Na sua eleição, em 1978, poucos tinham ouvido
falar do cardeal Karol Wojtila, de Cracóvia, na Polônia. Eu era então um
jovem sacerdote e me recordo de que meu bispo, já falecido, comentou
com satisfação que tinha uma lembrança da atuação do jovem bispo polonês
Wojtila durante o Concílio Vaticano II, com o qual ele havia
participado de um mesmo grupo de trabalho. Mais tarde vim a saber que
esse jovem bispo polonês participara ativamente da elaboração da
Constituição Pastoral Gaudium et Spes, um dos documentos mais marcantes
daquele concílio.
Sua eleição para o pontificado trouxe ares de
novidade e esperança para a Igreja. Depois de um longo período de papas
de origem italiana, a eleição do papa polonês pôs novamente em evidência
a universalidade da Igreja e a abertura de sua missão a todas as
nações, todos os povos, línguas e culturas. Ainda mais: o novo papa
vinha de um país que vivia a experiência do regime comunista soviético.
Sua eleição não poderia ser insignificante para a política
internacional, pois trazia um elemento novo e surpreendente, que fazia
pensar logo em possíveis mudanças nas relações entre os blocos comunista
e capitalista. E não se enganou quem pensou assim, pois a atuação de
João Paulo II foi importante para as mudanças no mundo socialista e
comunista, que não demoraram a se manifestar.
Para
muitos, São João Paulo II foi um papa político e não se pode negar
isso. De fato, cabe ao papa exercer esse papel no seu significado mais
elevado de promoção do bem comum, da justiça e da paz. O papa polonês
empenhou-se na promoção do diálogo com os governantes e responsáveis
pelos organismos internacionais, clamou pela superação dos conflitos e
pela promoção da paz justa, pelo respeito à dignidade da pessoa humana e
aos seus direitos fundamentais. Empenhou-se no estabelecimento de uma
ordem econômica e financeira internacional justa, que tivesse o homem
como centro, conforme aparece nos seus documentos sociais e
pronunciamentos diante de autoridades e organismos internacionais.
Promoveu a solidariedade entre os povos e culturas, a superação da
miséria e da fome, o respeito pelas culturas dos povos, o diálogo entre
os cristãos e com as diversas religiões.
Tudo isso, certamente,
tem um peso político relevante e o reconhecimento da autoridade moral do
papa apareceu de maneira eloquente no seu funeral, em abril de 2005. Na
Praça de São Pedro, no espaço reservado às autoridades e representações
internacionais, estavam presentes, ou representados, chefes de Estado e
de governo da maioria dos países. Lado a lado, viam-se governantes de
países antes em guerra entre si e que alcançaram a paz graças à ação
diplomática do papa falecido. Até chefes de países ainda em conflito
sentaram-se próximos na cena do funeral, prestando reconhecimento e
homenagem ao pontífice que muito contribuiu para a convivência pacífica
da grande família humana.
O longo pontificado de João Paulo II,
de quase 27 anos, foi especialmente significativo para a vida da Igreja e
lhe deixou um legado imenso. Coube-lhe levar avante a reforma e a
renovação da Igreja, já iniciada por Paulo VI, conforme decisões do
Concílio Vaticano II.
E o fez com grande determinação e fruto,
apesar da fase difícil que a Igreja atravessava. As reformas envolveram
os mais diversos aspectos da vida e da missão da Igreja. Fez publicar o
novo Código de Direito Canônico e o Catecismo da Igreja, consolidou a
reforma litúrgica, deu novas diretrizes à formação do clero e dos
religiosos, incentivou os leigos católicos a assumirem seu papel na
Igreja e na sociedade. Incentivou os jovens e as famílias, promoveu uma
nova ação missionária, valorizou a ação da Igreja nos meios de
comunicação, promoveu o diálogo ecumênico com as outras igrejas e
comunidades cristãs, valorizou o diálogo e a colaboração com as
religiões não cristãs em prol da paz e da dignidade humana. Enfrentou as
difíceis questões morais da atualidade, como o respeito à vida humana,
as diversas formas de injustiça e violência, as ideologias promotoras da
violência, a miséria desumana, o comércio sujo das drogas, a exploração
vil das pessoas em função de lucro, o escândalo da fome e das
desigualdades absurdas entre ricos e pobres na comunidade humana.
A
História dará seu julgamento sobre a importância de João Paulo II para a
Igreja e a humanidade. Desde logo, porém, podemos afirmar sem medo de
errar que ele passou à História como um dos maiores pontífices que a
Igreja teve em sua história quase bimilenar. Que ele, junto de Deus,
continue a olhar pela Igreja e pela humanidade, que enfrentam novos e
antigos desafios.
O Estado de S. Paulo