Vocês desfilam só para o irmão Crivella, deixando claro que beijo roubado é crime, diferentemente de dinheiro roubado
Está
fazendo 30 anos o hit feminista dos cassetas, imortalizado pelo refrão “Mãe é mãe,
paca é paca. Mulher, não. Mulher é tudo vaca”.
O brado
dos sete rapazes de Liverpool-RJ que “não comiam ninguém” e ostentavam seu
fracasso aos quatro ventos provinha de uma dor de corno: Bussunda tinha levado
um pé na bunda. Era uma sátira à guerra dos sexos, ao próprio machismo e ao
politicamente correto — que já ali, no final dos anos 80, saturava tudo e todos
com sua fábrica de dogmas fantasiados de solidariedade. Três décadas depois, o
bordão da moda é “Não é não”, contra as cantadas carnavalescas. O “Mãe é mãe”,
hoje, levaria ao fuzilamento sumário.
As moças
empoderadas [sempre que grafamos esta palavra, fica a dúvida: é empoderamento ou empoleiramento?] com aquele “Não é não” tatuado no peito devem encher o Crivella de
paz e esperança. É a mesma galera moderna e descolada que apoia a censura às
marchinhas para proteger a cabeleira do Zezé e outras minorias cenográficas.
Reacionários são os outros. Vão terminar todos num grande abraço moralista com
os pastores eletrônicos.
Esse é
hoje o maior bloco do mundo: os heróis reciclados da contracultura (meio século
de mofo). Autoritários fantasiados de libertários é muito mais radical que
homem vestido de mulher. E eles têm uma tara especial: fingir que vivem num
mundo dominado por Crivellas e Bolsonaros, para pular em trincheiras
imaginárias com seu kit-revolução de R$ 1,99. Só não é de dar pena porque o
mercado está lucrando uma barbaridade com o teatrinho — e você é obrigado a
consumir esse lixo no cinema, na TV, no museu, no bar da esquina e, para os
menos afortunados, na cama. Para onde você correr tem um patrulheiro idiota com
uma lição de vida solene.
Lição boa
mesmo, testemunhada pelo mundo inteiro, foi a que Catherine Deneuve ofereceu a
Meryl Streep — ensinando como se luta contra o assédio sem oportunismo fashion.
Mas aí não tem graça. Se a ideia é justamente vestir um slogan e ficar bem na
foto, o que essa francesinha tem que se meter onde não é chamada? Deixe a santa
patrulha em paz, desfrutando o sagrado poder de destruir carreiras por um
galanteio. Claro que isso não vai resolver o problema real — tabu não se
derruba com tabu. Mas quem falou em resolver problema real? Eu, hein.
Se
Hollywood não quer distinguir sedução de agressão, imagine o carnaval
brasileiro. Mas eis que essa vanguarda walking dead colhe, enfim, a
maldição das maldições.
Coroando esses
anos dourados de picaretagem intelectual, afetação de bondade com fins
lucrativos, defesa de militantes de aluguel (meu reino por um acampamento),
complacência com assalto bilionário para forjar verniz de esquerda (eta, verniz
caro), vista grossa a massacre de ditador amigo para não arranhar o tal verniz,
apoio a transexual no vôlei feminino em detrimento da mulher (mexeu com todas,
mexeu com nenhuma) e variações dessa diversidade de butique que invadiu até
programas de humor (sistema de cotas?), a vanguarda retrô chega ao seu clímax
no carnaval 2018: para a grande festa pagã, emoldurou a mulher com a palavra
“não”. O prefeito pastor não faria melhor.
Catherine
Deneuve diria que essa gente deve estar usando cinto de castidade mental. Se
“não é não” fosse símbolo de afirmação feminina, “vem ni mim que eu sou facinha”
(que é até nome de bloco) seria o quê? Desempoderamento? Vulgarização da
mulher? Apologia ao assédio? Com esse senso de humor tão fino, vocês ainda vão
transformar o carnaval num funeral igual ao do Globo de Ouro (risos...
Obrigado, Danuza).
Vamos
fazer melhor: vocês desfilam só para o irmão Crivella, deixando claro que beijo
roubado é crime — diferentemente de dinheiro roubado, que vocês apoiam e até
aplaudem o ladrão, como foi visto outro dia no Teatro Casa Grande. Aliás, os
gastos multimilionários dos companheiros bandidos para se manter à solta
poderiam ser estendidos ao empoderamento carnavalesco. Um Sepúlveda Pertence
para cada foliã, e não se fala mais nisso.
Não é
não, hipocrisia é hipocrisia, caretice é caretice. O que Leila Diniz diria
disso tudo? Possivelmente lançaria mão do seu português castiço para mandar
todos vocês à merda, com todo o respeito, seus chatos.
PS: A
“musa” do hino malcriado do Bussunda não só entendeu a piada, como acabou se
casando com ele. Mas isso foi muito tempo atrás...
Guilherme
Fiuza é jornalista