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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Não é não (samba do pastor)



Vocês desfilam só para o irmão Crivella, deixando claro que beijo roubado é crime, diferentemente de dinheiro roubado

Está fazendo 30 anos o hit feminista dos cassetas, imortalizado pelo refrão “Mãe é mãe, paca é paca. Mulher, não. Mulher é tudo vaca”.

O brado dos sete rapazes de Liverpool-RJ que “não comiam ninguém” e ostentavam seu fracasso aos quatro ventos provinha de uma dor de corno: Bussunda tinha levado um pé na bunda. Era uma sátira à guerra dos sexos, ao próprio machismo e ao politicamente correto — que já ali, no final dos anos 80, saturava tudo e todos com sua fábrica de dogmas fantasiados de solidariedade. Três décadas depois, o bordão da moda é “Não é não”, contra as cantadas carnavalescas. O “Mãe é mãe”, hoje, levaria ao fuzilamento sumário.

As moças empoderadas [sempre que grafamos esta palavra, fica a dúvida: é empoderamento ou empoleiramento?] com aquele “Não é não” tatuado no peito devem encher o Crivella de paz e esperança. É a mesma galera moderna e descolada que apoia a censura às marchinhas para proteger a cabeleira do Zezé e outras minorias cenográficas. Reacionários são os outros. Vão terminar todos num grande abraço moralista com os pastores eletrônicos.

Esse é hoje o maior bloco do mundo: os heróis reciclados da contracultura (meio século de mofo). Autoritários fantasiados de libertários é muito mais radical que homem vestido de mulher. E eles têm uma tara especial: fingir que vivem num mundo dominado por Crivellas e Bolsonaros, para pular em trincheiras imaginárias com seu kit-revolução de R$ 1,99. Só não é de dar pena porque o mercado está lucrando uma barbaridade com o teatrinho — e você é obrigado a consumir esse lixo no cinema, na TV, no museu, no bar da esquina e, para os menos afortunados, na cama. Para onde você correr tem um patrulheiro idiota com uma lição de vida solene.

Lição boa mesmo, testemunhada pelo mundo inteiro, foi a que Catherine Deneuve ofereceu a Meryl Streep — ensinando como se luta contra o assédio sem oportunismo fashion. Mas aí não tem graça. Se a ideia é justamente vestir um slogan e ficar bem na foto, o que essa francesinha tem que se meter onde não é chamada? Deixe a santa patrulha em paz, desfrutando o sagrado poder de destruir carreiras por um galanteio. Claro que isso não vai resolver o problema real — tabu não se derruba com tabu. Mas quem falou em resolver problema real? Eu, hein.

Se Hollywood não quer distinguir sedução de agressão, imagine o carnaval brasileiro. Mas eis que essa vanguarda walking dead colhe, enfim, a maldição das maldições.
Coroando esses anos dourados de picaretagem intelectual, afetação de bondade com fins lucrativos, defesa de militantes de aluguel (meu reino por um acampamento), complacência com assalto bilionário para forjar verniz de esquerda (eta, verniz caro), vista grossa a massacre de ditador amigo para não arranhar o tal verniz, apoio a transexual no vôlei feminino em detrimento da mulher (mexeu com todas, mexeu com nenhuma) e variações dessa diversidade de butique que invadiu até programas de humor (sistema de cotas?), a vanguarda retrô chega ao seu clímax no carnaval 2018: para a grande festa pagã, emoldurou a mulher com a palavra “não”. O prefeito pastor não faria melhor.

Catherine Deneuve diria que essa gente deve estar usando cinto de castidade mental. Se “não é não” fosse símbolo de afirmação feminina, “vem ni mim que eu sou facinha” (que é até nome de bloco) seria o quê? Desempoderamento? Vulgarização da mulher? Apologia ao assédio? Com esse senso de humor tão fino, vocês ainda vão transformar o carnaval num funeral igual ao do Globo de Ouro (risos... Obrigado, Danuza).

Vamos fazer melhor: vocês desfilam só para o irmão Crivella, deixando claro que beijo roubado é crime — diferentemente de dinheiro roubado, que vocês apoiam e até aplaudem o ladrão, como foi visto outro dia no Teatro Casa Grande. Aliás, os gastos multimilionários dos companheiros bandidos para se manter à solta poderiam ser estendidos ao empoderamento carnavalesco. Um Sepúlveda Pertence para cada foliã, e não se fala mais nisso.


Não é não, hipocrisia é hipocrisia, caretice é caretice. O que Leila Diniz diria disso tudo? Possivelmente lançaria mão do seu português castiço para mandar todos vocês à merda, com todo o respeito, seus chatos.
PS: A “musa” do hino malcriado do Bussunda não só entendeu a piada, como acabou se casando com ele. Mas isso foi muito tempo atrás...

Guilherme Fiuza é jornalista


sábado, 13 de janeiro de 2018

O Muro de Oprah

Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que suposto despertar feminista hollywoodiano é show autopromocional

Desta vez Meryl Streep não chorou. Na edição anterior do Globo de Ouro, suas lágrimas roubaram a cena para anunciar o fim do mundo com a derrota eleitoral da companheira Hillary. Os Estados Unidos tinham acabado de cair nas mãos da elite branca egoísta, e a atriz estava inconsolável diante do destino hediondo que colhera a maior democracia do planeta. Um ano depois, o emprego entre negros e hispânicos no país alcançou nível recorde. E o tema deixou de comover Meryl.

Ela e seus colegas preocupadíssimos em defender alguma vítima de alguma coisa mudaram de assunto no Globo de Ouro deste ano. Com a desoladora notícia de que os fracos e oprimidos tinham melhorado de vida no primeiro ano do governo assassino, a brigada salvacionista concentrou-se nos casos de assédio sexual. A convocação da estilista que organizou o protesto dos trajes pretos era uma fofura, tipo “não é uma boa hora para você bancar a pessoa errada e ficar fora dessa”.

Se uma intimação assim viesse do inimigo era assédio moral na certa.  Mas o show tem que continuar, e a butique ideológica foi um arraso. O stand up apocalíptico de Meryl Streep em 2017 deu lugar ao palanque apoteótico de Oprah Winfrey — aclamada, eleita e já empossada como a nova presidente dos Estados Unidos da América. Faltam apenas uns detalhes burocráticos, bobagens da vida real — que só existem para atrapalhar, como mostram os números do emprego. O ideal seria se Oprah pudesse culpar o agente laranja da Casa Branca pela marginalização dos negros, mas a realidade atrapalhou mais uma vez.

Aí ela gritou pela mulher. Coisa linda. Todo mundo chorando de novo, que nem no apocalipse da Meryl. Se Obama ganhou o Nobel da Paz antes de começar a governar, Oprah era capaz de levar o prêmio ainda no tapete vermelho. Aí vieram os estraga-prazeres lembrar a bonita sintonia da apresentadora com o dublê de produtor e predador Harvey Weinstein sem uma única palavra dela sobre os notórios métodos do selvagem de Hollywood. Ainda veio o cantor Seal, que também é negro, dizer que Oprah é “hipócrita” e “parte do problema”. Impressionante como essa gente não sabe assistir a um happy end em paz.

O governo Oprah deveria começar construindo um muro para os invejosos não secarem mais o Globo de Ouro. Quem viesse com comentários desagradáveis sobre esse impecável espetáculo demagógico seria sumariamente deportado. Não faz o menor sentido você ter um trabalhão montando a coleção outono-inverno do luto sexual para vir um bando de forasteiros rasgar a fantasia e deixar o heroísmo de ocasião inteiramente nu.

Como se não bastasse, aparece Catherine Deneuve para jogar a pá de cal no picadeiro. Mais uma invejosa. Sobe logo esse muro, presidenta Oprah. Catherine e suas colegas disseram, com jeitinho, que o suposto despertar feminista hollywoodiano é basicamente um show autopromocional e não ataca o problema real. Estaremos sonhando? Será que finalmente alguém relevante teve a bondade de dizer isso?  Não, não é sonho. E La Deneuve disse mais: essas estrelas falsamente engajadas trazem, na verdade, uma ameaça de retorno à “moral vitoriana”, escondida nessa “febre por enviar os porcos ao matadouro”, nas palavras do manifesto publicado no “Le Monde”. Ou seja: não há nada mais moralista e reacionário que o politicamente correto. Até que enfim.

Claro que a patrulha já caiu em cima, acusando as francesas de complacência com o machismo tirânico. Retocar os fatos, como se sabe, é a especialidade da casa. Abuso de poder para chantagem sexual precisa ser denunciado sempre — não só quando se acendem as luzes do teatrinho, companheira presidenta Oprah Winfrey e grande elenco enlutado. Mas montar uma caça às bruxas fingindo que sedução é agressão — e colecionando banimentos de grandes artistas como troféu é igualmente abominável. Tão feio quanto abandonar o tema da opressão aos negros quando o script do tapete vermelho é contrariado pela realidade.

Danuza Leão disse que o desfile dos vestidos pretos no Globo de Ouro parecia um velório. Já está sendo devidamente patrulhada, porque não se desmascara os retrógrados moderninhos impunemente (a patrulha não sabe com quem está se metendo). Aguinaldo Silva também anda sendo patrulhado por ser gay e não fazer proselitismo gay — veja a que ponto chegamos. É o ponto em que uns procuradores iluminados resolvem obrigar (repetindo: obrigar) o Santander a remontar a exposição da criança viada para fazer a selfie heróis da diversidade”. Perguntem a Catherine Deneuve se arbitrariedade promocional faz bem à liberdade sexual.
Chega de dar plateia a esses reacionários trans. Melhor deixá-los a sós discutindo se Anitta na laje é cachorra ou empoderada. [sempre surge uma dúvida: o correto é 'empoderada' ou 'empoleirada'? ou depende da feminista alvo da discussão?]

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Guilherme Fiuza - O Globo


sábado, 14 de janeiro de 2017

Triste final feliz

A economia americana engasgou com as prendas estatais do presidente bonzinho, e as urnas mandaram a conta

Donald Trump ainda não estreou, mas o pranto desesperado de Hollywood em memória de Barack Obama já é o Oscar de melhor comédia.  Não se sabe ao certo o que o agente laranja vai aprontar no poder. O que se sabe e se viu foram os lábios trêmulos e a voz embargada de Meryl Streep defendendo um governo marqueteiro, populista e medíocre. Cada um com a sua comoção.  Hollywood acredita em Robin Hood. Ou, mais precisamente: metade quer acreditar, e metade finge que acredita.

A Meca do cinema conhece o poder de uma lenda — tudo está bem se acaba bem (com bons personagens e muita emoção). Foi assim que alguns astros hollywoodianos ungiram Hugo Chávez e Nicolás Maduro como heróis dos pobres sul-americanos. O sangue derramado, a liberdade ceifada e a devastação econômica não entraram no filme. Não devem ter cabido no roteiro.  A lenda de Obama começa com um final feliz. Coisa de gênio, sem precedentes. No que pôs os pés na Casa Branca, o presidente foi agraciado com o Nobel da Paz — o primeiro Nobel pré-datado da história.

Quem haveria de contestar a escolha, diante do sorriso largo, da elegância e do alto astral do primeiro presidente negro dos EUA, exorcizando a carranca do Bush?  O problema de uma história que começa com final feliz é você ter que assistir ao resto de olhos fechados, para não estragar. Foi o que fez a claque mundial de Barack Obama nos oito anos que faltavam.
Os críticos dizem que foi um governo desastroso. Inocentes — não sabem o que é uma temporada com o Partido dos Trabalhadores.

O Partido Democrata fez um governo medíocre, recostado à sombra do mito. E para corresponder à mitologia, aumentou alegremente as taxações e a dívida pública (100%), porque é assim que faz um Robin Hood.  A diferença é que na vida real há uma floresta de burocratas no caminho, engordando com o dinheiro dos pobres. Uma Sherwood estatal.

Esse populismo perdulário, de verniz progressista, ancorado num líder identificado com os menos favorecidos receita conhecida dos brasileiros — costuma ser muito saudável para quem está no poder. O problema é o bolso do eleitor, que não se comove com presidente fanfarrão, canastrão ou chorão. As caras e bocas de Obama devem ter enchido os olhos de Meryl Streep — mas, quando esvaziam o bolso do contribuinte, não tem jeito. A economia americana engasgou com as prendas estatais do presidente bonzinho, e as urnas mandaram a conta.  Só que a lenda está a salvo disso tudo, e a claque não se entrega — como foi visto na histórica cerimônia do Globo de Ouro.

O transtorno da elite cultural americana é tal, que os bombardeios de Obama ficam parecendo chuva de pétalas — mesmo quando destroem um hospital. Um cara tão gente boa não pode ser um dos presidentes que mais agiram contra as investigações da imprensa no país — e claro que o megaesquema de espionagem do caso NSA foi sem querer. Barack é do bem.  Dizem que Donald Trump vai provocar uma guerra mundial. É o chilique com efeitos especiais. Mas se isso acontecer, se o planeta virar mesmo um cogumelo, a claque do Obama estará de parabéns. Graças a ela, aos patrulheiros das boas maneiras ideológicas, aos gigolôs da virtude, enfim, a toda essa gente legal que vive de industrializar a piedade, o bufão alaranjado emergiu. Ele é a resposta dos mortais à ditadura dos coitados.

Só um caminhão de demagogia sobre imigrantes, impondo o falso dilema da xenofobia, poderia transformar um muro em protagonista eleitoral na maior democracia do mundo.
Xenófobos são sempre retrógrados — a civilização foi feita de migrações. Mas imigrantes e refugiados ganharam passaporte diplomático no mundo da lua dos demagogos, onde sempre cabe mais um.  Demagogia atrai demagogia — em igual intensidade e sentido contrário. Aí veio o troco do agente laranja, e agora Meryl Streep está fingindo que a escolha dos americanos discrimina Hollywood. É de morrer de pena.

É duro ver artistas esplendorosos fazendo papel de tolos com cara de revolucionários. Resta aos fãs fazer como eles: fechar os olhos para não estragar a história. E resta ao mundo parar de mimar os coitados profissionais. Eles custam caro. Obama se despediu repetindo o “Yes, we can”. Não, companheiro. Não podemos mais viver de slogans espertos e governantes débeis.  A paz mundial não avançou um milímetro enquanto o Nobel pré-datado engatinhava em seu gabinete, entre outras gracinhas ensaiadas. A Faixa de Gaza e o Estado Islâmico não têm a menor sensibilidade para as atrações da Disney.  Obama disse que Lula era o cara. A Lava-Jato provou que era mesmo. Cada um com sua lenda. E você com a conta. Mas não fique aí parado. Faça como a Meryl: chore.

Fonte: Guilherme Fiuza, O Globo