Promotores pedem força-tarefa para combater grupos atuantes na Zona Oeste
“Se algo
não for feito, o Estado do Rio terá, dentro de dez anos, a mais perigosa
organização criminosa do país”. O alerta é do promotor Luiz Antônio Ayres, da
2ª Vara Criminal de Santa Cruz, que se refere a um problema que cada vez mais
preocupa autoridades do Judiciário e da segurança pública: a crescente
associação entre traficantes e milicianos em comunidades e conjuntos habitacionais
da Zona Oeste da cidade. Essa mistura explosiva já começa a chegar a outros
municípios, e está impondo aos moradores o pior dos dois lados. — Os
moradores são obrigados a conviver com um esquema que protege a venda de drogas
e precisam pagar mais caro por serviços e produtos. Há uma falsa paz, porque os
tiroteios entre milicianos e traficantes cessaram. Em alguns lugares, ficou
difícil diferenciar o poder paralelo do estado democrático de direito. Afinal,
o agente da lei faz parte do que vem acontecendo — afirma Ayres, que, desde
1996, acompanha investigações e processos sobre quadrilhas de paramilitares.
Quartel-general
das milícias
Apenas
Antares não pertence aos milicianos.Traficantes vendem drogas nas favelas do
Rola e do Aço, mas os territórios são da milícia, que recebe parte do lucro do
tráfico. Ao longo
da Avenida Cesário de Melo há conjuntos do programa Minha Casa, Minha Vida.
Praticamente todos estão nas mãos da milícia. Na Santa Margarida, traficantes e
milicianos são sócios
A prática
é recrutar mão de obra de traficantes e assaltantes para explorar os serviços
sob as ordens de milicianos. É assim nas favelas Bateau Mouche e Chacrinha, na
Praça Seca
Em 2005,
o GLOBO mostrou como agiam as milícias do Rio, grupos formados por policiais,
bombeiros e agentes penitenciários que cobravam por segurança, sinais
clandestinos de TV a cabo e fornecimento de gás em regiões pobres e carentes
desses serviços. De lá para cá, essas práticas ilícitas continuam, mas algo
está mudando entre seus autores. Atualmente, durante operações em que
quadrilhas de milicianos são desbaratadas, investigadores têm prendido pessoas
com anotações criminais por tráfico e roubo entre seus integrantes.
Traficante
que se une à milícia é o “pulá’’
Um
levantamento feito pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de
Segurança aponta que, dos 143 milicianos presos em 2010, 42 eram policiais
militares da ativa. No ano passado, 155 foram para a cadeia, mas apenas dez
eram PMs. O delegado Alexandre Herdy, titular da Delegacia de Repressão às
Ações do Crime Organizado (Draco), argumenta que isso está acontecendo porque,
agora, são traficantes que estão na linha de frente da exploração de alguns
serviços, como a venda de botijões de gás, sob o comando dos milicianos. Em
contrapartida, as milícias passaram a atuar em áreas que eram controladas
apenas pelo tráfico.
— O
traficante que se uniu a um miliciano passou a ser conhecido como “pulá”, por
“pular” para o outro lado. Hoje, há muitos “pulás”, a ponto de alguns deles
comandarem parte das quadrilhas também integradas por agentes de segurança da
ativa e ex-policiais. Consequentemente, as milícias se tornaram mais violentas,
estão partindo para o enfrentamento. Em 2010, muitos policiais que integravam
milícias foram presos, e eles perceberam que, enfrentando dois inimigos, o
estado e o tráfico, perdiam mais do que ganhavam. Daí surgiram alianças com
traficantes e assaltantes de duas facções — afirmou o delegado.
A
associação entre traficantes e milicianos ganhou forma em Santa Cruz, e, de
acordo com investigadores, ultrapassou os limites do município do Rio, chegando
à Baixada e a municípios da Costa Verde que, nos últimos anos, registraram
altos índices de criminalidade
— Angra dos Reis, por exemplo, teve 87
homicídios dolosos no ano passado, de acordo com o Instituto de Segurança
Pública. A escalada da violência na região estaria relacionada justamente à
chegada de novas quadrilhas, dispostas a ganhar territórios que, por décadas,
foram dominados por barões das drogas. — O
centro de comando das milícias é Santa Cruz, onde só a Favela de Antares
continua sob controle exclusivo do tráfico. Os milicianos mudaram a forma de
agir. Antes, os policiais que estavam à frente desses grupos organizados cuidavam
de tudo. Agora, têm uma relação de confiança com traficantes — afirma o
promotor Luiz Antônio Ayres.
O
promotor diz que o estado deveria formar urgentemente uma força-tarefa para
combater a crescente associação entre traficantes e milicianos: — Não imaginávamos
essa união em 2005, quando as milícias surgiram. Agora, até me arrisco a dizer
que, num futuro próximo, não será impossível vermos uma aliança entre elas e o
Comando Vermelho, a única facção que ainda resiste à ideia. Isso seria terrível
para o Rio. As forças de segurança têm que agir já, uma única delegacia (a
Draco) não resolverá a situação.
EXPLORAÇÃO
TERRITORIAL E LUCRO FÁCIL
Carmen
Eliza Bastos, promotora do 3º Tribunal do Júri, também defende a formação de um
grupo especial, com delegados da Polícia Civil, promotores e juízes, para
atacar a nova forma de milícia. — As
quadrilhas mudaram de perfil, mas o cenário continua o mesmo, é formado por
exploração territorial e lucro fácil. Uma força-tarefa, sem nomes expostos, é
necessária — diz a promotora, acrescentando que assassinatos estão sendo
cometidos pelos grupos com requintes de crueldade.
Na
opinião do cientista social Marcelo Burgos, professor da Pontifícia Universidade
Católica (PUC-Rio), “o quadro é grave e alarmante”: — A união
entre as duas forças criminosas fez as milícias passarem a controlar serviços
em áreas do tráfico. Moradores de várias localidades estão vivendo uma situação
de total submissão ao crime. E, para piorar, temos de lembrar que o pulo do
gato dos paramilitares foi passar a integrar o sistema político.
O Globo