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sábado, 26 de janeiro de 2019

O risco militar

A presença de militares, da ativa e da reserva, em postos eminentemente civis chama a atenção no primeiro ministério do presidente Jair Bolsonaro, ele próprio um capitão da reserva do Exército. O cientista político Octavio Amorim Neto, professor da EBAPE/FGV, em artigo intitulado “O Governo Bolsonaro e a Questão Militar”, analisa essa “ampla fatia de poder” dos militares com cautela, advertindo para as consequências que podem afetar tanto a democracia brasileira quanto a própria corporação militar. Estejam ou não exercendo funções, os militares têm, quase sempre, visões de mundo e preferências semelhantes, comenta Octavio Amorim Neto. Além disso, a população e as elites civis percebem e tratam os militares como um grupo coeso, usem ou não farda.
A ressalva que faz lembrando que os oficiais de alta patente hoje em dia diferem muito dos que lideraram o regime de 1964-1985, sendo mais liberais em temas econômicos e mais comprometidos com a democracia e os ditames constitucionais, não o impede de levantar duas questões relevantes: o grau de controle dos militares pelos civis (ou o grau de subordinação dos militares à autoridade política dos civis) e a elaboração e orientação da política de defesa. “Não há democracia quando as Forças Armadas vetam decisões governamentais que não digam respeito à defesa nacional”, ressalta o cientista político da Fundação Getúlio Vargas do Rio. Ele admite que, até o momento, não se pode dizer que o Brasil esteja sob tutela militar, mas acha que o risco existe, sobretudo “se a corporação castrense contribuir decisivamente para a derrota da reforma da Previdência”.
A partir do final do século passado, muita coisa começou a mudar nas relações civis-militares em geral e no papel dos civis na política de defesa em particular, e Octavio Amorim Neto ressalta (1) a criação do Ministério da Defesa em 1999; (2) a publicação da Estratégia Nacional de Defesa em 2008, redigida tanto por civis como por militares; (3) o início, em 2009, de um amplo e ambicioso programa de reaparelhamento das Forças Armadas; (4) a promulgação da Lei da Nova Defesa em 2010; e (5) a publicação do primeiro Livro Branco da Defesa Nacional em 2012, escrito com considerável participação de civis.
“Aqueles fatos e eventos indicavam claramente o fortalecimento do controle dos militares pelos civis, um maior envolvimento destes na elaboração da política de defesa e uma maior saliência desta na agenda política nacional”, comenta Octavio Amorim Neto. Além de evitar golpes de Estado, Octavio Amorim Neto diz que as elites democráticas têm “a obrigação de remover os militares da política, privando-lhes de qualquer veto às decisões de governo que não digam respeito à defesa nacional e reduzindo drasticamente sua autonomia”, estabelecendo assim a supremacia civil.
A eleição de Bolsonaro tem, como primeira consequência, a suspensão dessa etapa da transição para a democracia que os militares estavam aceitando até o momento. Octavio Amorim Neto pergunta: como ficará a participação dos civis na gestão do Ministério da Defesa e na elaboração da política de defesa, já que, desde fevereiro de 2018, o MD tem sido chefiado por um general? Ele está convencido de que essas duas áreas ficarão sob total controle dos militares. “O Congresso e os partidos aceitarão passivamente isso?”. Outra questão que inquieta Octavio Amorim Neto: as Forças Armadas se concentrarão quase que exclusivamente em missões internas ao território nacional, sobretudo nas frequentes operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO)?
Os comandantes do Exército sempre afirmam que GLO é desvio de função e que gostariam de concentrar-se em suas tarefas precípuas. Contudo, lembra Octavio Amorim Neto, será que realmente crêem que, com tal presença de militares no governo em atividades eminentemente civis, haverá fortes incentivos para que as Forças Armadas se dediquem prioritariamente às suas missões fundamentais, nomeadamente a defesa das fronteiras nacionais, a manutenção da paz na América do Sul, o apoio à política externa e a prontidão para guerras interestatais? Para Octavio Amorim Neto, “a história é farta em exemplos que mostram que, quando as Forças Armadas de um país passam a exercer excessivamente atividades políticas, o aprestamento (efetividade) militar é a primeira baixa”.

Merval Pereira - O Globo

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