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segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Forças Armadas - O papel atual - O Estado de S.Paulo - Editorial

 Blog do Noblat

No Estado Democrático de Direito, ele está definido na Constituição e nas leis que tratam da atuação dos militares 

 Editorial de O Estado de S. Paulo (14/11/2020)

[atualização: no dia 14 p.p., o Ministério da Defesa e os Comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica emitiram nota conjunta (íntegra ao final) que reforça as manifestações do general Pujol, e a subordinação das FF AA à Constituição Federal e às Leis Complementares que estabeleceu sua destinação, finalidades, preparo, uso e emprego.

Ao final, postamos um vídeo sobre comentários da Nota conjunta referida acima.]

Em duas ocasiões recentes, o comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, manifestou de forma inequívoca o compromisso das Forças Armadas, em especial o da Força Terrestre, com a missão inarredável que lhes é atribuída pela Constituição. Em evento online promovido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) sobre defesa e segurança, no dia 12 passado, o general Pujol afirmou que não só as tropas não querem “fazer parte da política”, como “muito menos deixar que ela entre nos quartéis”.
Homens das Forças Armadas patrulham as ruas no Rio de Janeiro - 31/07/2017 Mauro PIMENTEL/AFP
[a presença das Forças Armadas na ruas e aumento do efetivo das demais forças de segurança são medidas necessárias para que a criminalidade perca espaço e a população ganhe segurança e tranquilidade. Essencial é que legislação complementar forneça meios que permitam uma atuação mais eficiente das Forças Armadas no sentido de que passem a ser considerada FORÇAS DO BEM, impedindo que ao iniciar suas ações de combate à criminalidade já entrem com a classificação de culpadas.] 

No dia seguinte, durante o Seminário de Defesa Nacional, realizado pelo Ministério da Defesa na Escola Superior de Guerra, o general Pujol voltou a tratar do assunto ao abrir a sua exposição sobre o plano estratégico do Exército enfatizando que a Força sob seu comando é e sempre será “uma instituição de Estado, permanente, e não de governo”, uma instituição cujo compromisso é “com a Constituição e com o País”.

As mensagens de Pujol foram reforçadas pelo vice-presidente da República. Ao portal G1, Hamilton Mourão disse que “não se admite política nos quartéis porque isso acaba com os pilares básicos das Forças Armadas, a disciplina e a hierarquia”.

São raras as manifestações públicas do comandante do Exército, sobretudo para tratar de tema tão sensível nestes tempos estranhos de flerte desabrido com ideias autoritárias. 
Qual é, afinal, o papel das Forças Armadas num Estado Democrático de Direito, como é o Brasil? 
Como impedir que a política “entre nos quartéis”, se o próprio presidente da República, o comandante em chefe das Forças Armadas, insiste em se utilizar delas para intimidar adversários e demonstrar prestígio político?

O estrito respeito à Lei Maior e às leis complementares que tratam da atuação dos militares é a resposta. Elas delimitam muito bem quando e como as Forças Armadas devem ser empregadas. Não há espaço para confusão que dê azo a interpretações mais extravagantes desses marcos legais. As Forças Armadas se destinam “à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”, como determina o art. 142 da Constituição. [A Lei Complementar 97/99 assume função especial, por ter sido editada em cumprimento ao mandamento constitucional constante do § Único, do art. 142 da Constituição Federal.]

Portanto, um seminário sobre defesa nacional, como o organizado pelo Ministério da Defesa, tem fundamental importância, antes de tudo, por ampliar o debate sobre um tema que está longe de estar restrito aos quartéis. A defesa nacional é um assunto de interesse de toda a sociedade, e esta deve ter uma visão clara sobre as condições republicanas para o emprego de suas Forças Armadas. Dirimir as contendas próprias da seara política não está entre elas.

Não por outra razão, a lei determina que o Ministério da Defesa submeta à apreciação do Congresso a Política Nacional de Defesa (PND), a Estratégia Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco de Defesa Nacional, o que ocorreu em julho deste ano. As Forças Armadas são os meios pelos quais se executam as altas diretrizes de defesa e soberania definidas pela sociedade por meio de seus representantes. A elas devem se ater os planejamentos estratégicos de cada uma das Forças singulares.

Livro Branco
O comandante da Marinha, almirante Ilques Barbosa, salientou muito bem a necessidade de preparação da Força Naval para o cumprimento de sua missão constitucional diante da “multiplicidade de ameaças” no século 21, que é absolutamente distinta do contexto que marcou grandes guerras do passado.

O brigadeiro Antônio Carlos Bermudez, comandante da Aeronáutica, ressaltou a necessidade de inserir o Brasil no mercado global de defesa ao apresentar o planejamento estratégico da Força Aérea, em especial com a inauguração do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão.

O diálogo permanente entre as Forças Armadas e a sociedade, por meio de fóruns como os realizados pelo IREE e pelo Ministério da Defesa, é vital, por um lado, para a compreensão do papel dos militares na democracia e, por outro, para que a sociedade também possa ter mais clareza sobre a importância da defesa nacional.

Blog do Noblat - VEJA 

Íntegra da nota assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes militares:

NOTA OFICIAL
A respeito de recentes publicações e especulações envolvendo o Governo e as Forças Armadas, o Ministro de Estado da Defesa e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica esclarecem que:

- A característica fundamental das Forças Armadas como instituições de Estado, permanentes e necessariamente apartadas da política partidária, conforme ressaltado recentemente por chefes militares, durante seminários programados, é prevista em texto constitucional e em nada destoa do entendimento do Governo e do Presidente da República;

- O Presidente da República, como Comandante Supremo, tem demonstrado, por meio de decisões, declarações e presença junto às tropas, apreço pelas Forças Armadas, ao que tem sido correspondido;

- O único representante político das Forças Armadas, como integrante do Governo, é o Ministro da Defesa;

- Os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, quando se manifestam, sempre falam em termos institucionais, sobre as atividades e as necessidades de preparo e emprego das suas Forças, que estão voltadas exclusivamente para as missões definidas pela Constituição Federal e Leis Complementares;

- As Forças Armadas direcionam todos os seus esforços exclusivamente para o cumprimento de suas missões, estando presentes em todo o País. 
Atualmente, atuam no combate ao novo coronavírus (Operação Covid-19), inclusive com apoio às comunidades indígenas; 
no combate aos crimes ambientais, ao desmatamento e às queimadas na Amazônia (Operação Verde Brasil 
2); no acolhimento e interiorização de refugiados da crise na Venezuela (Operação Acolhida); 
no combate aos crimes transnacionais (Operação Ágata); 
no apoio às eleições 2020 (logística e garantia da votação e apuração); 
no apoio à população do Amapá, em função da recente crise gerada por falta de energia elétrica; em ações humanitárias e sociais, como a Operação Carro-Pipa (que leva água a milhões de pessoas atingidas pela seca), o atendimento médico hospitalar às populações ribeirinhas e o transporte de órgãos para transplantes; além de inúmeras outras atividades, destacando, ainda, a essencial e diuturna proteção das fronteiras marítima, terrestre e aérea, que asseguram nossa Soberania e Desenvolvimento Nacional. Por fim, um País forte requer instituições sólidas e transparentes.

Tratar com franqueza os assuntos da Defesa, além de proporcionar o fortalecimento das instituições, contribui para o propósito de alçarmos o Brasil a níveis adequados de desenvolvimento e segurança. 

Análise sobre declarações do general Pujol, Comandante do Exército Brasileiro


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sábado, 26 de janeiro de 2019

O risco militar

A presença de militares, da ativa e da reserva, em postos eminentemente civis chama a atenção no primeiro ministério do presidente Jair Bolsonaro, ele próprio um capitão da reserva do Exército. O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, em artigo intitulado “O Governo Bolsonaro e a Questão Militar”, analisa essa “ampla fatia de poder” dos militares com cautela, advertindo para as consequências que podem afetar tanto a democracia brasileira quanto a própria corporação militar. Estejam ou não exercendo funções, os militares têm, quase sempre, visões de mundo e preferências semelhantes, comenta Octavio Amorim Neto. Além disso, a população e as elites civis percebem e tratam os militares como um grupo coeso, usem ou não farda.
A ressalva que faz lembrando que os oficiais de alta patente hoje em dia diferem muito dos que lideraram o regime de 1964-1985, sendo mais liberais em temas econômicos e mais comprometidos com a democracia e os ditames constitucionais, não o impede de levantar duas questões relevantes: o grau de controle dos militares pelos civis (ou o grau de subordinação dos militares à autoridade política dos civis) e a elaboração e orientação da política de defesa. “Não há democracia quando as Forças Armadas vetam decisões governamentais que não digam respeito à defesa nacional”, ressalta o cientista político da Fundação Getúlio Vargas do Rio. Ele admite que, até o momento, não se pode dizer que o Brasil esteja sob tutela militar, mas acha que o risco existe, sobretudo “se a corporação castrense contribuir decisivamente para a derrota da reforma da Previdência”.
A partir do final do século passado, muita coisa começou a mudar nas relações civis-militares em geral e no papel dos civis na política de defesa em particular, e Octavio Amorim Neto ressalta (1) a criação do Ministério da Defesa em 1999; (2) a publicação da Estratégia Nacional de Defesa em 2008, redigida tanto por civis como por militares; (3) o início, em 2009, de um amplo e ambicioso programa de reaparelhamento das Forças Armadas; (4) a promulgação da Lei da Nova Defesa em 2010; e (5) a publicação do primeiro Livro Branco da Defesa Nacional em 2012, escrito com considerável participação de civis.
“Aqueles fatos e eventos indicavam claramente o fortalecimento do controle dos militares pelos civis, um maior envolvimento destes na elaboração da política de defesa e uma maior saliência desta na agenda política nacional”, comenta Octavio Amorim Neto. Além de evitar golpes de Estado, Octavio Amorim Neto diz que as elites democráticas têm “a obrigação de remover os militares da política, privando-lhes de qualquer veto às decisões de governo que não digam respeito à defesa nacional e reduzindo drasticamente sua autonomia”, estabelecendo assim a supremacia civil.
A eleição de Bolsonaro tem, como primeira consequência, a suspensão dessa etapa da transição para a democracia que os militares estavam aceitando até o momento. Octavio Amorim Neto pergunta: como ficará a participação dos civis na gestão do Ministério da Defesa e na elaboração da política de defesa, já que, desde fevereiro de 2018, o MD tem sido chefiado por um general? Ele está convencido de que essas duas áreas ficarão sob total controle dos militares. “O Congresso e os partidos aceitarão passivamente isso?”. Outra questão que inquieta Octavio Amorim Neto: as Forças Armadas se concentrarão quase que exclusivamente em missões internas ao território nacional, sobretudo nas frequentes operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)?
Os comandantes do Exército sempre afirmam que GLO é desvio de função e que gostariam de concentrar-se em suas tarefas precípuas. Contudo, lembra Octavio Amorim Neto, será que realmente crêem que, com tal presença de militares no governo em atividades eminentemente civis, haverá fortes incentivos para que as Forças Armadas se dediquem prioritariamente às suas missões fundamentais, nomeadamente a defesa das fronteiras nacionais, a manutenção da paz na América do Sul, o apoio à política externa e a prontidão para guerras interestatais? Para Octavio Amorim Neto, “a história é farta em exemplos que mostram que, quando as Forças Armadas de um país passam a exercer excessivamente atividades políticas, o aprestamento (efetividade) militar é a primeira baixa”.

Merval Pereira - O Globo