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sábado, 13 de agosto de 2022

O capital e a democracia - Carlos Alberto Sardenberg

Nos anos 60, depois da chegada de João Goulart à presidência, a ampla maioria do empresariado (incluindo setores industrial, comercial, agro e financeiro), apoiou o golpe [SIC]  contra a “ameaça comunista”. Sempre foi impossível a instalação de um regime comunista por aqui. 
Mas no momento da guerra fria, com União Soviética e Cuba financiando partidos pela América Latina, o discurso da ameaça pegava bem.

Depois da instalação dos generais no poder, o capital continuou apoiando a ditadura, mas com variações. Os mais liberais, em clara minoria, logo se decepcionaram. Esperavam um governo de transição e eleições em 1965, entre Lacerda e Kubitschek, não importando qual deles ganhasse. O governo JK havia gerado muitos negócios. [naquela época o nome era 'negócios'.].

Por outro lado, uma minoria extremada à direita não apenas sempre apoiou a ditadura, como chegou a financiar os órgãos de repressão. [repressão = ação das forças patrióticas de segurança do Brasil contra brasileiros traidores e a serviço da maldita esquerda.] A maioria, no meio, deixou levar. O governo Castello Branco havia feito importantes reformas econômicas. Ditaduras de direita, pró-EUA, se espalhavam pela AL, sempre sob a ideia de salvar o capitalismo contra o comunismo. 
E com o “milagre econômico”, o período de forte crescimento do mundo emergente, Brasil na onda, o capital não tinha do que se queixar.

Houve uma mudança significativa no governo Geisel (1974/79) – uma espécie de antecipação dos campeões nacionais. No programa de desenvolvimento da indústria de base, Geisel criou o modelo tripartite a formação de grandes empresas com capital dividido entre o governo, uma multinacional e um empresário local.

Com o tempo surgiu uma geração de novos empresários brasileiros, geiselistas fiéis. Até que vieram as crises econômicas – primeiro a do petróleo e depois da alta dos juros nos EUA, que quebrou a AL. A ditadura começou a ser contestada no lado da gestão econômica. Seria mesmo necessário um “regime forte” para promover o desenvolvimento capitalista?

Nesse momento, começo dos 80, combinaram-se fatores políticos e econômicos. No primeiro caso, acentuava-se a repulsa à ditadura, aos porões da tortura, ao controle da política partidária, à censura. De outro lado, as sucessivas crises da dívida externa e a recessão retiraram da ditadura seu último argumento: a eficiência econômica. Foi o fim.

Como aconteceu nesta semana, setores empresariais começaram a apoiar as manifestações pró-democracia que surgiam nos meios jurídicos, acadêmicos e políticos, liderados por gigantes como Ulysses Guimarães, Tancredo, Franco Montoro.

Enfim, vai prevalecendo a tese de que o desenvolvimento capitalista requer um ambiente de liberdade. Cai a ditadura por aqui e, desgraçadamente, o país democratizado passa por seguidas convulsões econômicas hiperinflação, contas públicas no buraco e a falta de dólares que levou Sarney a decretar moratória. Sem moeda e caloteiros – assim estávamos.

Foi assim até o Real de FHC. Não foi apenas uma nova moeda, estável. Mas toda uma construção – responsabilidade fiscal, acerto das contas externas, privatizações em setores chaves, reforma administrativa e uma quase reforma da previdência. O país mudou da água para o vinho, bom vinho. Capital e democracia estavam de bem. Era tamanha a estabilidade que se tornou possível a eleição e posse de Lula. Verdade que houve turbulência nos mercados dólar foi a R$ 4,00 na véspera da eleição (setembro de 2002), o que equivaleria hoje a mais de dez reais.

Tudo se acalmou com a ortodoxia econômica de Lula e o boom das comodities. O capital adorou. Mas tudo se estragou com as sucessivas lambanças do PTmensalão, petrolão, volta da inflação elevada e dois anos de recessão.

Surgiu o anti-petismo, apeado amplamente pelo capital. E o país caiu nesse horror de Bolsonaro. [em que pese a notória competência do ilustre Sardenberg, ele tem uma pauta da cumprir.]

O empresariado, como vimos nas últimas semanas, está abandonando Bolsonaro. E flertando com Lula, esperando que seja o do primeiro mandato. E com alguma desculpa pelos erros. [curioso: abandonando e Bolsonaro crescendo - em um simples bate-papo conseguiu uma audiência e atenção que os esquerdistas não conseguiram com a cartinha, ou cartinhas; o Manifesto pró LIBERDADES e pró Bolsonaro, lançado depois da primeira cartinha e sem nenhuma divulgação pela velha imprensa, já soma mais assinaturas do que todas as cartinhas somadas =  aliás, se assinaturas tivessem o valor que atribuem quando falam das cartinhas o ministro Moraes há muito teria sido impedido = um dos abaixo-assinados pelo seu impeachment ultrapassou mais de 2.000.000 de assinaturas.]

A ver.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista

Coluna publicada em O Globo