Aplicativo usa criptografia de ponta a ponta, que não pode ser quebrada
O WhatsApp se transformou num dos principais atores desta eleição, servindo de plataforma para a difusão de informações e, sobretudo, notícias falsas para milhões de eleitores. Em grupos fechados, quase secretos, circulam memes, vídeos e áudios, que depois, sem qualquer checagem, emergem em outras redes sociais e nas rodas de conversa entre amigos e familiares. Essa campanha de desinformação, que esteve fora do radar de analistas, se aproveita da segurança criptográfica do aplicativo e da capilaridade das redes.Após os escândalos de espionagem revelados por Edward Snowden, a indústria de tecnologia precisou rever seus padrões de segurança. O WhatsApp resolveu adotar a criptografia ponta-a-ponta. Cada conversa possui um código próprio de segurança, fazendo com que a mensagem seja criptografada no momento em que sai do celular do remetente e só possa ser aberta no celular do receptor. Nem mesmo a companhia tem acesso ao conteúdo trocado.
"Na eleição americana de 2016 e no Brexit, o Facebook foi a plataforma escolhida para a campanha de desinformação com anúncios direcionados. Para a eleição brasileira, eles se prepararam, removeram páginas e perfis usados por esses grupos, e o WhatsApp virou o escape ideal", explica o diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, Carlos Affonso.
"Uma plataforma criada para a comunicação interpessoal foi “hackeada” para funcionar como uma rede de broadcast, de um para muitos, com pouquíssimo diálogo, conceito de viralização e reprodução em larga escala de conteúdos que se repetem."
O pouco entendimento sobre o que está acontecendo gerou medidas extremas, como o pedido do PSOL, depois retirado, de suspensão do aplicativo até o segundo turno da eleição. Em anos recentes, a Justiça determinou a suspensão das operações do WhatsApp no país em algumas oportunidades por informações que a companhia não armazena, dado o sistema de criptografia implementado. Na última delas, em 2016, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, restabeleceu o uso do aplicativo e considerou que a medida feria a liberdade de comunicação.
Mas a pouco mais de uma semana da eleição, existe uma corrida contra o tempo para minimizar os impactos do WhatsApp na escolha dos eleitores. Na quinta-feira, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou que empresários estariam bancando, de maneira supostamente ilegal, contratos com agências que fazem disparos em massa de mensagens pela plataforma, a fim de beneficiar o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, e atacar o PT de Fernando Haddad.
Para Carlos Affonso, o risco está nas soluções “8 ou 80”. Quebrar a criptografia para vasculhar o que anda se falando na plataforma não é viável, mas lavar as mãos e eximir o WhatsApp de culpa também não é o ideal. De acordo com o especialista, eleitores, partidos e candidatos e a companhia precisam assumir responsabilidades e buscar soluções.
Os eleitores, diz Carlos Affonso, devem assumir o dever “quase cívico” de ser um “agente contra a desinformação”.
"Por mais penoso que seja, sair do grupo da família é deixar de ser atuante no processo de informação e alfabetização digital", recomendou o especialista. "Cabe a cada um de nós atuar como agente de esclarecimento. Isso não é um problema dos outros, é de cada um de nós."
Os partidos e candidatos não podem dizer que a desinformação dos eleitores não é problema deles. Nos pronunciamentos, eles devem dizer que não concordam com o que está acontecendo, que as notícias falsas não são saudáveis para a democracia."Apenas lavar as mãos é um péssimo sinal de como estamos lidando com a tecnologia na política", avaliou Carlos Affonso.
Matéria Completa, Revista Época