A música Divino, Maravilhoso, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, veio à
lembrança por causa da morte do jovem Caio Gomes Soares, atingido por
uma bala perdida após levantar da cama para pegar um suco, por volta das
7h de ontem, no Catumbi, Rio de Janeiro. Faleceu nos braços da irmã,
sem tempo de receber socorro. É uma canção de 1968, que faz parte do
antológico disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses, do qual
participaram também os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão e Gal Costa, que
interpretou a canção da forma explosiva que viria a ser sua marca
registrada. “Atenção/ Tudo é perigoso/ Tudo é divino maravilhoso/ Atenção para o
refrão/ É preciso estar atento e forte/ Não temos tempo de temer a
morte”. Atenção para a estrofe e para o refrão: a música fala do perigo
ao dobrar uma esquina, do que pode cair do alto de uma janela, do
cuidado ao pisar no asfalto e do sangue no chão. Não havia naquela época
o perigo de levar um tiro por ir até a geladeira, para tomar um
refrigerante, em certas localidades do Rio de Janeiro.
[Mais uma vez o ilustre articulista apresenta um texto magnifico - suas matérias sempre são verdadeiras aulas, no aspecto jornalístico, cultural, etc, etc.
Cabe fazer pequenos registros:
- apesar da citação nominal ao nosso presidente o texto atribui de forma vaga o aumento da violência a decisões do presidente da República - sem mencionar que praticamente tudo que o capitão tentou fazer em prol do combate a INsegurança pública, não foi aprovado pelo Congresso, ou foi revogado pela Justiça - até a instituição de áreas diplomáticas em favelas, nas quais a polícia só pode entrar após longo e alarmista protocolo (que certamente alertará os bandidos) , ocorreu.
- Não é feliz quando atribui a violência - citando dados do relatório de uma Ong, cuja exatidão e isenção não foram oficialmente comprovadas - a um suposto predomínio das milícias, que diz controlar duas vezes o número de pessoas, quando comparado tal controle ao número das que são subjugadas pelo tráfico.
- O tiroteio que deu inicio ao incidente citado, foi resultado da reação violenta de bandidos a uma ação policial =visando restabelecer a ordem pública em uma área de passagem. A polícia tem no mínimo o direito de quando atacada reagir suando a força necessária.
- quanto ao negacionismo presidencial e sua posição contrária à obrigatoriedade das vacinas, (que falta faz um porta-voz à Presidência da República) cabe lembrar que o Congresso Nacional tem poder suficiente para modificar qualquer lei e determinar a obrigatoriedade de vacina.]
Um tiroteio entre traficantes e policiais no Morro da Coroa teria
sido a origem do disparo que matou o jovem Caio, num bairro tradicional
do Rio de Janeiro, muito próximo do centro histórico da cidade, um dos
cenários de Memórias Póstumas de Brás Cubas. A obra de Machado de Assis
inaugurou o nosso realismo, ao retratar a escravidão, as classes
sociais, o cientificismo e o positivismo de sua época. Entre o Rio
Comprido, Santa Teresa e o Estácio, hoje, o Catumbi não é mais um bairro
abastado. É um território em frequente disputa entre traficantes e
milicianos, principalmente por causa da proximidade do Morro de São
Carlos, onde existe uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Polícia
Militar fluminense, e o túnel Catumbi-Laranjeiras, de acesso à Zona Sul
carioca, que o transformou num bairro de passagem.
Numa estatística macabra, desde a posse do presidente Jair Bolsonaro,
o número de homicídios no Brasil não para de subir. Estamos perdendo
novamente a batalha para a violência, resultado de uma política de
segurança pública que facilita a venda de armas, estimula a justiça
pelas próprias mãos e tolera a formação de milícias, fenômeno que está
sendo exportado do Rio de Janeiro para os demais estados do país, sem
que se tenha muita noção do perigo que isso representa.
Pesquisa divulgada neste fim de semana sobre a expansão de
organizações criminosas no Rio revela que milícia e tráfico estão
presentes em 96 dos 163 bairros da cidade, nos quais vivem 3,76 milhões
de pessoas, do total de 6.747.815 habitantes da capital fluminense: 2,1
milhões de pessoas (33% da população) vivem em área sob o comando de
milícias; 1,1 milhão de pessoas (18,2% da população) vivem em área
dominada pelo Comando Vermelho; 337,2 mil pessoas (5,1% da população)
vivem em área dominada pelo Terceiro Comando; 48,2 mil pessoas (0,7% da
população) vivem em área dominada pelo Amigos dos Amigos.
Enquanto isso… Em Brasília, a cúpula do Senado pressiona o senador Chico Rodrigues (DEM-RR) para que se licencie do cargo, antes do julgamento da liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que o suspendeu do mandato, previsto para amanhã, no plenário da Corte. O parlamentar foi flagrado pela Polícia Federal (PF) tentando esconder R$ 33,1 mil na cueca, durante operação de busca e apreensão em sua residência. Agora, alega que o dinheiro era destinado ao pagamento de funcionários e tenta justificar a sua posse, argumento que não cola na opinião pública, mas é a linha de defesa de seus advogados. Os senadores do grupo Muda Senado querem cassar seu mandado no Conselho de Ética, mas o presidente do órgão, senador Jayme Campos (DEM-MT), seu colega de partido, se recusa a convocar uma reunião do colegiado — prefere sugerir que Chico se licencie logo.
Por sua vez, Bolsonaro resolveu reiniciar sua campanha negacionista
contra a obrigatoriedade do uso da vacina contra a covid-19: “Tem uma
lei de 1975 que diz que cabe ao Ministério da Saúde o Programa Nacional
de Imunização, ali incluídas possíveis vacinas obrigatórias. A vacina
contra a covid — como cabe ao Ministério da Saúde definir esta questão —
não será obrigatória”, disse, em cerimônia no Palácio do Planalto, para
apresentação de pesquisa sobre um medicamento. Completou: “Qualquer
vacina precisa ter comprovação científica e ser aprovada pela Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”. Foi uma resposta ao
governador de São Paulo, João Doria, que anunciou ontem a intenção de
iniciar a vacinação contra a covid ainda neste ano. Uma vacina chinesa
que está sendo testada pelo Instituto Butantã.
Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense