Vera Magalhães
Supremo Tribunal Federal pisa no freio das polêmicas na reta final do ano
“Chega de temas traumáticos e conflituosos. Estamos correndo maratona em
ritmo de 100 metros, e isso não é bom.” A frase me foi dita nesta
terça-feira por um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele nega que a
pisada no freio na maratona de decisões controversas seja uma reação à
pressão popular contra a Corte, traduzida em manifestações de rua com
pautas como a defesa da prisão após condenação em segunda instância e o
impeachment de integrantes do tribunal. Mas o timing veio exatamente a
calhar.
A principal consequência prática da propensão do STF de refrear as
polêmicas deverá ser o recuo na ideia de que a Segunda Turma analise
ainda neste ano o pedido de suspeição do ex-juiz e hoje ministro Sérgio
Moro no julgamento de Lula no caso do triplex. [o recuo previsto, e conveniente ao STF está confirmado.]
Antes, a ideia de Gilmar Mendes era levar o habeas corpus de volta à
turma ainda neste mês. Agora, ministros do colegiado já dizem que o caso
não deve ser analisado neste ano.
No entendimento de observadores dos humores supremos, o fato de que a
decisão sobre prisão após condenação em segunda instância já levou à
soltura de Lula ajudou a arrefecer a pressão pelo julgamento da
suspeição de Moro. Assim, seria dar mais corda às manifestações nas ruas e nas redes
sociais contra a Corte pautar um HC que poderia levar à anulação da
sentença que condenou Lula – e que foi confirmada posteriormente por
dois colegiados, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e o Superior
Tribunal de Justiça.
“Seria muita ousadia até para o Supremo de hoje anular uma sentença
confirmada por tantos juízes, usando para isso evidências obtidas por
meio do cometimento de um crime”, observa um ministro do STF que não
integra a Segunda Turma. Significaria relativizar o escrutínio amplo dos
desembargadores do TRF-4 sobre as provas colhidas no processo em nome
de mensagens obtidas a partir do hackeamento dos procuradores que, ainda
que mostrem conversas impróprias entre eles e Moro, não trazem nenhuma
evidência de fraude processual ou existência de prova falsa ou forjada.
Assim, nesta quarta-feira o STF deve encerrar a temporada de julgamentos
espinhosos, de ampla repercussão política e em investigações criminais.
Nem os próprios ministros se arriscam a um palpite a respeito de que
tese vai prevalecer na análise do mérito de liminar do presidente da
Corte, Dias Toffoli, que sustou todas as investigações do País que
tenham tido origem em relatórios de inteligência do antigo Coaf e da
Receita Federal. Conversas com ministros de diversas vertentes permitem esperar que
alguma restrição ao compartilhamento de dados da Unidade de Inteligência
Financeira deve ser imposta, mas provavelmente não se exigirá
autorização judicial para todos os casos, nem para que todos os órgãos
tenham acesso.
Mesmo muitos ministros que concordam com alguma forma de regulamentação
discordam da extensão da liminar de Toffoli, que paralisou todas as
investigações do País decorrentes de relatórios do Coaf e da Receita –
sendo que, no caso desta última, o próprio Supremo já julgou Adin que
reconheceu uma lei complementar do governo FHC que regulamentou a
atuação do órgão. Portanto, a liminar tal qual a conhecemos – e que teve como beneficiário
direto o senador Flávio Bolsonaro, autor do pedido de paralisar o
inquérito de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, – pode cair e dar lugar a
alguma decisão de caráter geral e menos draconiana. Se de fato tirar o pé do acelerador depois do caso Coaf, o STF tentará
aplicar nos estertores de 2019 aquilo que Toffoli prometeu em sua posse:
que o Supremo pare de ser o protagonista da vida política do País. Até
aqui, foi rigorosamente o oposto.
Vera Magalhães, colunista - O Estado de S. Paulo