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quarta-feira, 3 de março de 2021

Curva de aprendizagem na Câmara. E como funcionam as coisas por aqui - Alon Feuerwerker

Análise Política

E o novo comando da Câmara dos Deputados vai percorrendo sua curva de aprendizagem. Ela tem um formato de leves semelhanças com os trechos inicial e intermediário da curva epidemiológica, agora popularizada pela Covid-19. De início, a proficiência acelera-se, depois desacelera e em seguida caminha para a estabilização. No caso específico da política brasileira, a estabilidade pode resultar em situações de equilíbrio estagnado ou de produção consensual. Vamos esperar para ver que bicho dá.

Na eleição para a mesa da Câmara, os vitoriosos perceberam que têm votos ali para impor derrotas eleitorais internas às correntes hegemônicas da opinião pública – ou publicada (copiei do Roberto Campos). Já nas votações do caso Daniel Silveira, até o momento, pôde-se notar um Legislativo independente apenas até o limite em que ouse um avanço decisivo contra a influência do eixo hegemônico construído ao longo dos últimos quase oito anos
Desde as “jornadas de junho” de 2013, e consolidado com a Operação Lava-Jato e a captura da política pelo Judiciário. [o Legislativo perdeu uma chance única de mudar a regra do jogo, no relacionamento Poder Judiciário x Poder Legislativo e até com o Executivo.
Atualmente o Poder Judiciário, especialmente o STF, em decisões quase sempre monocráticas,  decide sobre qualquer tema, ainda que não seja inerente as funções judiciárias e quando considera a improvável hipótese de encontrar  alguma resistência dos outros poderes - estilo, será que vão aceitar? - opta por pagar para ver e sua vontade prevalece. 
Ao tempo que impõe sua autocracia, contém o Poder Legislativo e as vezes o Executivo, tornando regra que qualquer dos dois poderes quando confrontados com a pergunta 'e se o Supremo não concordar?' procuram,  sem entrar no mérito da questão,  por uma solução que pode não ser a melhor, mas que não desagrade ao Supremo.
Tivesse o Poder Legislativo, via plenário da Câmara, decidido por usar a prerrogativa  de libertar o deputado  Daniel Silveira, os ministros do Supremo, especialmente, quando tentados a proferir uma decisão monocrática e arbitrária, perguntariam: ' e caso não aceitem, o que faremos?.] 

Os deputados até tentaram uma manobra inteligente, na teoria. Aprovaram por larga margem a prisão de Silveira (PSL-RJ). Com a condição de, em seguida, avançar a regulamentação da imunidade parlamentar. Vamos ver como caminha na comissão especial, foi a válvula de escape encontrada quando faltaram votos em plenário (mesmo no virtual) para aprovar qualquer coisa com significado prático. Mas, na semana que termina, os deputados e deputadas não resistiram a 72 horas do noticiário negativo que introduziu um “p” em “imunidade”.

Ou seja, neste início de 2021, a política mostra ter energia suficiente para definir suas relações internas e criar alguns constrangimentos para os ainda musculosos adversários. Mas não anda tão forte assim para poder traçar seus próprios caminhos, também porque sempre surge algum tipo de divisão interna. Como agora, quando o PT, na vigília à espera do juízo da Segunda Turma sobre as condenações impostas a Luiz Inácio Lula da Silva, revela-se um repentino defensor do Supremo Tribunal Federal na arenga em torno da imunidade parlamentar.

Desse relativo equilíbrio na correlação de forças nasce um certo empate. Que se expressa, por exemplo, na dura resistência dos senadores a desvincular recursos orçamentários como compensação a estender o auxílio emergencial.  Tem lógica. Por que o parlamento vai ficar contra o senso comum popular se na hora "h" os operadores da opinião pública acabam apoiando toda e qualquer violência contra o Legislativo? Não seria esperto.

Donde se conclui que as prometidas reformas administrativa e tributária, para não empacar, vão precisar atender a requisitos capazes de produzir consensos legislativos, que necessariamente implicarão lipoaspirações. Até onde as propostas originais vão se enfraquecer? É a pergunta no ar.

A discussão da reforma administrativa  talvez seja menos complicada, porque os efeitos práticos dela só serão sentidos muito lá na frente. E sua votação oferecerá a tradicional photo-op para deputados e senadores aparecerem nas imagens celebratórias. Já a tributária é um enrosco maior, pela vigência quase imediata. Então, ou parte-se para uma versão simplificada, e simplificadora, ou também se jogam os efeitos dela para um futuro distante. A primeira opção é a mais viável. Mas, como sempre, será prudente aguardar.

E tem aquele outro detalhe. Estamos em plena segunda onda feroz da Covid-19, que leva jeito de querer consumir boa parte do que resta do semestre. Quando se abrir a segunda metade do ano, acelerar-se-á o processo eleitoral para 2022, inclusive porque eventuais mudanças nas regras precisarão ser aprovadas até outubro. 
E os candidatos a candidato já estão aquecendo na pista. 
Roncando os motores e queimando a borracha no asfalto.
É como funcionam as coisas por aqui.
 
Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político