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quinta-feira, 10 de novembro de 2016

‘Direto ao topo’

Trump vai assumir Presidência aos 71 anos incompletos como o mais cru dos aprendizes

Bill Clinton não era um calouro quando assumiu a Presidência dos Estados Unidos, em 1993. Já havia sido Procurador-Geral do Arkansas e governara por duas vezes seu estado natal. Ainda assim, logo depois de eleito, tratou de se aconselhar junto aos membros da confraria mais exclusiva do mundo — a dos que o antecederam na Casa Branca.

Já a partir da primeira semana procurou Ronald Reagan, Gerald Ford, Jimmy Carter, Richard Nixon e George Bush, pai, começando pelo primeiro, com quem tinha uma diferença de idade de 35 anos. Saiu do encontro com uma aptidão nova. Segundo relatam os autores Nancy Gibbs e Michael Duffy em “The Presidents Club”, o veterano Reagan havia notado que o candidato sulista, ao longo da campanha, não fizera uma única saudação militar decente quando em visita a alguma unidade das Forças Armadas. Pecado indesculpável para um futuro comandante em chefe. Como ex-oficial do Exército e ex-ator tarimbado, Reagan demonstrou as duas etapas distintas do movimento e passou à aula prática.

Foi assim que um presidente eleito de 46 anos, democrata, ensaiou a continência militar numa sala de um o 34º andar de Beverly Hills diante de um atento ex-presidente octogenário, republicano. Com Richard Nixon, tratou de União Soviética, mas também aproveitou para fazer perguntas práticas: como era a sua rotina? O dia a dia, do acordar ao adormecer? Como Nixon organizara sua agenda? O futuro locatário da Casa Branca não queria cometer erros banais. Mesmo veteranos na política ficam atordoados a partir do momento em que se veem na Casa Branca, sozinhos com o poder conquistado.

Donald Trump vai assumir a presidência aos 71 anos incompletos como o mais cru dos aprendizes. Ele pousa direto no topo, sem passar por qualquer cargo público. Como escreveu Evan Osnos da “New Yorker”, em valioso retrato do universo trumpiano, o bilionário confia em seu instinto e rapidez de decisão. Contudo, ele vai dispor de apenas 73 dias para montar uma equipe de governo, preencher quatro mil cargos federais e assumir um tentáculo de 2,9 milhões de funcionários civis e 1,5 milhão nas Forças Armadas.

Não é pouca coisa para um candidato cuja força maior foi justamente ser visto por seus eleitores como um He-Man que pode tudo sozinho e não deve nada a ninguém. Em parte, eles têm razão. Ao contrário de sua adversária, a estrutura da campanha de Trump era caótica, noves fora seu avião de rock star e fortuna particular. Abandonado a meio caminho pela caciquia do próprio partido, ele subia ao palco sozinho, enquanto Hillary Clinton tinha à disposição toda uma galáxia de estrelas como Le Bron James, Jay Z e Beyoncé ou Miley Cyrus atuando como chamarizes para comícios.

Por ter sido eleito presidente, Trump recebe desde ontem os mesmos briefings diários ultrassecretos que Barack Obama. É o início de sua transição para o mundo concreto do poder e para o universo real da geopolítica. Espera-se que a receita que distribuía anos atrás — “seja paranoico” — tenha sido abrandada com o tempo. Quanto à autópsia da derrota de Hillary, ela será dissecada ad nauseam daqui para a frente, com estatísticas capazes de sustentar qualquer teoria — do referendo contra a globalização ao repúdio às elites democráticas convencionais, passando pela revolta de uma classe majoritária que se sentia minoria em casa e outras tantas mais.

Contudo, nenhuma análise ou interpretação deve eludir o fator-chave que acabou se revelando insolúvel e intransponível: a vulnerabilidade múltipla da própria candidata democrata. Apontada por Trump como a encarnação da falência do poder encastelado e corrupto de Washington, ela foi a adversária mais fácil de ser abatida. Esta eleição foi tão atípica que um hipotético embate entre Donald Trump e o combativo senador Bernie Sanders talvez tivesse tido outro resultado.

Como se sabe, a base fervorosa de Sanders tinha em comum com a de Trump a convicção de que Hillary e o Partido Democrata são corruptos e trocam favores com doadores bilionários. O senador pelo Vermont há décadas aponta para Wall Street como um câncer e para a fraude financeira como um negócio que ajuda a arruinar a vida de milhões de americanos. Embora alguns trechos de seus discursos pudessem ser extraídos de plataformas democratas dos anos 1940, eles soaram radicais e incômodos demais para a liderança de 2016. Mas não para a base de seguidores da geração millenial do senador, cuja fidelidade canina não arrefeceu. Tanto assim que apenas 22% dos jovens de 18 a 29 anos votaram em Hillary.

Na verdade, os dois partidos políticos do país saíram lanhados desta eleição, uma vez que seus candidatos não conseguiram mobilizar sequer metade do eleitorado a maior disputa foi pelo maior índice de rejeição, 54% para Hillary, 61% para o presidente eleito. As lideranças poderiam começar a buscar as origens do atoleiro no novo livro de Thomas Frank, “Listen, liberal: Or, what ever happened to the party of the people?” (em tradução livre: “Ouça, liberal: Ou o que houve com o partido do povo?”). A tese de Frank é que não existe mais partido nos EUA que represente e defenda o trabalhador. Sentindo-se órfão, esse eleitor acabou ouvindo um cavaleiro branco de cabelo alaranjado e boné USA, que prometeu defendê-lo contra tudo e contra todos.

Donald Trump toma posse no dia 20 de janeiro com os poderes da Presidência consideravelmente ampliados desde os ataques do 11 de setembro de 2001, por George W. Bush, e interpretados com igual elasticidade por Barack Obama. Impossível prever a leitura que o novo presidente fará da Constituição, tendo maioria no Senado, na Casa dos Representantes e contando com uma futura Suprema Corte de maioria conservadora. “A verdadeira liberdade não deve ser baseada nem em despotismo nem em extremos de democracia, mas num governo moderado”, ensinou o Founding Father Alexander Hamilton, um dos artífices da Constituição americana.

Quase dois séculos mais tarde, na noite em que o então presidente Jimmy Carter levou uma surra de Ronald Reagan nas urnas (perdeu em 44 dos 50 estados), seu vice Walter Mondale pronunciou-se assim sobre a humilhante derrota: “Hoje, em todos os cantos do país — nas escolas, padarias, salas comunitárias, igrejas, sinagogas —, o povo americano exerceu tranquilamente seu extraordinário poder... Hoje celebramos acima de tudo o processo que chamamos de liberdade americana”. Não foi um pronunciamento retórico. Mondale, de 88 anos, sempre foi autêntico.

Um de seus bordões preferidos vale para todos que não elegeram Donald Trump presidente dos Estados Unidos da América: “Se você tem certeza de entender tudo o que está acontecendo, é porque você está perdidamente confuso”.

Fonte: O Globo - Dorrit Harazim