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segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Em discurso, presidente da Funarte exalta "fé no senhor Jesus" - O Globo

EXTREMISMO NA CULTURA

Bernardo Mello Franco

[O Estado é laico; 
mas,nada impede que uma autoridade em um discurso demonstre sua fé.
Ou apenas os aztistas podem pregar seu ateísmo vazio?
Cogitei de usar o termos autista, mas,iria ofender aos que são autistas por doença e não por incompetência.]


Reprodução


Os delírios do maestro
Numa fauna repleta de lunáticos e teóricos da conspiração, Dante Mantovani tem conseguido se destacar pelo exotismo. Não é pouca coisa. Antes de pousar no governo Bolsonaro, o novo presidente da Funarte fez questão de registrar seus delírios em vídeo. Num deles, associou o rock ao satanismo e ao aborto.
“O rock ativa a droga, que ativa o sexo, que ativa a indústria do aborto. A indústria do aborto, por sua vez, alimenta uma coisa muito mais pesada, que é o satanismo. O próprio John Lennon disse abertamente, mais de uma vez, que ele fez um pacto com o diabo”, divagou.
[cabem dois reparos às manifestações do maestro:
- se equivocou quando disse que a Terra é plana;
- esqueceu de incluir nas doutrinas satânicas o funk.]

Em outra gravação, o maestro disse que agentes soviéticos infiltrados na CIA distribuíram ácido para os hippies em Woodstock. Num terceiro vídeo, ele garantiu que a Terra é plana. Devia ser convocado para uma acareação com o ministro da Ciência e Tecnologia, que já foi ao espaço e viu o planeta de cima.  Até outro dia, as parvoíces de Mantovani eram problema dele e de quem o seguia na internet. Agora viraram problema do país, porque o olavista vai comandar políticas públicas e pilotar um orçamento de R$ 123 milhões anuais.

O maestro fez seu primeiro discurso na quinta-feira, em solenidade no Paço Imperial. Quem passou por lá relatou um clima de constrangimento e incredulidade.
“Estou responsável pela arte no governo federal”, começou Mantovani. Em tom pastoral, ele disse que o Brasil foi “abençoado por Deus desde o princípio”. Depois informou que o país teria sido “civilizado”, e não colonizado por Portugal.
“Devemos a nossa cultura, sim, a Portugal. E Portugal saiu para desbravar os mares, para levar a fé no nosso senhor Jesus Cristo. Precisamos lembrar que nós vivemos num país que tem origem cristã”, emendou.
No fim do discurso, o maestro disse que sua gestão ajudará a “elevar a moral e a autoestima, de modo que o nosso povo alcance voos cada vez maiores” (sic). 

Pareceu se referir à autoestima do povo, não à dele próprio. Criada em 1975, a Funarte chegou a ser extinta no início do governo Collor, em outro momento de perseguição às artes e à cultura. Agora se vê rebaixada à condição de playground de extremistas.Os desvarios de Mantovani preocupam servidores e ex-dirigentes do órgão. “O pessoal está bastante assustado”, conta o ator Stepan Nercessian, que presidiu a Funarte durante o governo Temer. “Aquilo pode virar uma coisa de louco. Vão ter que montar um departamento de efeitos especiais lá dentro”, ironiza.

O maestro terraplanista integra um time da pesada. Nos últimos dias, o governo entregou a Biblioteca Nacional, a Secretaria do Audiovisual e a Fundação Palmares a outros bolsonaristas de carteirinha. Todos recrutados pelo teatrólogo Roberto Alvim, que anunciou o plano de montar uma “máquina de guerra cultural” com verbas públicas. Na primeira chance, ele tentou contratar a mulher sem licitação.
“O problema não é ser reacionário. É uma questão de lucidez mesmo”, diz Nercessian sobre os novos gestores. “É uma coisa inacreditável. Não sabia que o ódio que eles sentem pelos artistas era tão grande”.

Bernardo Mello Franco, jornalista - O Globo