A janela de oportunidade para a reforma previdenciária é inédita
Reformas da Previdência têm sido analisadas como impossibilidades: em
princípio, nunca deveriam acontecer devido aos elevados custos políticos
de aprovação. No entanto, acontecem —no Brasil e fora dele. Tais reformas são custosas porque implicam imposição de perdas em
relação a grupos concentrados e benefícios difusos. No entanto, crises
fiscais agudas —como a que aflige muitos estados brasileiros— criam
janelas de oportunidade para a mudança. Uma forma de mitigar os altos custos políticos envolvidos é por meio de
regras de transição. Ainda assim, os problemas podem ser consideráveis
no conjunto de países que, como o Brasil, adotam sistemas de repartição
(modelo Bismarckiano; ex: França, Alemanha, Itália).
É só neste modelo que as reformas são explosivas. Nele, os contribuintes
ativos do sistema fazem aportes visando a manutenção da renda no
futuro. O sistema é política e fiscalmente instável porque cria o
imperativo de ajustes periódicos devido à elevação gradual da
expectativa de vida. Nos países que historicamente adotaram pensões públicas universais a
valores fixos baixos (em que as pensões foram vistas só como solução
para a pobreza na velhice; ex: Inglaterra), o problema não é explosivo. E isso independe de o segundo pilar, o de capitalização, que suplementa a
pensão básica, ser compulsório (quando o empregador arca com parte dos
custos; ex: Holanda) ou voluntário (Japão, EUA). Pontos distintos na
montagem do sistema no passado explicam a política no futuro.
No Brasil, foram criados institutos de aposentadoria de base ocupacional
(para comerciários, industriários etc.). A agenda política em torno da
Previdência girou inicialmente em torno da unificação dos vários regimes
e da incorporação de trabalhadores informais e rurais ao sistema.A unificação dos institutos (Iapi, Iapc, Ipase etc.) e a criação do INPS
(hoje INSS) ocorreram em 1966, e a aposentadoria rural veio em 1971. A
permanência do regime de servidores ao lado do geral ficou como um
resíduo da unificação incompleta de 1966.
A atual reforma da Previdência combina revisões paramétricas no modelo
existente (completando a agenda da década de 1990) e mudanças
estruturais no próprio modelo histórico. Estamos no “grupo da morte” de países onde reformas são politicamente
difíceis, e a maturidade do nosso sistema joga contra, porque os custos
de transição tornaram-se muito elevados. Mas a crise dos estados, o
relativo consenso entre as elites burocráticas e políticas em torno da
reforma e a centralidade do tema na agenda de Bolsonaro abrem uma janela
de oportunidade inédita.
Marcus André Melo, professor e ex-professor visitante do MIT e da
Universidade Yale - EUA