A comprovação pelas investigações da Polícia Federal de que o episódio
da captação ilegal dos diálogos do então juiz Sergio Moro com o chefe
dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, é apenas parte de uma
ação coordenada contra a Lava-Jato, atingindo membros do Poder
Judiciário em diversos graus, deu nova conotação política ao episódio. Silvio Meira, um dos maiores especialistas em tecnologia da informação e
professor emérito da Universidade Federal de Pernambuco, diz que
“ninguém fez isso sozinho, não aconteceu por acaso, tem um desenho por
trás. Havia gente que estava explicitamente dedicada, gastando
imaginação, competência técnica, tempo e dinheiro para chegar a essa
informação”.
Abel Gomes, desembargador do TRF-4 que condenou o ex-presidente Lula em
segunda instância no caso do tríplex do Guarujá, colocou o dedo na
ferida: “Por que os hackers têm mirado apenas autoridades que deram
decisões desfavoráveis aos investigados da Lava-Jato?” Também a juíza Grabriela Hardt, substituta de Moro durante um período,
foi hackeada e denunciou que essa manobra ilegal contra membros do
Judiciário é um atentado à segurança do Estado brasileiro. Para Silvo Meira, o Telegram, que passou a ser muito usado no Brasil
depois que o WhatsApp ficou fora do ar por questões judiciais, pode ser
seguro se as mensagens são criptografadas, “mas o usuário tem que
habilitar seu celular para isso. Se não o fizer, as mensagens ficam
abertas e, consequentemente, fáceis de serem lidas”.
Também a origem da empresa é um mistério. Telegram é o nome de uma
empresa russa dos irmãos Durov, os criadores do Facebook russo, o
VKontakte, conhecido como VK. Numa operação que até hoje não foi
explicada em detalhes, venderam ou foram forçados a vender o VK a outro
grupo digital russo. Saíram da Rússia logo depois, foram para Berlim, de
onde também saíram reclamando que as autoridades alemãs não deram visto
de trabalho para seu time. Time que hoje ninguém sabe exatamente onde está. A empresa é tocada a
partir de Dubai, e os demais funcionários estariam espalhados pelo
mundo. A infraestrutura da companhia não se sabe onde está.
O STF deve julgar no plenário um pedido de suspensão do ex-juiz Sergio
Moro, por parcialidade arguida pela defesa de Lula. Oficialmente, as
conversas não estarão no julgamento, a não ser que a defesa possa pedir
para incluí-las. Mas, que vão interferir, isso é claro. Não creio que, se for para o plenário, seja aprovada a tese da anulação
da condenação. Mesmo na Segunda Turma acho que haverá maioria para
derrotar os prováveis votos dos ministros Gilmar Mendes e Lewandowski. O
ex-presidente foi condenado em três instâncias, portanto, não há razão
para anular todos os julgamentos em todas as instâncias. Para o especialista em tecnologia de informação Silvio Meira, essa crise
atual chama a atenção para um problema brasileiro: o de que as
autoridades não têm um sistema de troca de mensagens ou telefone
protegido de invasões desse tipo.
Como já escrevi aqui, a utilização do Twitter para suas mensagens é um
hábito que Bolsonaro copia do presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, seu grande ídolo. Mas Trump só usa o Twitter oficial quando trata
de ações do governo. Nos Estados Unidos, a utilização de meios particulares para atividade
oficial já deu muita dor de cabeça a Hillary Clinton que, quando
secretária de Estado no governo Obama, dispensou o e-mail oficial
(@state.gov) para usar seu e-mail privado mesmo para assuntos de Estado.
O caso provocou o temor de informações sigilosas do Departamento de
Estado circularem em redes de caráter privado, ou estarem expostas a
ataques de hackers. Parte do conteúdo era classificado como
supersecreto, ou o foi mais tarde. Coube a Hillary um pedido de
desculpas: “Foi um erro. Sinto e assumo a responsabilidade”.
Legislações sobre esse tipo de utilização garantem nos Estados Unidos
que não haja violação de normas de segurança institucional. Aqui houve
um ataque em massa a diversos membros da Lava-Jato em vários estados,
notadamente Paraná e Rio. Está sendo revelado que houve uma verdadeira
conspiração contra a Lava-Jato e o Judiciário. Os diálogos que já foram revelados e os ainda a revelar podem provar — o
que na minha opinião ainda não aconteceu — irregularidades praticadas
dentro da Operação Lava-Jato. Mas não há mais dúvidas de que esse ataque
cibernético foi orquestrado justamente com o objetivo de acabar com a
Lava-Jato. Mas, como diz o ministro do Supremo Edson Fachin, a Lava-Jato
é uma realidade que mudou a estrutura do combate à corrupção no Brasil.