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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Número de fuzis apreendidos pela polícia no estado subiu 60% em nove anos

Armas de guerra alimentam o poder de fogo de traficantes e milicianos

Na semana passada, dois homens, um deles com uma metralhadora, tentaram assaltar um ônibus na Avenida Brasil. Um acabou assassinado por um passageiro, que também estava armado e reagiu. A dentista Priscila Nicolau, de 37 anos, foi morta na segunda-feira por traficantes que fizeram 17 disparos, alguns de fuzis, contra o seu carro. Armas de guerra chegam cada vez mais ao estado para alimentar o poder de fogo de traficantes e milicianos. As apreensões de fuzis, por exemplo, saltaram de 214, em 2007, para 344, em 2015. Um aumento de 60% em nove anos. E não houve trégua em 2016: até setembro, foram retirados das mãos de criminosos 234 fuzis. 

Armas circulam cada vez mais no estado Foto de 06/06/2016 - Pedro Kirilos / Agência O Globo

A presença de um grande número de armas circulando no estado apareceu numa pesquisa inédita que o Instituto Sou da Paz acaba de concluir. Com informações das secretarias de Segurança dos estados do Sudeste, o levantamento revelou que, em 2014, o Rio teve a maior quantidade de fuzis recuperados pela polícia: 279. Em São Paulo, a polícia apreendeu 142; em Minas Gerais, 26; e no Espírito Santo, 31. 

DADOS PODEM ORIENTAR POLÍTICAS DE PREVENÇÃO
Os dados do levantamento “De onde vêm as armas do crime apreendidas no Sudeste?” poderão ser usados para orientar as políticas públicas de prevenção. — É um dado bastante significativo. Isto preocupa, pois essas armas e munições permitem que o crime enfrente a polícia e gere muita vitimização policial, de suspeitos e de terceiros não envolvidos, no que fica conhecido como “bala perdida’’. Principalmente pelo uso de armas que podem disparar rajadas e ter potência suficiente para atravessar paredes, sendo inapropriadas para uso em áreas populosas. Vale lembrar que o Rio é o estado em que mais morrem policiais afirmou Bruno Langeani, coordenador do Instituto Sou da Paz.

O estudo revelou ainda que quase a metade das armas apreendidas no Estado do Rio é de revólveres (47%), seguidos por pistolas (36%) e espingardas (9%). — Proporcionalmente, o Rio também lidera no Sudeste com o número de apreensões de pistolas. Elas representam um terço (35,9%) de todas as armas recolhidas na ilegalidade. Em São Paulo, esse percentual é de 27,8%; em Minas, de 9,9%; e no Espírito Santo, 14,2% — disse Langeani.

Em todos os estados, o calibre mais comum é o 38, de revólveres. Como há uma grande apreensão de pistolas, os segundos e terceiros lugares são ocupados pelos calibres 9mm e o 380. A grande quantidade de fuzis apreendidos no Rio não pode ser atribuída à eficiência policial. Em termos de números absolutos, Minas e São Paulo foram os estados com maiores apreensões de armas em geral: 18.560 e 17.932, respectivamente. Os pesquisadores também analisam os números relativos, ou seja, comparam a quantidade de armas apreendidas com a população. Nesse aspecto, Espírito Santo e Minas estão no topo do levantamento, com 108 armas e 89 armas para cada grupo de cem mil habitantes, respectivamente. O Rio ficou em terceiro, com a taxa de 52 armas por cem mil, e à frente de São Paulo, com 41.

Ao analisar a série histórica de apreensões, o Instituto Sou da Paz verificou que Rio e São Paulo têm tendências muito parecidas. O número de apreensões em 2003 (antes de o Estatuto do Desarmamento ser aprovado) era o dobro do que é registrado hoje. De lá para cá, os dois estados reduziram não só o número de armas recolhidas, mas também as taxas de homicídios. Minas e Espírito Santo têm um outro perfil. Os dois tiveram quedas menores depois da aprovação do Estatuto do Desarmamento e, a partir de 2007, vêm apreendendo mais armas.— No Espírito Santo, esse período de alta das apreensões também coincidiu com uma queda importante nos índices de homicídios — afirmou Langeani.

Uma face cruel da banalização do uso de armas pode ser verificada na estatística de balas perdidas no Estado do Rio: foram 846 mortos ou feridos este ano, uma média de três por dia, segundo dados da Polícia Civil. Uma das vítimas mais recentes foi Bruna Lace de Freitas, de 21 anos, que morreu na semana passada ao ser atingida dentro de casa, no Engenho da Rainha.

O novo secretário de Segurança do Rio, Roberto Sá, disse ao GLOBO que pretende criar um grupo de policiais para investigar como os fuzis estão chegando às mãos dos traficantes:
O número de apreensões de armas é tão grande e o número de fuzis apreendido no Rio é tão expressivo que prejudicam a imagem da cidade no mundo inteiro. São armas que aumentam o poder letal, aumentam a ousadia. Então, eu encomendei à polícia uma estratégia para dar dedicação exclusiva para os fuzis. Qual vai ser essa estrutura, eu não sei ainda. Eles podem me dizer que será a mesma que existe hoje, mas o que eu preciso é que se tenha um cuidado especial, específico, com relação aos fuzis. Temos que interromper a rota de fuzis para os traficantes.

RELATÓRIO PEDE CRIAÇÃO DE DRAE
O deputado estadual Carlos Minc (sem partido), que presidiu a CPI das Armas na Assembleia Legislativa, informou ontem que o relatório aprovado pelos deputados será entregue na próxima semana ao novo secretário. O documento destaca 47 recomendações e sugestões para reduzir o número de armas em circulação no estado. Uma delas é a recriação da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae). A unidade especializada é considerada pelos deputados fundamental para reprimir e investigar o roubo de armas no município. — Defendemos a recriação da Drae, especializada em investigar o tráfico de armas no estado. Também estamos sugerindo que a Secretaria de Segurança do Rio tenha acesso ao Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal. O novo secretário de Segurança disse, corretamente, que o foco dele será o controle de armas — afirmou Minc.

O relatório da CPI também cita o fim do controle manual das armas dos paióis da PM, com a informatização de todo o sistema, a instalação de câmeras de segurança nas unidades das forças de segurança, e que armas e munições compradas pelas polícias tenham numeração e códigos para eventual rastreamento, em caso de roubos ou desvios.  A rotina de tiroteios também se abastece desse mercado paralelo. Ontem, um novo confronto entre policiais e bandidos interrompeu o trânsito na Linha Amarela por meia hora. 

Fonte: O Globo