Vozes - Gazeta do Povo
Horas antes da invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal
Federal (STF), o secretário de segurança em exercício do Distrito
Federal, Fernando de Sousa Oliveira, tranquilizou o governador Ibaneis
Rocha (MDB) sobre a multidão que se aproximava da Praça dos Três
Poderes.
Prédios em Brasília foram invadidos e depredados.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Toda aquela movimentação em torno do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), supostamente pela democracia, resultou no contrário: ao invés de fortalecer as instituições, existe uma percepção de que as instituições não respeitam o Estado de Direito.
Os exemplos vêm de cima e muitos cidadãos parecem seguir o mesmo caminho.
Em 1º de janeiro de 2023, ele fez dois decretos para instituir mecanismos para o governo perseguir opositores.
O Decreto 11.328, que reestrutura a Advocacia-Geral da União (AGU) e institui uma procuradoria para enfrentar a “desinformação” sobre políticas públicas; e o Decreto 11.362, que criou a Secretaria de Políticas Digitais para “combater a desinformação” nas redes sociais dentro da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom). Ou seja: o governo Lula será responsável por definir o que é e o que não é desinformação. Além disso, poderá usar isso para perseguir quem critica o governo e quem faz oposição.
Ninguém pode violar o Estado de Direito. Nenhum grupo, partido ou pessoa pode ter salvo conduto para invadir, depredar e violar o direito de terceiros.
A
Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, criada no Decreto 11.328,
ficou responsável por, entre outras atribuições,
“representar a União, judicial e extrajudicialmente, em demandas e procedimentos para resposta e enfrentamento à desinformação sobre políticas públicas” e
“promover articulação interinstitucional para compartilhamento de informações, formulação, aperfeiçoamento e ação integrada para a sua atuação”. O problema é qual será o critério do governo para definir o que é “desinformação sobre políticas públicas”?
Será que dizer que a Previdência Social não é deficitária, como alegou o ministro Carlos Lupi, pode ser enquadrada como desinformação?
Quando um jornal descobrir uma obra superfaturada ou esquema de corrupção, será que ele seria enquadrado como disseminador de desinformação, já que seria uma informação desagradável para os políticos?
E se um economista fizesse uma análise sobre a política fiscal do governo e mostrasse suas consequências catastróficas, será que seria censurado por “desinformar” diferente do que Lula gostaria?
É um caminho extremamente perigoso contra a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de analisar o que os políticos fazem e a liberdade de fazer oposição ao governo. Na prática, qualquer informação que desagrade os políticos poderia ser falsamente enquadrada como “desinformação” e “fake news”.
Já a Secretaria de Políticas Digitais da Secom terá dois braços, o Departamento de Promoção da Liberdade de Expressão e o Departamento de Direitos na Rede e Educação Midiática. Entre outras atribuições, o primeiro departamento será responsável por “propor e articular políticas públicas para promoção da liberdade de expressão, do acesso à informação e de enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, em articulação com o Ministério da Justiça e Segurança Pública”. Mais uma vez, o perigo mora na definição do que é desinformação e discurso de ódio. Historicamente, a esquerda rotulou o impeachment de Dilma Rousseff de golpe e Jair Bolsonaro de fascista. Isso seria enquadrado como desinformação?
Se o governo Lula tem tomado as restrições da liberdade de expressão como prioridade, por outro lado, o bem da população está longe de ser priorizado além do discurso.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há definição para “desinformação”. Sendo assim, essas análises ficarão sob responsabilidade de políticos e servidores que possuem seus próprios interesses. E o novo advogado-geral da União, Jorge Messias, já deu seu ultimato: “Ataques a autoridades que presenciamos nos últimos anos não serão mais tolerados”, disse. Será que o governo Lula vai defender o povo contra a desinformação ou a si e seus aliados das críticas do povo?
Se o governo Lula tem tomado as restrições da liberdade de expressão como prioridade, por outro lado, o bem da população está longe de ser priorizado além do discurso. Seu governo já prometeu acabar com as privatizações e avanços do Marco do Saneamento e extinguiu a Secretaria de Alfabetização, (Sealf), ambos criados no governo de Jair Bolsonaro.
O Marco Legal do Saneamento foi feito para, com a ajuda da iniciativa privada, levar acesso à água potável para 99% da população e de coleta e tratamento de esgoto para 90% até 2033.
Até abril do ano passado, ele atingiu R$ 72,2 bilhões de investimentos para atingir esse propósito.
Mas o PT escolheu voltar às políticas medievais que deixaram mais de 100 milhões de brasileiros sem tratamento de esgoto.
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A Política Nacional de Alfabetização (PNA) da Sealf chegou a ser reconhecida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). No programa Tempo de Aprender, por exemplo, uma criança do 2º ano do fundamental de uma escola vulnerável tem 22% a mais de chance de ser leitora iniciante ou fluente em comparação com uma criança que não participou do projeto. Por outro lado, em 2017, quase 14 anos depois da dinastia petista na Presidência, 33% das crianças do 5º ano apresentavam péssimos resultados em leitura.
Além disso, o novo ministro da Justiça e ex-governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), já deixou claro que deseja cooperar com as ações do Supremo Tribunal Federal (STF) contra manifestantes críticos ao governo Lula. Ele também deixou a Polícia Federal (PF) à disposição do STF para investigar eventuais críticas aos ministros. Isso tudo seria correto se todos os manifestantes fossem violentos e cometessem atos criminosos, como os que ocorreram no último domingo (8) em Brasília, o que não é o caso. Além disso, quando o assunto são críticas a ministros do STF, cabe lembrar que, em setembro de 2021, um homem foi preso na frente de um clube de um bairro nobre na Zona Oeste de São Paulo por xingar um dos ministros do Supremo, sendo que o magistrado sequer estava presente para se ofender com os insultos.
Violência se combate com a lei, não com novos abusos e violações. Ao combater eventual violência tomando medidas sem respaldo legal, o tiro pode sair pela culatra.
Não há dúvidas de que toda e qualquer invasão e depredação de patrimônio deve ser punida.
Aliás, a esquerda, historicamente, sempre apoiou invasões e depredações. Agora, parece que mudou de opinião.
Ora, se o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) pode, qual exemplo vamos dar para a população?
Mas o ponto que precisa ficar claro é que as violações ao Estado de Direito devem ser combatidas dentro do Estado de Direito.
Nada justifica inovações no ordenamento jurídico, medidas desproporcionais ou determinações que não possuem respaldo legal.
O ministro Alexandre de Moraes ordenou, em 12 de dezembro, uma superquebra de sigilo contra oito apoiadores de Bolsonaro, de dados telefônicos e telemáticos de aparelhos celulares (que incluem e-mails e aplicativos de mensagens como o WhatsApp). Mas não para aí.
Moraes também ordenou a quebra de sigilo de dados de todas as pessoas que entraram em contato com esses oito investigados, tornando o número de pessoas-alvo indefinido. Difícil não comparar tamanho autoritarismo com o “Grande Irmão” do livro 1984.
E as ameaças contra a liberdade de expressão não se limitam ao Executivo e ao Judiciário.
O Ministério da Verdade que Lula está criando também pode contar com o Legislativo.
Em novembro do ano passado, por exemplo, o senador Renan Calheiros (MDB), apresentou o “pacotão da democracia”, que tem uma série de penalidades contra aqueles que supostamente ameaçam a democracia. Quem fosse enquadrado por “ameaça política”, por exemplo, tomaria prisão de 6 meses a 2 anos ou mais.
Por “intolerância política no ensino”, por exemplo, a prisão seria de 1 a 3 anos e multa.
Ao mesmo tempo, o combate às invasões e depredações precisa valer para todos. Ninguém está acima da lei.
Ninguém pode violar o Estado de Direito.
Nenhum grupo, partido ou pessoa pode ter salvo conduto para invadir, depredar e violar o direito de terceiros.
Mas a percepção de impunidade no Brasil é generalizada. Por corrupção ao tráfico de drogas, invasões e depredações, parece que ninguém fica preso no Brasil. Isso corrói a credibilidade das instituições e gera um sentimento errado de que a Justiça precisa ser feita pelas próprias mãos. Precisamos restaurar o Estado de Direito e o império da lei.
É importante o governo ter mecanismos legais para garantir o Estado de Direito e o império da lei, mas isso deve valer para todos.
Não podem existir conceitos vagos, interpretações discricionárias nem medidas sem respaldo legal.
Violência se combate com a lei, não com novos abusos e violações.
Ao combater eventual violência tomando medidas sem respaldo legal, o tiro pode sair pela culatra.
Paulo Uebel, colunista - Gazeta do Povo - VOZES