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segunda-feira, 13 de julho de 2015

'O estatuto do desarmamento nunca alcançou seu objetivo'



Autor de uma proposta para facilitar o porte de arma, Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) diz que o governo erra o foco no combate ao crime
Quando foi às urnas decidir sobre o desarmamento, em 2005, a população brasileira tinha diante de si uma proposta que bania a venda de armas e outra que restringia seriamente essa possibilidade. Mesmo com a vitória do "não", a legislação sobre o tema se tornou mais dura, graças a uma proposta aprovada pelo Congresso antes do referendo: o Estatuto do Desarmamento.

O porte de arma de fogo é proibido em todo o país, salvo em situações excepcionais - como nos casos comprovados de risco de vida, por exemplo. Um projeto de lei do deputado Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) inverte essa lógica e, dentre outras mudanças, autoriza o porte para todo o cidadão que cumprir os requisitos de idoneidade, estabilidade psicológica e treinamento para manuseio de armas de fogo. A proposta está sob análise em uma comissão especial criada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e pode ir a plenário no próximo semestre. Leia a entrevista ao site de VEJA.

O senhor defende que o cidadão deve ter o direito de portar uma arma? Na verdade, o cerne do projeto é acabar com a discricionariedade. Esse é o principal objetivo. Hoje você segue todas as exigências legais e mesmo assim não tem direito ao porte de arma. Os pontos básicos para ter uma arma vão continuar iguais ou mais exigentes. Uma das exigências é o treinamento de tiro. Outra é a questão de antecedentes criminais.  

É necessário que as pessoas não tenham cometido nenhum tipo de crime, passem por exames psicotécnicos, tenham residência fixa. Isso fica. Propomos a descentralização para que volte para as mãos dos Estados a possibilidade de conceder o porte de armas. Em Santa Catarina, que tem 6 milhões de habitantes, só temos 150 portes de arma. Já tivemos 20 000.

O plebiscito de 2003 foi uma falsa vitória dos antidesarmamentistas? O referendo foi bem claro. Perguntou para a população se ela era contra ou a favor o desarmamento, e aproximadamente 65% disseram que não. Foram quase 60 milhões de pessoas. Nunca um presidente da República foi eleito com tantos votos, e mesmo assim as restrições não mudaram absolutamente nada. Se nós fizemos outro referendo hoje no Brasil - temos pesquisas em Santa Catarina e dados de outras regiões do país - com certeza vai aumentar o percentual das pessoas contra o desarmamento. A população tem claramente definido que ela quer também ter direito de ter uma arma para se defender.

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, assumiu o compromisso de levar a proposta a plenário ainda neste ano? Não, em nenhum momento ele deixou claro isso. Nós pretendemos votar na comissão provavelmente no final de agosto ou em setembro e pretendemos, por meio das lideranças e da pressão popular, fazer o presidente colocar em votação ainda neste ano. Desde que começou a tramitar, esse projeto está sempre entre os três que causam maior interação popular na Câmara. Nós queremos levar esses dados ao presidente para que ele coloque em votação ainda esse ano.

O projeto tem apoio suficiente para ser aprovado? Eu diria que na comissão, sim. Na Câmara de modo geral fiz uma pesquisa na legislatura anterior e havia um certo equilíbrio. Não fiz pesquisa nessa legislatura mas a gente percebe que ela tem um perfil mais conservador. Acredito que nós possamos aprová-lo. No Senado, não sei, até porque o presidente Renan Calheiros tem uma posição frontalmente contrària à possibilidade de o cidadão de bem ter uma arma, então eu não sei como fica. Não quero nem entrar no mérito se vamos conseguir aprovar em plenário, mas nosso objetivo é que o relatório seja colocado em votação neste ano.

Os opositores da proposta dizem que aumentar a circulação de armas eleva a criminalidade. Isso absolutamente não confere. O Mapa da Violência tem dados de nove anos antes da lei aprovada e de nove anos depois da lei aprovada. Antes da lei aprovada, de 1995 a 2003, 64,9% dos assassinatos no Brasil foram com arma de fogo. Depois do estatuto, entre 2004 e 2012, 70,8% dos assassinatos foram com arma de fogo. E por outro lado houve uma redução na compra de armas legais em 90%.Ou seja, diminuiu sensivelmente o número de armas nas mãos do cidadão de bem e a participação das armas de fogo nos crimes aumentou. Outro dado: os Estados mais armados do Brasil são Acre, Roraima, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Têm 36% das armas. 

 E quantos por cento dos homicídios? Nove. Os cinco estados menos armados da federação são Pernambuco, Bahia, Sergipe, Ceará e Maranhão. Têm 6% das armas do Brasil e 26% do total de homicídios. É uma coisa clara. As armas dos criminosos são aquelas contrabandeadas da nossa fronteira. É só ir ali na Argentina e no Paraguai tentar comprar uma arma, e eles entregam do lado de cá com a maior facilidade. Os órgãos de segurança do Brasil têm que atuar sobre as armas contrabandeadas, e não as legalizadas.

Boa parte das instituições que estuda o tema tem posições divergentes das do senhor. Esses institutos são patrocinados muitas vezes pelo governo, e o governo tem claramente uma posição nesse sentido. O Instituto Sou da Paz, por exemplo, nunca divulgou uma pesquisa contrária à opinião do governo. Ele utiliza critérios que realmente não têm nenhuma explicação lógica. A verdade é a seguinte: o estatuto do desarmamento nunca alcançou seu objetivo mínimo, que é reduzir a participação das armas de fogo no cometimento de crimes. É uma posição ideológica do governo que aí está.  

Nós só queremos a liberdade, como é nos Estados Unidos. Lá, por exemplo, existe uma arma por habitante e aconteceram 11 mil homicídios no ano de 2013. No Brasil tem oito armas para cada 100 habitantes e nós temos 60 mil homicídios por ano. A Suíça tem a população mais armada do mundo, e teve 18 homicídios em 2013. Aí dizem: "Mas não dá para comparar". Então pegue dentro do Brasil os Estados mais armados e menos armados. Vamos ter exatamente esses números e a certeza de que não é a arma na mão do cidadão de bem que comete crime.

O governo tem o foco errado nessa questão? Eu costumo dizer que quando eu coloco um agasalho para me defender do frio, não quer dizer que essa blusa vai acabar com o inverno. Na segurança nós precisamos investir mais em policiais mais preparados, mais bem remunerados, com armamentos em iguais condições que o bandido, temos que melhorar a educação do brasileiro, tudo isso com igual intensidade. Mas não é tirar a arma do cidadão de bem que vai resolver o problema, como não está resolvendo. O foco está fora da realidade. Eles agem como se esse fosse o principal objetivo, como se isso fosse resolver tudo. Aquilo que interessa não está sendo feito.

O senhor tem arma? Eu sou da região do Vale do Itajaí, em que existem cerca de 150 clubes de caça e tiro. Lá, mesmo as crianças têm a cultura de participar da caça e do tiro. Isso é da própria cultura alemã, e não leva de forma alguma à criminalidade. Eu nunca vi nesses clubes de caça e tiro da região ninguém que tenha cometido algum tipo de crime. Aliás, sempre me perguntam se fui financiado pela indústria armamentista. Nunca recebi um tostão. A minha motivação é a minha região e pelo referendo. Eu já tive arma, mas a partir do momento em que mudou a legislação eu tive que me desfazer dela. Assim que eu tiver a facilidade e puder, quero fazer um curso, me preparar e ter uma arma para me defender.

Fonte: Entrevista deputado PMDB/SC Rogério Mendonça