Tragédia de Mariana exibe falha enorme, da regulação à fiscalização do cumprimento das normas ambientais
Das 12
linhas de transmissão de energia oferecidas ontem em leilão, apenas
quatro foram arrematadas. Não houve ofertas para as outras oito.
Portanto, foi um fracasso. Para a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), porém, se consideradas as condições atuais do país, pode-se
dizer que foi um sucesso.
Essas condições são conhecidas: a
recessão, a dificuldade de obter financiamento público e/ou privado, os
juros mais elevados quando saem os empréstimos, as restrições de
rentabilidade colocadas pela Aneel. Mas há um outro problema,
sempre citado pelo pessoal do setor, tanto do privado quanto do governo:
a dificuldade na obtenção de licença ambiental. Há duas broncas: regras
muito rigorosas (e custosas) e uma burocracia infernal dos órgãos
reguladores.
Mas a tragédia de Mariana exibe uma falha enorme em
todo o processo, da regulação à fiscalização do cumprimento das normas
ambientais, sem contar as de segurança. O desastre, portanto, permite
argumentar que a legislação é frouxa, a regulamentação é falha e a
fiscalização, inexistente. Sim, são setores diferentes, mineração e
energia elétrica, mas guardam estreita aproximação nessa questão
ambiental, um dilema político, econômico e social.
Temos aqui dois
polos opostos. Um lado diz: o sistema de controle ambiental é tão
rigoroso que bloqueia investimentos, cuja falta atrasa a economia, o
progresso, a geração de empregos. De outro lado, a contestação: o
sistema é tão frágil, tão favorável às empresas, que os desastres são
inevitáveis durante a execução das obras e depois, quando o serviço está
funcionando.
Esse é o debate que envolve, por exemplo, a reforma
do Código de Mineração. Ou a construção de Belo Monte e tantos outros
grandes projetos. E aí, como ficamos? No pior dos mundos. É
verdade que há demora e dificuldades excessivas na obtenção de licenças
ambientais. Vai daí, é verdade, que isso atrapalha o crescimento do
PIB. É verdade também que há muitos desastres que poderiam e deveriam ter sido evitados. E não estamos falando de acidentes menores.
Como se chegou a isso? O
sistema é ruim. A legislação é frequentemente inadequada e exagerada, e
os órgãos licenciadores são ineficientes, especialmente pela falta de
mais pessoal especializado. Em consequência, projetos corretos acabam
barrados enquanto os errados recebem a autorização, não raro por pressão
política de governantes e políticos ansiosos por tocar uma obra de
prestígio. Claro, há pressões privadas, mas estas necessariamente passam
pela instância política.
E a coisa vai mal também depois que a
licença, correta ou equivocada, é concedida. A fiscalização dos governos
falha clamorosamente e, com isso, muitas empresas se sentem, digamos,
estimuladas a “flexibilizar” as normas estipuladas na licença e nas
leis.
Portanto, há muito o que fazer. Em primeiro lugar, acalmar o
debate. Não se pode partir da ideia de que todas as empresas são
bandidas e estão dispostas a matar pelo lucro. Também não se pode partir
da ideia de que todos os ambientalistas querem simplesmente parar o
país.
Moderação, pessoal.
E uma sugestão: inverter a lógica
de todo o sistema. Em vez de uma legislação complexa e rigorosa, de
difícil aplicação, escrever leis mais flexíveis, que combinem a
necessidade econômica e social das obras com a prevenção, minimização e
compensação dos danos ambientais.
E, em vez de aplicação frouxa
das regras, o rigor extremo na fiscalização do governo e, sobretudo, a
punição pesada para as empresas e os executivos responsáveis quando o
erro, a imperícia ou fraudes são cometidas, das pequenas às desastrosas.
Deve-se incluir aqui a punição às autoridades que falhem no cumprimento
de suas funções. Como nas sociedades abertas e democráticas: o cidadão é livre, mas, se violar a lei, o peso do Estado desaba sobre ele.
SALVAR A EUROPA
E
por falar em sociedades abertas e livres: a melhor construção do último
século está em perigo. A crise dos imigrantes e o terrorismo ameaçam o
Espaço Schengen — essa área formada por 30 países europeus pelos quais
as pessoas circulam livremente, sem vistos, sem mostrar passaporte. O
Espaço foi proposto em 1985, em Schengen, Luxemburgo, e depois assinado
por países membros e não membros da União Europeia. Depois de duas
guerras brutais no século XX, a Europa conseguiu terminar o período numa
celebração da tolerância e da liberdade.
É claro que isso
favorece também a movimentação e a articulação dos terroristas, assim
como a entrada de imigrantes acima da capacidade de absorção dos países
membros. Mas a humanidade estará melhor se os europeus conseguirem
lidar com essas ameaças preservando a liberdade. É preciso salvar o
Espaço Schengen.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo