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domingo, 15 de novembro de 2020

Réquiem para Hong Kong – O Estado de S. Paulo

Opinião

Não há mais uma única voz pró-democracia no Parlamento de Hong Kong atualmente.

[cabe perguntar aos honcongueses,  se querem ir para a República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte)?  lá terão democracia até no nome oficial do país.]

A democracia de Hong Kong foi executada em junho deste ano quando o Partido Comunista Chinês, aproveitando-se da distração mundial causada pela pandemia, aprovou uma lei de segurança nacional draconiana que eliminou o sistema “um país, dois sistemas”. Agora, Pequim trabalha para sepultar o cadáver e apagar a sua memória. O estrangulamento foi rápido, mesmo para os padrões chineses. Há muito tempo a possibilidade de uma maioria democrática no Conselho Legislativo, o Parlamento de Hong Kong, já fora eliminada pelo Partido Comunista: das suas 70 cadeiras, só metade é eleita diretamente e as restantes são distribuídas a representantes corporativos pelos próceres de Pequim no governo local.

Em julho, logo após a lei de segurança entrar em vigor, o governo pró-Pequim cassou o direito de 12 políticos, incluindo 4 parlamentares, de se elegerem. Em seguida, a pretexto da pandemia, as eleições que deveriam ocorrer em setembro foram adiadas para o ano que vem. Neste mês, oito líderes da oposição, incluindo cinco parlamentares, foram presos. Alguns dias depois, o Congresso comunista em Pequim autorizou as autoridades locais a depor quaisquer parlamentares “não patriotas”. Ato contínuo, os mandatos de quatro legisladores foram cassados sem maiores justificativas. Os últimos 15 parlamentares da oposição – 2 já haviam renunciado quando do adiamento das eleições – abdicaram em protesto. Hoje, não há mais uma única voz pró-democracia no Parlamento de Hong Kong.

Poder-se-ia esperar que as forças de oposição fossem às ruas, como no ano passado. Mas as restrições relacionadas ao coronavírus e, mais ainda, o aparato de repressão chinês devem mantê-las confinadas. Desde a nova lei, vozes dissidentes na academia foram forçadas a se demitir, jornalistas foram detidos e a imprensa local pró-Pequim está acossando os juízes considerados lenientes com manifestantes democratas, enquanto o Partido Comunista manipula as engrenagens para gradualmente, mas inexoravelmente, pulverizar a divisão de poderes em Hong Kong. A autonomia da cidade, que fora pactuada com o Reino Unido em 1997 para durar até 2047, na prática acabou em 2020.

O governo britânico abriu um caminho para conferir a cidadania a 3 milhões de honcongueses. Os Estados Unidos aprovaram em 2017 um decreto que permite sanções a funcionários chineses envolvidos em abusos em Hong Kong e em outros locais – como a província de Xinjiang, onde milhões de muçulmanos chineses são brutalmente perseguidos – e deve aplicá-las agora. Um outro decreto legislativo norte-americano permite revogar o status comercial especial concedido a Hong Kong caso a China elimine a sua autonomia. Há indícios de que Joe Biden pretende endurecer essas sanções, embora, em atenção ao povo de Hong Kong, isso deva ser feito gradualmente. [se o esquerdista, rejeitado até por sua vice,  se tornar presidente dos EUA logo irá perceber que suas sanções só prejudicam o marisco.] 

Tudo isso servirá de munição para a guerra comercial dos EUA contra a China, que traz em seu seio o embrião de uma guerra fria. Nesse mesmo momento a China endurece domesticamente a sua autocracia; intensifica as hostilidades militares contra Taiwan ou em territórios sob disputa no Mar do Sul e nas fronteiras com países como a Índia; boicota países críticos ao regime, como a Austrália; e se movimenta para reorganizar a ordem multilateral global. É importante, portanto, que as democracias liberais se mobilizem para responsabilizá-la moralmente pela quebra de seus compromissos. Mas essa mobilização, por mais importante que seja em vista de futuros abusos, não será capaz de reverter a morte da democracia em Hong Kong.

Há apenas um ano o cenário parecia bem diferente. As ruas foram tomadas por manifestantes e a oposição conseguira ganhos sem precedentes no Parlamento. As expectativas para as eleições de 2020 eram ainda maiores. Mas, emblematicamente, elas não ocorreram. As eleições que ocorrerão em 2021 serão inúteis. Hoje, está claro que o que prometia ser a primavera da democracia em Hong Kong era antes o estertor de um outono – apenas véspera de um inverno que não terá mais fim.

Opinião - O Estado de S. Paulo


 

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Chega de treta? - O Estado de S.Paulo

Vera Magalhães

Supremo Tribunal Federal pisa no freio das polêmicas na reta final do ano

“Chega de temas traumáticos e conflituosos. Estamos correndo maratona em ritmo de 100 metros, e isso não é bom.” A frase me foi dita nesta terça-feira por um ministro do Supremo Tribunal Federal. Ele nega que a pisada no freio na maratona de decisões controversas seja uma reação à pressão popular contra a Corte, traduzida em manifestações de rua com pautas como a defesa da prisão após condenação em segunda instância e o impeachment de integrantes do tribunal. Mas o timing veio exatamente a calhar.

A principal consequência prática da propensão do STF de refrear as polêmicas deverá ser o recuo na ideia de que a Segunda Turma analise ainda neste ano o pedido de suspeição do ex-juiz e hoje ministro Sérgio Moro no julgamento de Lula no caso do triplex. [o recuo previsto, e conveniente ao STF está confirmado.]
Antes, a ideia de Gilmar Mendes era levar o habeas corpus de volta à turma ainda neste mês. Agora, ministros do colegiado já dizem que o caso não deve ser analisado neste ano.

No entendimento de observadores dos humores supremos, o fato de que a decisão sobre prisão após condenação em segunda instância já levou à soltura de Lula ajudou a arrefecer a pressão pelo julgamento da suspeição de Moro. Assim, seria dar mais corda às manifestações nas ruas e nas redes sociais contra a Corte pautar um HC que poderia levar à anulação da sentença que condenou Lula – e que foi confirmada posteriormente por dois colegiados, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região e o Superior Tribunal de Justiça.

“Seria muita ousadia até para o Supremo de hoje anular uma sentença confirmada por tantos juízes, usando para isso evidências obtidas por meio do cometimento de um crime”, observa um ministro do STF que não integra a Segunda Turma. Significaria relativizar o escrutínio amplo dos desembargadores do TRF-4 sobre as provas colhidas no processo em nome de mensagens obtidas a partir do hackeamento dos procuradores que, ainda que mostrem conversas impróprias entre eles e Moro, não trazem nenhuma evidência de fraude processual ou existência de prova falsa ou forjada.

Assim, nesta quarta-feira o STF deve encerrar a temporada de julgamentos espinhosos, de ampla repercussão política e em investigações criminais. Nem os próprios ministros se arriscam a um palpite a respeito de que tese vai prevalecer na análise do mérito de liminar do presidente da Corte, Dias Toffoli, que sustou todas as investigações do País que tenham tido origem em relatórios de inteligência do antigo Coaf e da Receita Federal. Conversas com ministros de diversas vertentes permitem esperar que alguma restrição ao compartilhamento de dados da Unidade de Inteligência Financeira deve ser imposta, mas provavelmente não se exigirá autorização judicial para todos os casos, nem para que todos os órgãos tenham acesso.

Mesmo muitos ministros que concordam com alguma forma de regulamentação discordam da extensão da liminar de Toffoli, que paralisou todas as investigações do País decorrentes de relatórios do Coaf e da Receita – sendo que, no caso desta última, o próprio Supremo já julgou Adin que reconheceu uma lei complementar do governo FHC que regulamentou a atuação do órgão. Portanto, a liminar tal qual a conhecemos – e que teve como beneficiário direto o senador Flávio Bolsonaro, autor do pedido de paralisar o inquérito de seu ex-assessor Fabrício Queiroz, – pode cair e dar lugar a alguma decisão de caráter geral e menos draconiana. Se de fato tirar o pé do acelerador depois do caso Coaf, o STF tentará aplicar nos estertores de 2019 aquilo que Toffoli prometeu em sua posse: que o Supremo pare de ser o protagonista da vida política do País. Até aqui, foi rigorosamente o oposto.
 
Vera Magalhães, colunista - O Estado de S. Paulo
 
 

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Melhor a reforma do que o colapso

Considerando que no mundo todo, até na Grécia, a idade mínima já é de 65 anos, não se pode dizer que a regra brasileira é dura

A crise da Grécia estourou em 2009. Causas conhecidas: farra geral com o dinheiro público, gastos reais com o funcionalismo dobrando em menos de dez anos, aposentadorias entre as mais generosas e precoces da Europa, serviços públicos precários e economia travada por várias restrições ao investimento privado, incluindo uma legislação trabalhista que encarecia excessivamente o custo de produção. Com uma agravante: descobriu-se naquele ano que os governos gregos há anos maquiavam e escondiam os números das contas públicas.

Em resumo: durante os anos de bonança global do início dos anos 2000, a Grécia recebeu forte ajuda econômica da União Europeia, contou com notável expansão do turismo, tudo resultando em algum crescimento e ganhos de arrecadação. Quando veio a crise global, a casa caiu. Os gregos estavam gastando um dinheiro que, de fato, não tinham. Quando as receitas privadas e públicas desabaram, o buraco apareceu.

A dívida verdadeira passava dos 100% do PIB e, ao final de 2009, estava claro que o governo não conseguiria pagar seus compromissos com instituições internacionais e bancos, locais e estrangeiros. Única saída: apelar para a União Europeia e FMI. Seguiu-se um período tumultuado, pois os pacotes de ajuda exigiam as tradicionais medidas de ajuste das contas públicas — corte de gastos, reforma da Previdência, privatizações, corte de salários e benefícios do funcionalismo — todas dependendo de aprovação no Parlamento.

Foi assim: governos acertavam acordos com a UE e FMI, que não passavam no Parlamento. Caía o primeiro-ministro, nova formação de governo e assim foi. Sem programa e acabando o dinheiro, o ajuste começou a ser feito da pior maneira: atrasos e até suspensão de aposentadorias e salários, colapso de serviços públicos e, finalmente, fechamento dos bancos, permitindo-se apenas pequenos saques nos caixas automáticos.

Para encurtar a história: nessa confusão toda, a esquerda chegou ao governo, com o primeiro-ministro Alex Tsipras fazendo campanha contra os pacotes, contra a UE, o FMI, os bancos, capitalismo, o diabo.  Para fazer o quê? A única coisa que restava para evitar o caos: assinou acordos com os credores em troca de pacotes de ajuste. Claro que a implementação foi difícil, acordos foram descumpridos e renegociados, mas a coisa andou.
Fizeram algumas privatizações, aplicaram sucessivos cortes de salários do funcionalismo, eliminaram várias vantagens. E sucessivas reformas da Previdência, cortando benefícios, elevando tempo de contribuição e a idade mínima para 65 anos, claro.


A situação se estabilizou, mas o problema não terminou. Ainda agora, o governo grego está negociando novos empréstimos — em troca de novos ajustes.  Por exemplo: UE e FMI querem que o governo economize com aposentadorias e pensões um valor equivalente a 1% do PIB ao ano. No Brasil, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo previa a economia de R$ 800 bilhões em dez anos, ou 80 bi/ano, em valores constantes. O PIB brasileiro foi de R$ 6,3 trilhões no ano passado, e 1% disso daria R$ 63 bilhões.

Portanto, a proposta original do ministro Henrique Meirelles previa economia maior do que a exigida dos gregos hoje. Mas não se pode esquecer que os gregos estão já na quarta reforma. Além disso, o relator da proposta, deputado Arthur Maia, “amenizou” o projeto. Assim, a economia prevista no texto que começou a ser debatido ontem na Câmara caiu para R$ 480 bilhões ou R$ 48 bilhões/ano, ou 0,75% do PIB do ano passado. Portanto, um esforço menor do que o negociado na quarta reforma grega.

Tudo isso para dizer três coisas. A primeira: o déficit nas contas públicas pode ser escondido, amenizado com aumentos de impostos e dinheiro tomado emprestado — como se fez no Brasil — mas um dia o desastre aparece na forma de uma dívida insustentável. Desastre é o governo deixar de pagar contas, salários e aposentarias.  A segunda coisa: a reforma previdenciária em debate aqui não é draconiana, nem excessivamente dura. Por exemplo: fixa a idade mínima de aposentadoria em 65 anos para homens, mas com as regras de transição partindo de 55 anos e essa idade mínima aumentando um ano a cada dois anos, só se converge para os 65 anos em 2038 (e 2036 para 62 anos das mulheres).

Considerando que no mundo todo, até na Grécia, a idade mínima já é de 65 anos, não se pode dizer que a regra brasileira é dura.  E isso ocorre porque a situação das contas públicas se deteriorou muito mas ainda não chegou à beira do colapso ou do calote. Assim, é possível fazer uma reforma mais arrumada. Isso feito, o país dá o sinal de que está no rumo do ajuste. Sem a reforma, sem esse sinal, a hipótese do colapso torna-se dominante e as consequências danosas aparecem antes.


O que nos leva à terceira coisa a dizer: amenizar” a reforma hoje significa contratar uma nova reforma em alguns anos.


Fonte: O Globo - Carlos Alberto Sardenberg, jornalista