O antigo governo submerge em tumulto, sob o olhar sorridente da presidente Dilma Rousseff e a súbita afonia de Lula
Apaga-se o velho governo entre manhas e artimanhas, como as ofertas sedutoras ao
presidente interino da Câmara que o estimularam a ridicularizar a Casa que
comanda, ao tentar “anular”
uma decisão tomada há 23 dias por um colégio de 511 deputados, em ritual
definido pelo Supremo, e já repassada ao Senado.
O
processo de impeachment, é útil lembrar, começou pelo voto de 72% da Câmara, na acachapante maioria
de 367 deputados. A esquálida base
governista somou 137 votos, sequer alcançou 27% dos presentes.
Essa “brincadeira com a democracia”, na
qualificação do presidente do Senado, teve as digitais do advogado-geral da
União, José Eduardo Cardozo. O principal resultado foi
expor como tresloucado seu agente na Câmara, o deputado Waldir Maranhão,
que, acusado de abuso de poder, agora
deve enfrentar um processo de destituição ou cassação de mandato.
O antigo
governo submerge em tumulto, sob o olhar sorridente da presidente Dilma
Rousseff e a súbita afonia de Lula. A
nova administração ainda não ascendeu. Pelas vacilações do vice Michel
Temer, expostas na semana passada, corre risco de emergir prisioneira de um
modo arcaico de fazer política, cujo réquiem vem sendo entoado por multidões
nas ruas, há três anos, e a exumação avança nos inquéritos sobre corrupção nas
empresas estatais.
A
tensão atual é um derivativo da travessia para mudanças impostas à geração de
políticos como Lula, Dilma e Temer. Sobram evidências da marcha na transição do
convívio coletivo com a impunidade do esbulho dos cofres públicos, em privilégio
de poucas e ineficientes empresas, para uma sociedade disposta a premiar com
recursos coletivos a iniciativa privada focada na subsistência da competição no
mercado.
Nessa
perspectiva, ganha relevância o “pedido
de desculpas ao povo brasileiro” anunciado ontem pelo grupo Andrade
Gutierrez: “Reconhecemos que erros graves
foram cometidos e, ao contrário de negá-los, estamos assumindo-os publicamente.
Entretanto, um pedido de desculpas, por si só, não basta: é preciso aprender
com os erros praticados e, principalmente, atuar firmemente para que não voltem
a ocorrer.”
Às três
sílabas da palavra (“desculpas”), adicionou o compromisso de indenização de R$ 1 bilhão ao
Estado. O valor equivale a US$
272 milhões, pelo câmbio de ontem, e corresponde a 13,5% da receita líquida da
empreiteira. Garante seu lugar entre as dez
corporações globais mais penalizadas desde 2008, logo abaixo da francesa Techinp (US$ 338 milhões), acima da japonesa JGC (US$ 218 milhões)
e da alemã
Daimler (US$ 185 milhões).
Acionistas
e executivos da Andrade Gutierrez fizeram a coisa certa, na trilha aberta pela
concorrente Camargo Corrêa, primeira entre empreiteiras acusadas nos inquéritos
sobre corrupção a aceitar um compromisso judicial para mudar de forma radical
as relações com políticos, partidos e governos. A Andrade Gutierrez diz
acreditar que “a Operação Lava-Jato
poderá servir como um catalisador para profundas mudanças culturais, que
transformem o modo de fazer negócios no país”.
É ótima notícia num
ambiente tumultuado por um governo que há muito perdeu a bússola e agora fenece
por inanição política.
Fonte: José Casado, jornalista – O Globo
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