A presença de militares, da ativa e da reserva, em postos eminentemente
civis chama a atenção no primeiro ministério do presidente Jair
Bolsonaro, ele próprio um capitão da reserva do Exército. O cientista
político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, em artigo
intitulado “O Governo Bolsonaro e a Questão Militar”, analisa essa
“ampla fatia de poder” dos militares com cautela, advertindo para as
consequências que podem afetar tanto a democracia brasileira quanto a
própria corporação militar. Estejam ou não exercendo funções, os militares têm, quase sempre, visões
de mundo e preferências semelhantes, comenta Octavio Amorim Neto. Além
disso, a população e as elites civis percebem e tratam os militares como
um grupo coeso, usem ou não farda.
A ressalva que faz lembrando que os oficiais de alta patente hoje em dia
diferem muito dos que lideraram o regime de 1964-1985, sendo mais
liberais em temas econômicos e mais comprometidos com a democracia e os
ditames constitucionais, não o impede de levantar duas questões
relevantes: o grau de controle dos militares pelos civis (ou o grau de
subordinação dos militares à autoridade política dos civis) e a
elaboração e orientação da política de defesa. “Não há democracia quando as Forças Armadas vetam decisões
governamentais que não digam respeito à defesa nacional”, ressalta o
cientista político da Fundação Getúlio Vargas do Rio. Ele admite que,
até o momento, não se pode dizer que o Brasil esteja sob tutela militar,
mas acha que o risco existe, sobretudo “se a corporação castrense
contribuir decisivamente para a derrota da reforma da Previdência”.
A partir do final do século passado, muita coisa começou a mudar nas
relações civis-militares em geral e no papel dos civis na política de
defesa em particular, e Octavio Amorim Neto ressalta (1) a criação do
Ministério da Defesa em 1999; (2) a publicação da Estratégia Nacional de
Defesa em 2008, redigida tanto por civis como por militares; (3) o
início, em 2009, de um amplo e ambicioso programa de reaparelhamento das
Forças Armadas; (4) a promulgação da Lei da Nova Defesa em 2010; e (5) a
publicação do primeiro Livro Branco da Defesa Nacional em 2012, escrito
com considerável participação de civis.
“Aqueles fatos e eventos indicavam claramente o fortalecimento do
controle dos militares pelos civis, um maior envolvimento destes na
elaboração da política de defesa e uma maior saliência desta na agenda
política nacional”, comenta Octavio Amorim Neto. Além de evitar golpes de Estado, Octavio Amorim Neto diz que as elites
democráticas têm “a obrigação de remover os militares da política,
privando-lhes de qualquer veto às decisões de governo que não digam
respeito à defesa nacional e reduzindo drasticamente sua autonomia”,
estabelecendo assim a supremacia civil.
A eleição de Bolsonaro tem, como primeira consequência, a suspensão
dessa etapa da transição para a democracia que os militares estavam
aceitando até o momento. Octavio Amorim Neto pergunta: como ficará a
participação dos civis na gestão do Ministério da Defesa e na elaboração
da política de defesa, já que, desde fevereiro de 2018, o MD tem sido
chefiado por um general? Ele está convencido de que essas duas áreas ficarão sob total controle
dos militares. “O Congresso e os partidos aceitarão passivamente isso?”.
Outra questão que inquieta Octavio Amorim Neto: as Forças Armadas se
concentrarão quase que exclusivamente em missões internas ao território nacional, sobretudo nas frequentes operações de Garantia da Lei e da
Ordem (GLO)?
Os comandantes do Exército sempre afirmam que GLO é desvio de função e
que gostariam de concentrar-se em suas tarefas precípuas. Contudo,
lembra Octavio Amorim Neto, será que realmente crêem que, com tal
presença de militares no governo em atividades eminentemente civis,
haverá fortes incentivos para que as Forças Armadas se dediquem
prioritariamente às suas missões fundamentais, nomeadamente a defesa das
fronteiras nacionais, a manutenção da paz na América do Sul, o apoio à
política externa e a prontidão para guerras interestatais? Para Octavio Amorim Neto, “a história é farta em exemplos que mostram
que, quando as Forças Armadas de um país passam a exercer excessivamente
atividades políticas, o aprestamento (efetividade) militar é a primeira
baixa”.
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