Vera Magalhães
Bolsonaro, isolamento meia boca e falta de dados tornam País pária mundial
Terceiro mundo, se for
Piada no exterior
Mas o Brasil vai ficar rico
Vamos faturar um milhão
[um lembrete à ilustre articulista se impõe:
- o isolamento social está por conta dos governadores e prefeitos, que se perderam, erraram a saída, a intensidade do isolamento e o momento de sair, com isso estão transformando o que seria o achatamento da curva em estabilização de um platô - tudo indica que só nos resta esperar a tão temida 'imunidade de rebanho'.
Uma decisão do Supremo Tribunal Federal reconhecer ser dos estados e municípios = governadores e prefeitos = a competência para legislar sobre medidas de isolamento e outras para combater o coronavírus - com isso ficou o governo federal impedido de interferir.
A única medida que ficou para a União Federal foi abrir os cofres para os prefeitos e governadores gastarem - seguindo metas estabelecidas pelo Congresso.
Pelo exposto, é inequívoco que o isolamento meia boca não foi articulado, planejado, criado pelo presidente Bolsonaro o que, como consequência faz com que os epítetos destacados, em em itálico e vermelho, pertencem aos governadores e prefeitos.]
Renato Russo escreveu os versos de Que País é Esse? em 1987. De lá para
cá, voltamos a eleger presidentes, dois dos cinco eleitos sofreram
impeachment, ainda integramos o que se chamava de Terceiro Mundo na
época dele, e agora se diz eufemisticamente país em desenvolvimento, e
vivemos a primeira pandemia de um século que o líder do Legião Urbana
não chegou a conhecer ainda na condição de piada no exterior.
O desgoverno Jair Bolsonaro, como o Estado consagrou em sua capa neste
sábado, nos faz enfrentar o novo coronavírus de forma destrambelhada.
Irresponsabilidade, omissão, sarcasmo, falta de empatia, autoritarismo,
fanatismo, desapreço pela ciência e desprezo pela vida compõem o arsenal
que o presidente da República lança, como perdigotos tóxicos, sobre uma
Nação estupefata todos os dias.
Jogamos fora a vantagem temporal que tínhamos em relação à Ásia, à
Europa e aos Estados Unidos no enfrentamento da covid-19 descartando as
experiências exitosas que essas regiões tiveram e piorando as
desastradas, algo que choca a imprensa internacional, a comunidade
médica e científica global e os investidores já assustados com uma
recessão planetária sem precedentes. É perceptível em textos de
publicações científicas internacionais, em comentários em telejornais de
outros países e em análises que agências de risco ou papers acadêmicos a
dificuldade até de explicar certas atitudes e declarações de Bolsonaro,
dado seu descolamento de qualquer traço de realidade.
A demissão do segundo ministro da Saúde em 29 dias no pico da pandemia
foi a cereja desse bolo de vergonha mundial que somos obrigados a
passar, como se já não fossem tantos os desafios perturbadores impostos
pelo desgoverno e pela pandemia em si. Paulo Guedes pode se esgoelar para falar que fez tudo certo, Tereza
Cristina merece elogios por tentar limpar nossa barra com parceiros
comerciais ofendidos grosseiramente por seu chefe e seus pares, mas não
nos enganemos: dada nossa incapacidade de formular qualquer plano
racional para saída programada de um isolamento sabotado desde o dia 1
pelo presidente, pegaremos a cauda do cometa da recuperação econômica
global. Essa retomada não será nada simples, nem linear. Os países
reemergem de suas quarentenas atingidos de forma diferente e mais
fechados.
Vera Magalhães, jornalista - O Estado de S. Paulo