[ o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, se já estivesse condenado, inclusive em tribunal de recurso, segunda instância, já estaria solto. Paradoxalmente ele fica preso porque ainda não foi condenado.]
Nesses dias me volta à memória um sucesso de Gilberto Gil,
cantado por Ellis Regina e Jair Rodrigues, Louvação: “Vou fazer a louvação/ do
que deve ser louvado.../ louvando o que bem merece/ deixo o que é ruim de
lado”. É sábio deixar o ruim de lado, porque de tanto ele ser
falado, parece estar sendo chamado. Tem gente aí que só fala no que é ruim,
exercitando o nosso masoquismo, o desejo de sofrer, talvez para pagar os
pecados e se penitenciar para merecer o céu, ou é porque tem mesmo na cultura
esse luto, essa tristeza, essa melancolia, que os gritos de carnaval e futebol
não conseguem disfarçar. Antídoto para isso é olhar o lado bom dos fatos.
Vejam isso, por exemplo: o ex-presidente da Câmara, Eduardo
Cunha, se já estivesse condenado, inclusive em tribunal de recurso, segunda
instância, já estaria solto. Paradoxalmente ele fica preso porque ainda não foi
condenado. O Tribunal Regional Federal em Recife, cancelou sua prisão
preventiva, por 2 a 1, aceitando o argumento da defesa de que ele já não tinha
poder para alterar provas e estava há muito preso, no caso da Arena de Dunas,
construída, como outros estádios, para a corrupção – perdão – para a Copa do
Mundo.
No entanto, Cunha permanece preso, porque há mais duas
prisões preventivas, para evitar que possa alterar provas e constranger
testemunhas, em casos que envolvem Petrobras, Caixa Econômica, Odebrecht e OAS– como de costume. O caso confirma que a Constituição não impede prisão de
criminoso – esteja ou não condenado –, apenas diz o óbvio, que enquanto não
transitar em julgado, o condenado não pode ser inscrito no livro dos culpados.
Foi isso que o Supremo ratificou em 2016, por duas vezes. [a suprema e estranha decisão do Supremo produziu o absurdo de um individuo condenado a dezenas de anos - um exemplo, existe vários: caso do guerrilheiro de festim Zé Dirceu -nome lançado várias vezes no rol dos culpados, não está preso.
A prisão normal é a de condenados pela Justiça, absurdo é que aos poucos a prisão preventiva se torna uma pena de caráter perpétuo = prisão perpétua à brasileira.]
Naquela época, o Ministro Gilmar Mendes chegou a afirmar que
exigir o trânsito em julgado formal para prender, transformaria o Judiciário
num sistema de impunidade. Três anos depois, mudou o voto. Em 2016, não estavam
presos, por exemplo, o tucano Eduardo Azeredo, ex-presidente do PSDB e
ex-governador de Minas, nem o ex-presidente Lula. Será que foi essa circunstância
que mudou o voto do Supremo? É triste constatar que cidadãos comuns e suas empresas não
têm outras instâncias para pagar suas contas, seus impostos, seus deveres
trabalhistas; não se lhes dá outra instância quando são assaltados ou seus
impostos são levados pelos corruptos. Os corruptos e outros assaltantes, esses
sim, merecem a presunção da inocência, até que chegue o juízo final.
Fala-se tanto em justiça social; seria isso justiça social?
Como “todo poder emana do povo”, os representantes eleitos em outubro são
responsáveis pelas respostas. Leis lenientes, que não desestimulam o crime,
estarão vigentes até que os legisladores as mudem. Não parece, entretanto, que
estejam dispostos a isso. Basta observar o quanto tentam desvirtuar o pacote
anticrime enviado ao Congresso pelo Ministro Sérgio Moro.
Alexandre Garcia, jornalista - Gazeta do Povo