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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Só restou a porta de saída



Presidente coleciona decisões erradas e aliados encarcerados
O dono da casa estava feliz. Reunira na sala 37 senadores, nada menos que 46% dos votos disponíveis no plenário do Senado, sem contar o próprio. Dividiam o espaço com 18 ministros na celebração do favoritismo da aliança PT-PMDB para a eleição presidencial.
Só faltava a candidata, amiga do anfitrião, sua companheira de caminhadas matinais. Saíam cedo, ela disfarçada com chapéus de abas longas e óculos escuros, guiando o cão Nego, legado de José Dirceu, seu antecessor na Casa Civil.

Dilma Rousseff (PT) não quis ser fotografada em festa com os aliados. Fez circular uma justificativa banal: precisava treinar para o debate na Rede Bandeirantes, duas noites à frente.
Coube ao vice Michel Temer (PMDB) comandar o brinde. Com o peculiar sorriso enviesado, segurou o microfone:  — Estamos todos em boa companhia, partilhando o pão. A partir da partilha do pão que ora aqui fazemos, nós queremos partilhar o próximo governo da Dilma.

Lá se foram cinco anos e oito meses desde o almoço daquela terça-feira 3 de agosto de 2010 no Lago Sul, em Brasília. O anfitrião Jorge Afonso “Gim” Argello, ex-senador pelo PTB, agora ocupa uma cela em Curitiba, onde negocia delação premiada sobre múltiplos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em campanhas eleitorais. A maioria do Senado se diz disposta a despejar hoje Dilma do Palácio do Planalto, com um processo de impeachment. O vice Michel Temer, de novo, acena aos senadores com a partilha do próximo governo.

É o desfecho de uma crise que começou a ser formatada no gabinete do presidente da República, em janeiro de 2003. Lula degustava a primeira semana no poder em conversa com os ministros José Dirceu (Casa Civil), Antônio Palocci (Fazenda) e Miro Teixeira (Comunicações). Mostrou-se preocupado com o novo Congresso, que tomaria posse no mês seguinte.

O antigo líder sindical operário chegara ao Planalto com 52 milhões de votos, 61% do total, unindo grupos antagônicos. Lula queria dominar o Legislativo. O PT elegera 91 deputados e 14 senadores. A máquina eleitoral turbinada pelo generoso financiamento empresarial permitiu-lhe crescer 57% na Câmara e 75% no Senado. Essa proeza, entretanto, apenas deixava o partido do presidente próximo do PMDB e do PFL (hoje DEM) e do PSDB. Juntos, os três reuniam 44,5% dos votos da Câmara e 60% do Senado.

Ganhar eleição é difícil, governar, muito mais. O recém-eleito sonhava com hegemonia legislativa para seu projeto de poder, moderadamente reformista. Lula perguntou “como é que se organiza” a base majoritária de congressistas. Dirceu saiu na frente com uma evocação do enunciado dos “300 picaretas” que Lula usara anos antes, em pejorativo aos parlamentares federais: — Com esse congresso burguês, maioria legislativa se constrói em cima do orçamento.

O presidente escutava, olhando na direção das próprias meias. A proposta escondia e mistificava, tanto quanto revelava: usar cargos e fatias do orçamento federal e das empresas estatais para compor a “maior base parlamentar do Ocidente”, na definição do chefe da Casa Civil.
Palocci e Miro indicaram a alternativa de alianças a partir de projetos específicos. Sugeriram começar pelo “ajuste fiscal”, com potencial para atrair uma fatia da oposição, o PSDB. Ao perceber o aval de Lula a Dirceu, desistiram.

Sucedeu-se romaria ao quarto andar do Planalto. Ali, o secretário-geral do PT, Silvio Pereira, e o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, loteavam cargos e pedaços do orçamento público. Ao lado do gabinete presidencial, o chefe da Casa Civil homologava os acordos, auxiliado por Fernando Moura, mais conhecido como “FM”. Os neoaliados do Planalto eram alvo de provocações nos corredores do Congresso: — O deputado anda ouvindo muita rádio ‘‘FM’’.

Semanas atrás, na prisão, Moura estimou ter participado com Silvio Pereira da escolha e nomeação de 32 mil pessoas para cargos no governo e em empresas estatais no primeiro mandato de Lula. Entre eles, diretores da Petrobras como Renato Duque, encarcerado há um ano.

Moura, Pereira e Delúbio ajudaram a moldar a era Lula em negociações de quantias e percentagens superlativas. Eram operadores de uma mecânica testada na campanha eleitoral.

Numa noite de junho de 2002, por exemplo, Delúbio escoltara o chefe Lula, o vice José Alencar e Dirceu à casa do deputado Paulo Rocha (PT-PA), em Brasília. Lá, encontraram Valdemar Costa Neto, líder do PR. “Boy”, como é conhecido, detalhou a reunião à revista “Época” em agosto de 2005. “Fomos para o quarto eu, o Delúbio e o Dirceu. Comecei pedindo uns R$ 20 milhões...”

Levou metade. Como outros, mais tarde ganhou lotes de postos-chave em departamentos (como o Dnit, de obras de infraestrutura), representações (Trabalho e Receita Federal) e diretorias de estatais (Infraero, Itaipu e Correios).

A Petrobras era o “filé”, na definição de Roberto Jefferson, líder do PTB. Foi partilhado por dois José: Dirceu, do PT, e Janene, do PP. Logo, somaram-se líderes do PMDB. A linha de montagem da “base aliada” possuía algo de poético aos olhos de Dirceu: “É um bolero, dois pra lá e dois pra cá”, repetia. “O modo petista de governar tem força”.

Lula desfrutava. Numa noite de quinta-feira, 14 de outubro de 2004, foi com Dirceu à casa de Jefferson renovar promissórias com o PTB. Partilharam codornas recheadas e um Don Laurindo, de Bento Gonçalves (RS). O anfitrião exercitou a voz de barítono em peças de Tom Jobim — “Eu sei que vou te amar”, entre outras. À saída, o presidente ajeitou a gravata listrada de cinza, preto e branco, e disse aos jornalistas, olhando para Jefferson: — Eu daria a ele um cheque em branco, e dormiria tranquilo.

Oito meses depois, Jefferson achou que o governo Lula queria tomar-lhe o PTB. Denunciou a existência do Mensalão em entrevista à jornalista Renata Lo Prete e refugiou-se na serra fluminense. Estava a 1.300 quilômetros do Planalto, mas o eco do escândalo sitiou sua casa, no meio do Caminho Novo (atual BR-040).

Numa madrugada fria rascunhou uma auto-incriminação, para legitimar a própria denúncia. Seguia a lógica do drama, lapidada na tribuna parlamentar e na advocacia criminal. Sentiu-se como Ródion, personagem de Dostoiévski em “Crime e castigo”, contou tempos depois.
O barítono Jefferson escreveu um discurso catártico ao som de “Butterfly”: “Você se lembra da paixão pelo suicídio na ópera? Pois é, sem tragédia, sem sangue e sem ódio, o povo não gosta”.

Voltou a Brasília, foi à Câmara e arrastou Lula e o PT para uma voragem de sete anos de crise, resumidos num processo com 38 réus julgados pelo Supremo Tribunal Federal em 53 sessões.

Mesmo acuado, Lula viu-se agraciado pelo vento a favor na economia, com uma súbita alta de 60% nos preços das matérias-primas exportadas. Reelegeu-se com 60,1% dos votos e avisou à mulher, Marisa, que mudaria a rotina no Alvorada. Passou a guardar um lugar à mesa no jantar de domingo para uma convidada: Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil.
Ela estivera no centro de todas as crises do governo Lula, desde o Mensalão. Dona de uma biografia incólume às urnas e, em parte, dedicada à luta pela substituição de uma ditadura (militar) por outra (do proletariado), foi apresentada numa campanha eleitoral hollywoodiana, na maior parte custeada por fornecedores da Petrobras, premiados com obras sem projeto e custos multiplicados por 10, como foi o caso da refinaria de Pernambuco, nascida de uma conversa de Lula com Hugo Chávez, presidente venezuelano. 

Um único comício organizado pelo governo, em Angra dos Reis, custou US$ 25 milhões. Lula comandou o batismo antecipado da plataforma P-57 durante um par de horas, e a embarcação voltou rebocada, inacabada, ao estaleiro. Dilma nem apareceu. Ganhou com 56% dos votos.

Dilma tentou manobras, como alijar o PMDB do governo, e acabou no isolamento. Perdeu a bússola quando viu as ruas tomadas por multidões em protesto. Insistiu no projeto de reeleição em 2014, que começou atropelado pelas evidências de uma tempestade política perfeita. A prisão do diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, em março, expôs a monumental corrupção na Petrobras, já combalida por má gerência e endividamento recorde (US$ 500 bilhões). As investigações levaram ao coração do PT.

Conseguiu ser reeleita com 51,6% dos votos, num ambiente de recessão, inflação alta e maquiagens nas contas governamentais para ocultar déficits expressivos. A oposição passou um ano inteiro pregando o impeachment. Sem êxito até dezembro passado, quando o presidente da Câmara aceitou o pedido. Ela retaliou, demitindo os aliados do deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) que ainda preservara no governo, sobretudo no comando da Caixa. 

O catalisador político surgiu no final de fevereiro a partir de suas conversas com Lula, gravadas por ordem judicial. Ao tentar proteger o criador, com nomeação para o ministério, sujeitou-se à acusação de obstrução da Justiça. Ficou entre a renúncia e o impeachment. Hoje, escolherá a porta de saída.

Fonte: José Casado,  jornalista – O Globo




terça-feira, 10 de maio de 2016

Três sílabas e R$ 1 bilhão



O antigo governo submerge em tumulto, sob o olhar sorridente da presidente Dilma Rousseff e a súbita afonia de Lula

Apaga-se o velho governo entre manhas e artimanhas, como as ofertas sedutoras ao presidente interino da Câmara que o estimularam a ridicularizar a Casa que comanda, ao tentar “anular” uma decisão tomada há 23 dias por um colégio de 511 deputados, em ritual definido pelo Supremo, e já repassada ao Senado.

O processo de impeachment, é útil lembrar, começou pelo voto de 72% da Câmara, na acachapante maioria de 367 deputados. A esquálida base governista somou 137 votos, sequer alcançou 27% dos presentes.

Essa “brincadeira com a democracia”, na qualificação do presidente do Senado, teve as digitais do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. O principal resultado foi expor como tresloucado seu agente na Câmara, o deputado Waldir Maranhão, que, acusado de abuso de poder, agora deve enfrentar um processo de destituição ou cassação de mandato.

O antigo governo submerge em tumulto, sob o olhar sorridente da presidente Dilma Rousseff e a súbita afonia de Lula. A nova administração ainda não ascendeu. Pelas vacilações do vice Michel Temer, expostas na semana passada, corre risco de emergir prisioneira de um modo arcaico de fazer política, cujo réquiem vem sendo entoado por multidões nas ruas, há três anos, e a exumação avança nos inquéritos sobre corrupção nas empresas estatais.

A tensão atual é um derivativo da travessia para mudanças impostas à geração de políticos como Lula, Dilma e Temer. Sobram evidências da marcha na transição do convívio coletivo com a impunidade do esbulho dos cofres públicos, em privilégio de poucas e ineficientes empresas, para uma sociedade disposta a premiar com recursos coletivos a iniciativa privada focada na subsistência da competição no mercado.

Nessa perspectiva, ganha relevância o “pedido de desculpas ao povo brasileiro” anunciado ontem pelo grupo Andrade Gutierrez: “Reconhecemos que erros graves foram cometidos e, ao contrário de negá-los, estamos assumindo-os publicamente. Entretanto, um pedido de desculpas, por si só, não basta: é preciso aprender com os erros praticados e, principalmente, atuar firmemente para que não voltem a ocorrer.”

Às três sílabas da palavra (“desculpas”), adicionou o compromisso de indenização de R$ 1 bilhão ao Estado. O valor equivale a US$ 272 milhões, pelo câmbio de ontem, e corresponde a 13,5% da receita líquida da empreiteira. Garante seu lugar entre as dez corporações globais mais penalizadas desde 2008, logo abaixo da francesa Techinp (US$ 338 milhões), acima da japonesa JGC (US$ 218 milhões) e da alemã Daimler (US$ 185 milhões). 

Acionistas e executivos da Andrade Gutierrez fizeram a coisa certa, na trilha aberta pela concorrente Camargo Corrêa, primeira entre empreiteiras acusadas nos inquéritos sobre corrupção a aceitar um compromisso judicial para mudar de forma radical as relações com políticos, partidos e governos. A Andrade Gutierrez diz acreditar que “a Operação Lava-Jato poderá servir como um catalisador para profundas mudanças culturais, que transformem o modo de fazer negócios no país”.

É ótima notícia num ambiente tumultuado por um governo que há muito perdeu a bússola e agora fenece por inanição política.

Fonte: José Casado, jornalista – O Globo