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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

A frágil relação entre o STF e o Congresso - Merval Pereira

O Globo
 

Congresso x STF - Relações delicadas

As implicações da condenação em segunda instância voltaram ao debate político em dois planos ontem. No Supremo Tribunal Federal (STF), com a decisão majoritária de que ela interrompe a prescrição da pena. Na Câmara, com as audiências públicas sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância na Comissão de Constituição e Justiça. 

O plenário do STF esclareceu uma das pendências mais delicadas provocadas pela mudança da jurisprudência contra a prisão em segundo grau. Interpretando literalmente a Constituição, que prevê que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado do processo, isto é, quando não restarem mais recursos, voltou-se ao tempo em que a prisão era quase uma miragem diante da infinidade de recursos possíveis. Boa parte das vezes a prescrição do crime encerrava o caso antes que a possibilidade de recursos se encerrasse. 

O voto vitorioso do relator, ministro Alexandre de Moraes, determina a interrupção da prescrição quando a segunda instância confirma a sentença de primeiro grau, mesmo com aumento ou redução da pena. Essa medida atenua muito a mudança de posição do STF, provocada pelo voto do ministro Gilmar Mendes, que votara a favor da prisão em segunda instância e mudou de ideia. Outro que mudou de ideia, e tem o peso de sua posição, mas já não do voto, pois está aposentado, foi o ministro Eros Grau que, há cerca de dez anos, foi o relator que mudou a jurisprudência do caso para proibir a prisão em segunda instância, que vigorava há anos. 

Ele continua achando que a Constituição só permite a prisão a partir do trânsito em julgado, mas concorda que é possível alterar os códigos de Processo Civil e Penal para que o trânsito em julgado seja definido depois da condenação em segunda instância, antes dos recursos aos STJ e STF. Com isso, o artigo 5º da Constituição não precisaria ser alterado, o princípio da presunção de inocência continuaria mantido, pois os recursos, como acontece hoje, não influiriam no mérito da decisão penal. 

O ministro Eros Grau, aposentado em 2010, mudou de posição diante de uma proposta apresentada pelo ministro Cézar Peluso, que ontem foi o primeiro a opinar nas audiências públicas da CCJ da Câmara. Como presidente do STF em 2011, foi à Câmara justamente discutir uma proposta de emenda constitucional (PEC), que alterava os artigos 102 e 105 da Constituição para transformar os recursos extraordinário (STJ) e especial (STF) em ações rescisórias.  Por sua tese, o caminho não é alterar a Constituição, o que poderia ser considerado pelo Supremo Tribunal Federal uma interferência em cláusula pétrea que só pode ser feita por uma Constituinte, mas sim os códigos que definem o que é trânsito em julgado. 

Embora essa discussão da prisão em segunda instancia tenha sido incentivada tanto pelo atual presidente do STF, Dias Toffoli, quanto Peluso quando o presidia, outros temas delicados permeiam a convivência com o Congresso. A iniciativa de deputados de alterar a maneira como é feita a escolha dos seus membros está sendo considerada pelos ministros do Supremo uma provocação, embora não atinja os ministros já nomeados.  A sensação é de que o Congresso, ao querer ter a delegação para a escolha de parte dos ministros, pretende na verdade fazer pressão sobre os futuros nomeados. Uma escolha com indicação de órgãos representativos de advogados (OAB), procuradores (PGR) e Congresso resultaria em ministros corporativos, na opinião dos contrários à ideia que ganha força entre os parlamentares. [lembrando sempre que para ser ministro do STF não é necessário sequer ser bacharel em direito - situação que desautoriza (por representar favorecimento de uma categoria, a dos advogados, em detrimento de outras) a OAB indicar ou mesmo participar da discussão.
Se a Ordem dos Advogados participar, outras terão o mesmo direito.]

Há ainda outros aspectos, sobre o qual a economista Cristina Pinotti, especialista na Operação Lava-Jato, me chamou a atenção. Com a permanência do foro privilegiado, que ficou mais restrito, mas não a ponto de evitar conflitos de interesses, o candidato ao STF sabatinado poderá vir a ser o julgador no futuro dos senadores. Na fórmula atual, já paira uma sombra sobre a sabatina para a aprovação, sempre muito generosa com o indicado. Com a garantia de que a Câmara e o Senado indicariam parte dos membros do Supremo, os compromissos implícitos seriam mais evidentes.

Merval Pereira, colunista - O Globo

 

domingo, 26 de abril de 2015

Nem Moro nem mora: certeza do castigo sem demora

A lentidão dos processos e a impunidade constituem duas marcas registradas do nosso deplorável subdesenvolvimento. No âmbito criminal, entende o STF que a presunção de inocência impede a prisão do condenado até o último recurso possível (incluindo os extraordinários e especiais para os tribunais superiores). Isso criou (com maior facilidade para os ricos) a chamada “indústria dos recursos”, que impede a execução imediata das sentenças judiciais (ainda que confirmadas em dois graus de jurisdição).

Reagindo contra essa anômala leniência, há poucos dias Sérgio Moro (juiz do caso Lava Jato) e Antônio César Bochenek (Presidente da Associação dos Juízes Federais) apresentaram uma das propostas mais disparatadas e descabeladas depois da redemocratização (1985): querem “atribuir à sentença condenatória de primeiro grau, para crimes graves em concreto (sic), como grandes desvios de dinheiro público (sic), uma eficácia imediata, independentemente do cabimento de recursos” (Estadão 29/3/15). Fiquei arrepiado e de cabelo em pé com essa destemperada ideia, gritantemente inconstitucional e inconvencional (porque violadora da presunção de inocência; e que recupera, de sobra, o sistema fascista do Código de Processo Penal de 1941, aprovado pelo ditador Getúlio Vargas, sob os auspícios de Francisco Campos).[nada impede que o marginal, especialmente os criminosos do tipo dos  condenados do MENSALÃO - PT, sejam presos logo após a condenação na primeira instância, mas, possam impetrar recursos.
Como bem a matéria destaca, as sentenças de instâncias inferiores quase sempre são confirmadas.]

A proposta intermediária (que deveria merecer a atenção do legislador brasileiro) veio de Cezar Peluso (ex-presidente do STF), que sugeriu uma PEC no sentido de estabelecer o final do processo após duas decisões judiciais. O Brasil é o único país do mundo (diz Peluso) em que um processo pode percorrer quatro graus de jurisdição: juiz, tribunal local ou regional, tribunal superior e Supremo Tribunal Federal (STF). O sistema atual produz intoleráveis problemas, como a “eternização” dos processos, a sobrecarga do Judiciário e a morosidade da Justiça. Pela PEC dos Recursos, eventuais recursos às cortes superiores não impedirão a execução imediata das decisões dos tribunais estaduais e regionais. Tais decisões, aliás, em geral são mantidas pelas cortes superiores. Em 2010, por exemplo, o STF modificou as decisões dos tribunais inferiores em apenas 5% dos recursos que apreciou. Em se tratando de prisão ilegal, sempre haveria o habeas corpus para reparar a injustiça.

O jornalista Pimenta Neves matou sua colega de trabalho Sandra Gomide e, depois de esgotar todos os recursos, demorou mais de 11 anos para iniciar o cumprimento da pena de prisão. Isso é escatológico! Se a atual jurisprudência do STF é leniente (porque estimula os chamados recursos protelatórios) e se a proposta de Moro é aberrante e inconsequente (porque parte da premissa de que os juízes de primeiro são deuses que não erram), resta o caminho intermediário de Cézar Peluso, que tem total coerência seja com os tratados internacionais de direitos humanos (Convenção Americana de Direitos Humanos, sobretudo), seja com a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, que asseguram o duplo grau de jurisdição em todos os casos criminais. [a posição do SIDH é que produz a aberração de criminosos com direito a foro privilegiado - julgamento direto pelo STF - a exigirem um segundo grau de jurisdição... talvez ser julgado pelo Vaticano.] A presunção de inocência, para o efeito de impedir a execução imediata das sentenças condenatórias, vale nestes dois graus (regra que foi violada descaradamente no caso mensalão do PT). Nem o caminho sumário inquisitivo de Moro, nem o entendimento protelador do STF. In medio est virtus. Sem demora, cabe ao legislador brasileiro priorizar o tema e prestar atenção nessa tese que evita tanto injustiças como a impunidade (esta decorrente da falta da certeza do castigo, que é uma das pragas mais nefastas do nosso subdesenvolvido país).

Fonte: Jus Brasil - Luiz Flávio Gomes
Professor  - Jurista