privado quando secretária de Estado.  Sua resposta deliberadamente imprecisa deve ter arrepiado Linda Greenhouse: “Não quero feri-los (os Clinton), são boa gente”, disse Trump, prometendo ser mais claro e preciso quando voltasse ao programa.

A resposta do presidente eleito permite qualquer leitura. Inclusive a de que, para ele, o Judiciário é mero instrumento da Presidência para ser usado ora com malvadeza, ora indulgência. Trump também reiterou que abrirá mão do salário anual de US$ 400 mil (cerca de R$ 1,3 milhão), reservado por lei a todo ocupante da Casa Branca. Ele pode até dar-se ao luxo público de embolsar apenas um simbólico dólar por cada mês de serviço. Porém, não terá como escapar de receber o restante do que lhe é devido. Assim foi definido mais de dois séculos atrás.

Mesmo que ele decida jogar o que não quer no Rio Potomac, doar os milhões excedentes a instituições ou devolvê-los ao Tesouro, Trump terá, primeiro, de receber a totalidade estipulada por lei, para só então poder se desbaratar do quanto quiser. E, mesmo assim, terá de declarar o valor total recebido em sua declaração de renda, para então fazer as deduções permitidas em caso de doação. (Apenas os prêmios Nobel, Pulitzer e similares ficam totalmente de fora do Fisco americano). 

Os fundadores da nova república no século XVIII consideraram vital que o cargo de presidente fosse remunerado. Como escreveu o cientista político Rob Goodman na “Político”, esse princípio cimentado em lei visava ao interesse público, não do ocupante da cadeira: tratava-se de sinalizar que um presidente de Estado democrático trabalharia a serviço dos cidadãos, e não o contrário, e lhe prestaria contas. 

E foi por isso que o abastado George Washington viu-se impedido de chefiar a nação da mesma forma que comandara o exército continental na Revolução Americana sem remuneração, apenas pelo ideal de servir. Contrariado, o primeiro presidente dos Estados Unidos dobrou-se ao voto do Congresso e aceitou receber US$ 25 mil anuais pelo exercício da função. “O poder sobre o sustento de um homem é o poder sobre a sua vontade”, argumentou o founding father Alexander Hamilton. 

Prevaleceu o raciocínio de que futuros presidentes menos honrados (e menos ricos) do que George Washington, se não remunerados, poderiam tornar-se mais vulneráveis à corrupção, à coerção ou à tentação de vender medidas políticas em troca de mimos. Ademais, transformando a presidência em trabalho profissional assalariado para além de ideais e dever cívico, visou-se ampliar a possibilidade de cidadãos sem fortunas pessoais virem a disputar o cargo público mais nobre do país. 

Dos 44 que, desde então, já ocuparam a Casa Branca, dois optaram por doar o salário para instituições de caridade: o quaker Herbert Hoover e John Kennedy. Já Barack Obama, que terminou de quitar sua dívida estudantil só aos 43 anos, apenas cinco antes de assumir a Presidência em 2009, devolveu 5% do salário ao Tesouro por ocasião de uma das muitas crises que ameaçou a paralisação da máquina governamental de seu governo. No caso de Trump, dono de uma fortuna pessoal estimada em US$ 3,7 bilhões e único candidato desta eleição a não liberar suas declarações de Imposto de Renda, a bravata de ser rico demais para ser corrupto ou roubar soou mal. Pelo menos para ouvidos brasileiros. 

Fonte: Dorrit Harazim é jornalista