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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

As mulheres invisíveis do Afeganistão - Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Onde estão as feministas para salvar as afegãs da barbárie? 

Há quase um ano, bem antes da eleição presidencial norte-americana de 2020, muitos caminhos já mostravam que uma possível vitória da chapa Joe Biden e Kamala Harris tinha potencial para ser um desastre em várias áreas da política americana. Mas ninguém esperava que, perto de Joe Biden, Jimmy Carter — um dos piores presidentes da história dos EUA — pareceria moderado.
Mulher afegã em Cabul | Foto: Shutterstock
Mulher afegã em Cabul | Foto: Shutterstock
 

A economia, que, mesmo durante a pandemia, dava fortes sinais de recuperação nos últimos meses da administração Trump, atualmente enfrenta grandes desafios. A impressora de dinheiro (e fábrica de inflação) anda ligada 24 horas por dia em Washington. Há uma crise migratória e humanitária sem precedentes na fronteira sul. Estima-se que 2 milhões de imigrantes ilegais possam entrar no país apenas neste ano. Com sete meses no Salão Oval, a já desastrosa administração Biden ainda nos ofereceu o espetáculo da despreparada retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. Joe Biden deixou para trás não só mais de US$ 85 bilhões em equipamentos e veículos militares. Ele também desenhou um futuro sombrio para as mulheres afegãs.

Em reação aos atentados de 11 de setembro, os EUA e seus aliados invadiram o Afeganistão em 2001, para combater os terroristas da Al Qaeda. Com isso, criaram um clima de liberdade inédito no país. Desde então, uma geração de meninas cresceu seguindo o modelo das primeiras corajosas afegãs que estudavam, dirigiam, usavam maquiagem, praticavam esporte e eram livres para sonhar e trabalhar. Em 2016, a equipe nacional feminina de ciclismo foi até indicada ao Prêmio Nobel por um grupo de políticos italianos. As atletas afegãs começaram a competir no exterior e tinham esperança de participar da Olimpíada de Tóquio. Até que a terrível situação com a segurança em seu país interrompeu o sonho.

Apedrejadas até a morte
O Talibã vê os esportes femininos como um sacrilégio, e os membros de suas famílias como traidores. O que essas mulheres incríveis fizeram para quebrar inúmeras barreiras também acabou colocando um alvo em suas costas. Com a retirada das tropas americanas do país nessa semana, milhares de profissionais autônomas, professoras e até ex-atletas enfrentarão um futuro sombrio. Quem conseguiu fugir do país reporta que mulheres estão queimando material de trabalho, pesquisas, roupas, diplomas e equipamentos esportivos para esconder o fato de que uma vez sonharam com caminhos melhores.
Quando o Talibã esteve no poder pela última vez, entre 1996 e 2001, as mulheres no Afeganistão não tinham permissão para deixar suas casas, exceto sob condições estritamente definidas. Eram forçadas a se vestir com burcas que cobriam seus corpos da cabeça aos pés. 
Foram proibidas de votar, trabalhar ou receber qualquer educação após os 12 anos de idade. 
Elas não podiam transitar em público sem um tutor do sexo masculino. Não era raro testemunhar chicoteamentos e espancamentos de quem violasse essas leis
Escravidão sexual também fazia parte do regime do Talibã. Mulheres acusadas de adultério eram apedrejadas até a morte.

Depois da invasão dos Estados Unidos em 2001, as restrições ao sexo feminino diminuíram. Um forte movimento foi gerado e apoiado por grupos e doadores internacionais, o que levou à criação de novas proteções legais. Em 2009, a Lei para Eliminação da Violência Contra as Mulheres criminalizou o estupro, a agressão e o casamento forçado, além de tornar ilegal qualquer tentativa de impedir que mulheres ou meninas trabalhassem ou estudassem.

Desde o começo de agosto, à medida que o Talibã retomou o controle sobre seu novo emirado islâmico no Afeganistão, grande parte das mulheres desapareceu das vias públicas. Os extremistas as forçaram a deixar seus empregos e suas casas, encerrando 20 anos de progresso em direção à liberdade e à igualdade. Ativistas de direitos humanos dizem que ainda não têm certeza se o Ministério dos Assuntos da Mulher vai reabrir. Nesse ínterim, o apoio internacional a programas para mulheres foi suspenso. Fontes do setor não podem dizer quando ou se ele será retomado.

Sororidade hipócrita
O que sabemos até agora é que os talibãs não permitiram que as mulheres retornassem a seus empregos normais, nem no governo. Algumas apresentadoras de noticiários de televisão foram forçadas a vestir roupas que cobrem quase todo o corpo e obrigadas a abandonar seus postos. O editor sênior de uma estação de TV privada reportou que o Talibã o pressionou para remover mulheres de seus cargos e tirá-las do olhar do público.

Será que perdi a campanha de Oprah Winfrey para angariar fundos para o resgate dessas mulheres?

Axana Soltan, que dirige uma pequena organização sem fins lucrativos de apoio a mulheres afegãs nos Estados Unidos, disse que alguns de seus parentes passaram a acreditar que a morte é preferível à vida sob o bárbaro regime do Talibã: “As mulheres no Afeganistão se sentem abandonadas, sem esperança, incertas quanto ao futuro e traídas. Falei com várias primas, e elas disseram que não têm esperança quanto ao futuro das mulheres afegãs. Uma delas descreveu sua condição como ‘viver dentro de um buraco negro de desesperança’ “, disse Soltan.

Diante de mulheres e meninas que viverão como se tivessem voltado aos tempos medievais, fica a pergunta: 
- onde estão as feministas para dar voz a essas mulheres e condenar a bestialidade do Talibã? 
Onde estão as mulheres que queimavam sutiãs “contra o patriarcado”? Onde estão as atrizes famosas de Hollywood, que só depois de juntar milhões de dólares em suas contas levantaram a voz contra produtores poderosos e predadores sexuais? 
Onde está Hillary Clinton, a ex-primeira-dama americana que permanece casada com um predador sexual cujos rastros ajudou a esconder? 
Onde estão Madonna, Alexandria Ocasio-Cortez, Meryl Streep, Alyssa Milano? 
Lady Gaga, por onde andas que não apareceu até agora para compor uma canção sobre as mulheres do Afeganistão? 
Será que perdi a campanha de Oprah Winfrey para angariar fundos para o resgate dessas mulheres?

Há uma série na Netflix, uma joia perdida entre muito títulos, chamada She-Wolves: England’s Early Queens (“Lobas: as primeiras rainhas da Inglaterra”, 2012), criada e estrelada pela historiadora ph.D. de Cambridge e escritora Helen Castor. A série é uma viagem fascinante pela trajetória de algumas das mulheres mais extraordinárias da monarquia britânica, daquelas que realmente desafiaram o poder, as injustiças, as convenções e que fizeram história. Feminismo raiz, e não de butique, que prega apenas o ódio contra os homens “opressores” do Ocidente, justamente aqueles que ajudaram a construir os tempos mais livres da história da humanidade.

Logo no primeiro episódio somos apresentados à mais antiga das “lobas”, chamadas assim até por Shakespeare: Matilde de Flandres (1031-1083), primeira mulher a exercer o cargo de rainha britânica com autoridade e não apenas como esposa decorativa do rei. A série ainda relembra Leonor de Aquitânia (1122-1204), Isabel da França (1295-1358), Margarida de Anjou (1430-1482), Joana Grey (1536-1554), Maria I (1516-1558) e Elizabeth I (1533-1603). Cada capítulo nos transporta para uma história de mil anos que mostra mulheres que, para muitos deslumbrados e desavisados de hoje, aparentemente nunca existiram. Porque jamais aceitariam essa sororidade hipócrita de hoje ou qualquer pedágio ideológico para merecer proteção. O tíquete para a relevância nos livros de história não se compra nos guichês de partidos políticos nem nos despachantes engajados de parte da imprensa.

As lobas de Helen Castor e as mulheres que, na quietude de seus anonimatos, inspiram aquelas que lutam contra regimes bárbaros, essas, sim, estão a salvo de modismos passageiros e fúteis e das ideologias revolucionárias de auditório. Seus nomes serão lembrados muito tempo depois que a geração da indignação seletiva tiver desaparecido.

Leia também “O fiasco de Joe Biden”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste


domingo, 14 de janeiro de 2018

Hollywood, a contradição e o ridículo

A mesma Hollywood que aplaude de pé o discurso de Oprah Winfrey é a que aplaude de pé Roman Polanski, alguém que confessou ter drogado e abusado sexualmente de uma criança de 13 anos.  Hollywood é um poço sem fundo de contradições, um verdadeiro mundo à parte do comum dos mortais. O escândalo sexual da indústria de cinema americana e a histeria que rodeia o discurso de Oprah Winfrey nos Globos de Ouro, tornam esta ideia ainda mais evidente.

Oprah, a cara mais conhecida e poderosa da televisão americana, que tem uma história de vida extraordinária, de constante superação de dificuldades, uma prova viva da mobilidade social promovida em economias abertas e livres, proferiu um discurso nos Globos de Ouro que já foi por muitos considerado como a rampa de lançamento da sua candidatura presidencial em 2020. Um discurso para ser aclamado por quase todos deve ser vazio, inconsequente, leve, idealmente com um toque anti-Trump e que apenas passe mensagens no qual todos acreditamos. O discurso foi um tremendo sucesso, preencheu todos os requisitos. Afinal, não deve haver ninguém que seja a favor do assédio sexual, nem que aprove a conduta dos homens que abusaram da sua posição para obterem favores sexuais, nem que aprove o controlo da imprensa. No mundo normal isto é verdade, no mundo de Hollywood não é assim.

A mesma Hollywood que aplaude de pé o discurso de Oprah é a que aplaude de pé Roman Polanski quando ganhou o Oscar de melhor realizador pelo filme Pianista em 2003. Este homem foi o mesmo que confessou ter drogado e abusado sexualmente de uma criança de 13 anos. Uma criança que estava a fotografar para um trabalho para uma revista americana. Quando percebeu que iria ser preso de vez no âmbito deste processo, fugiu para a Europa e continua a ser perseguido pela justiça americana para que seja preso. O caso deste realizador é paradigmático, junta a posição de abuso de poder, drogas, assédio sexual e ainda pedofilia. Mas não é por isso que deixou de ser aplaudido de pé pelos mesmos homens e mulheres que agora gritam #MeToo.

A referência à Hollywood Foreign Press Association,
passando a mensagem de que nos EUA a imprensa está a passar por um momento complicado, numa óbvia referência a Donald Trump, acentua a contradição em que aqueles senhores vivem. O Presidente amado por Hollywood Barack Obama foi considerado a maior ameaça na história dos EUA à imprensa livre. O seu governo perseguiu jornalistas, colocou escutas em telemóveis de forma abusiva, teve acesso indiscriminado a emails e correspondência privada. O Governo de Obama processou seis colaboradores do seu Governo sob acusação de espionagem. Até Obama isto apenas tinha acontecido três vezes em toda a história americana. Mensagens como “this is the most closed, control freak administration I’ve ever covered” (David E. Sanger, jornalista do The New York Times) ou “it’s turning out to be the administration of unprecedented secrecy and unprecedented attacks on a free press.” (Margaret Sullivan, editora do The New York Times) são referentes à administração Obama e não a Trump ou Bush.

É tudo tão ridículo e triste que custa a crer ser verdade. Com tantas contradições destes senhores, continua a ser extraordinário que olhemos para eles como algo mais do que entretenimento.


 Bernardo Sacadura - Jornal Observador - Portugal
 

sábado, 13 de janeiro de 2018

O Muro de Oprah

Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que suposto despertar feminista hollywoodiano é show autopromocional

Desta vez Meryl Streep não chorou. Na edição anterior do Globo de Ouro, suas lágrimas roubaram a cena para anunciar o fim do mundo com a derrota eleitoral da companheira Hillary. Os Estados Unidos tinham acabado de cair nas mãos da elite branca egoísta, e a atriz estava inconsolável diante do destino hediondo que colhera a maior democracia do planeta. Um ano depois, o emprego entre negros e hispânicos no país alcançou nível recorde. E o tema deixou de comover Meryl.

Ela e seus colegas preocupadíssimos em defender alguma vítima de alguma coisa mudaram de assunto no Globo de Ouro deste ano. Com a desoladora notícia de que os fracos e oprimidos tinham melhorado de vida no primeiro ano do governo assassino, a brigada salvacionista concentrou-se nos casos de assédio sexual. A convocação da estilista que organizou o protesto dos trajes pretos era uma fofura, tipo “não é uma boa hora para você bancar a pessoa errada e ficar fora dessa”.

Se uma intimação assim viesse do inimigo era assédio moral na certa.  Mas o show tem que continuar, e a butique ideológica foi um arraso. O stand up apocalíptico de Meryl Streep em 2017 deu lugar ao palanque apoteótico de Oprah Winfrey — aclamada, eleita e já empossada como a nova presidente dos Estados Unidos da América. Faltam apenas uns detalhes burocráticos, bobagens da vida real — que só existem para atrapalhar, como mostram os números do emprego. O ideal seria se Oprah pudesse culpar o agente laranja da Casa Branca pela marginalização dos negros, mas a realidade atrapalhou mais uma vez.

Aí ela gritou pela mulher. Coisa linda. Todo mundo chorando de novo, que nem no apocalipse da Meryl. Se Obama ganhou o Nobel da Paz antes de começar a governar, Oprah era capaz de levar o prêmio ainda no tapete vermelho. Aí vieram os estraga-prazeres lembrar a bonita sintonia da apresentadora com o dublê de produtor e predador Harvey Weinstein sem uma única palavra dela sobre os notórios métodos do selvagem de Hollywood. Ainda veio o cantor Seal, que também é negro, dizer que Oprah é “hipócrita” e “parte do problema”. Impressionante como essa gente não sabe assistir a um happy end em paz.

O governo Oprah deveria começar construindo um muro para os invejosos não secarem mais o Globo de Ouro. Quem viesse com comentários desagradáveis sobre esse impecável espetáculo demagógico seria sumariamente deportado. Não faz o menor sentido você ter um trabalhão montando a coleção outono-inverno do luto sexual para vir um bando de forasteiros rasgar a fantasia e deixar o heroísmo de ocasião inteiramente nu.

Como se não bastasse, aparece Catherine Deneuve para jogar a pá de cal no picadeiro. Mais uma invejosa. Sobe logo esse muro, presidenta Oprah. Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que o suposto despertar feminista hollywoodiano é basicamente um show autopromocional e não ataca o problema real. Estaremos sonhando? Será que finalmente alguém relevante teve a bondade de dizer isso?  Não, não é sonho. E La Deneuve disse mais: essas estrelas falsamente engajadas trazem, na verdade, uma ameaça de retorno à “moral vitoriana”, escondida nessa “febre por enviar os porcos ao matadouro”, nas palavras do manifesto publicado no “Le Monde”. Ou seja: não há nada mais moralista e reacionário que o politicamente correto. Até que enfim.

Claro que a patrulha já caiu em cima, acusando as francesas de complacência com o machismo tirânico. Retocar os fatos, como se sabe, é a especialidade da casa. Abuso de poder para chantagem sexual precisa ser denunciado sempre — não só quando se acendem as luzes do teatrinho, companheira presidenta Oprah Winfrey e grande elenco enlutado. Mas montar uma caça às bruxas fingindo que sedução é agressão — e colecionando banimentos de grandes artistas como troféu é igualmente abominável. Tão feio quanto abandonar o tema da opressão aos negros quando o script do tapete vermelho é contrariado pela realidade.

Danuza Leão disse que o desfile dos vestidos pretos no Globo de Ouro parecia um velório. Já está sendo devidamente patrulhada, porque não se desmascara os retrógrados moderninhos impunemente (a patrulha não sabe com quem está se metendo). Aguinaldo Silva também anda sendo patrulhado por ser gay e não fazer proselitismo gay — veja a que ponto chegamos. É o ponto em que uns procuradores iluminados resolvem obrigar (repetindo: obrigar) o Santander a remontar a exposição da criança viada para fazer a selfie heróis da diversidade”. Perguntem a Catherine Deneuve se arbitrariedade promocional faz bem à liberdade sexual.
Chega de dar plateia a esses reacionários trans. Melhor deixá-los a sós discutindo se Anitta na laje é cachorra ou empoderada. [sempre surge uma dúvida: o correto é 'empoderada' ou 'empoleirada'? ou depende da feminista alvo da discussão?]

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Guilherme Fiuza - O Globo