O número de servidores na ativa encolheu bem mais por causa do
recorde
no número de aposentadorias às vésperas da reforma da Previdência,
promulgada no mês passado. Só nos primeiros dez meses do ano, foram
33.848. Assim, o saldo entre entradas e saídas de funcionários no
Executivo federal está negativo em cerca de 24 mil trabalhadores este
ano.
Em dezembro de 2018, havia 630 mil. A estimativa do governo é que o
quadro de
servidores ativos feche o ano em no máximo 613 mil com o menor
ritmo de convocação de concursados de seleções já realizadas ainda
válidas. Os dados compilados pelo
GLOBO revelam o resultado da
política de
enxugamento do serviço público capitaneada pelo ministro da Economia,
Paulo Guedes. Para especialistas, a baixa reposição é importante para
racionalizar gastos com pessoal. Entidades ligadas aos servidores
alertam, no entanto, para o risco de comprometimento dos serviços
prestados à população.
Em 2018, a União nomeou 13.360 novos servidores. Para alcançar esse
patamar este ano, precisaria contratar mais de 3.500 funcionários até
dezembro. Isso significaria quase dobrar o volume mensal de ingressos
registrado até agora. Não é o que o governo pretende.
Segundo o secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da
Economia, Wagner Lenhart,
o plano é apostar em digitalização de
serviços, remanejamentos, reformulação de carreiras e terceirização, com
a contratação de mais funcionários temporários, para conter o peso da
folha nas contas públicas:
— É um trabalho de ganho de eficiência e produtividade, uma mudança de
perfil de profissional e também, como é de conhecimento de todos,
consequência de uma restrição orçamentária que faz com que a gente tenha
um cuidado ainda maior na hora de fazer contratações ou nomeações.
Queda de 50% até 2030
O freio na contratação é uma das ações recomendadas por especialistas
para reequilibrar o Orçamento. Há duas semanas, a Instituição Fiscal
Independente (IFI), ligada ao Senado, projetou que o governo pode
reduzir pela metade o total de servidores ativos, para 383 mil, se não
repuser nenhum aposentado até 2030.
O órgão que mais perdeu gente em 2019 foi o INSS, que concede
aposentadorias e outros benefícios a trabalhadores do setor privado. Até
a última quinta-feira, 6.006 funcionários do órgão haviam se aposentado
e só três haviam sido contratados. As saídas no instituto respondem por
quase 20% de todas as baixas no funcionalismo federal neste ano. Com a
debandada, o quadro de servidores na autarquia caiu de 29 mil para 23
mil.
Para evitar um apagão, o INSS recorreu à digitalização de serviços e
remanejamento de pessoal dentro do próprio órgão. Hoje, dos 96 serviços
prestados pelo órgão, 90 podem ser feitos pela internet ou pelo
telefone.O número de funcionários dedicados apenas aos processos de pedido de
benefício saltou de 2.751 para 6.686, mesmo com a redução no quadro
geral.
Isso foi possível com a redução do pessoal em áreas menos essenciais,
como a administrativa. Não faltam queixas dos usuários, mas Renato
Vieira, presidente do INSS, diz que essa transformação está aumentando a
produtividade do órgão. Em outubro, foram decididos 977 mil pedidos de benefício, 49% a mais que os 655 mil processados em janeiro.
— Ninguém pode imaginar que, com menos servidores, a qualidade do
serviço permaneça igual se nenhuma medida for tomada — diz Vieira.
Sindicatos criticam
A falta de contratações em outras áreas preocupa
sindicatos ligados ao
funcionalismo federal. Segundo Kléber Cabral, presidente do Sindifisco,
que representa auditores da Receita Federal, o último concurso público
para o órgão foi realizado em 2014.
— Em 2007, éramos 12 mil auditores fiscais. Hoje, pouco mais de 8 mil. A
Receita está fechando unidades, delegacias e agências, não apenas por
questões de restrição orçamentária, mas também por falta de pessoal. A
galinha dos ovos de ouro vai acabar morrendo de fome — critica.
Maurício Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais
Federais Agropecuários (Anffa), reclama da dificuldade de convocação dos
concursados aprovados em 2017.
A seleção habilitou 547 candidatos, dos
quais 247 foram para um cadastro de reservas. No último dia 21 de
novembro, o Ministério da Agricultura recebeu autorização para nomear
100 desses aprovados, mas a categoria considera a reposição
insuficiente.
Tramitação:
Maia diz que, se tiver aval de juristas, Câmara vai enviar proposta para mudar regras do funcionalismo
— Hoje temos 2,5 mil fiscais em atuação, e o ideal seria 4 mil. É uma
situação bastante crítica e um limitante para o crescimento do
agronegócio e das exportações brasileiras — argumenta Porto.
Procurada, a
Receita informou que a decisão sobre concursos cabe ao
Ministério da Economia. A pasta disse que
novos concursos estão
suspensos e que a prestação de serviços à população não será
prejudicada.
O Ministério da Agricultura, por sua vez,
reconhece que há déficit de
pessoal e informou que vem buscando reposição de 545 auditores fiscais
agropecuários que se aposentaram entre 2017 e outubro deste ano.
"O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vem buscando
reposição de pessoal junto ao Ministério da Economia. Das solicitações
realizadas, foi autorizado concurso público para 300 vagas de Auditores
Fiscais Médicos Veterinários em meados de 2017, com posse dos
concursados em julho de 2018. E agora o Governo liberou a nomeação de
mais 100 Auditores Fiscais Médicos Veterinários deste concurso. Esses
candidatos deverão ser nomeados ainda este ano", disse a pasta em
nota.
O Ministério informou ainda que também investe em digitalização
com acoes como a solicitação online Certificado Veterinário
Internacional
(em parceria com o antigo Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão), a simplificação do processo de exportação de
bebidas e do Cadastro Geral de Classificação de Produtos Vegetais e o
registro automático de produtos de origem animal, de bebidas e de
fertilizantes.
Na avaliação do economista Raul Velloso, especialista em contas
públicas,
há espaço para cortes no funcionalismo e redução de gastos. O
impacto fiscal de aposentados é baixo, porque eles continuam na folha de
pagamento como inativos, mas a redução dos concursos tem efeito no
longo prazo.
— Existe um trabalho para reduzir (o quadro) sem perder eficiência. A sensação é de que tem muita gente sobrando — diz Velloso.
Uma portaria editada pelo governo em julho do ano passado flexibilizou
as regras para transferências de funcionários entre órgãos e estatais,
liberando os deslocamentos sem a necessidade do aval do órgão de origem
do funcionário. Para Lenhart, da secretaria de Gestão, todas as medidas
de contenção da folha têm como objetivo reforçar uma mudança de cultura
no funcionalismo:
— Havia uma cultura de olhar para a trás e não para a frente quando vai
fazer concurso público. Se tinha uma carreira com 600 vagas e 200 saem, a
tradição era pedir mais 200. Só que isso não significa que você vai
conseguir atender aos desafios do futuro.
Impacto nos 'concurseiros'
A política do governo de reduzir a folha de pessoal deve causar
incerteza para quem está no chamado cadastro de reserva dos concursos.
A
contratação desses candidatos está sujeita a regras mais duras desde
março deste ano, quando um decreto limitou os poderes dos órgãos de
convocar. Os concursos têm validade de dois anos, prorrogáveis por mais dois. Os
editais determinam o número de vagas a serem preenchidas. Aprovados num
concurso de 200 vagas, por exemplo, vão para a reserva a partir da
posição 201.
Até março, o Ministério da Economia podia autorizar que órgãos
convocassem até 50% mais que o previsto no edital.
Agora, só 25%. Mas,
segundo o secretário de Gestão, Wagner Lenhart, o plano do governo é não
ir além das vagas previstas nos editais, contemplando apenas os que têm
direito adquirido. O governo não tem estimativa de quantos estão nas
duas situações. Cada órgão tem sua estatística.
A queda no número de contratações já colocou em alerta o mercado voltado
para os chamados
“concurseiros”. O advogado Marcos Kolbe, sócio de um
escritório especializado, diz que a demanda por nomeações na Justiça
aumentou:
— O escritório este ano voou. O problema é que existem vagas, mas estão
precarizadas com temporários. Hoje, 70% dos processos são sobre isso.
O quadro forçou uma readaptação nos cursinhos. Segundo Arthur Lima,
sócio do Direção Concursos, candidatos têm migrado para outras áreas do
serviço público, como a Justiça. Ele lembra que seleções como a do INSS,
que não ocorreu este ano, costumam atrair até 1 milhão de pessoas:
— Houve de fato diminuição no Executivo federal. O concurseiro precisou
olhar para outras oportunidades. Um exemplo foi o concurso do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região. O número de inscritos na seleção deste
ano dobrou em relação ao último, de 2014.
O Globo - Economia