Henrique Mandetta (se não lembrar quem é vai no Google)
Gazeta do Povo - Vozes
Henrique Mandetta (se não lembrar quem é vai no Google)
surpreendeu zero pessoas ao dizer que pode ser candidato a presidente. Ou
talvez uma meia-dúzia ainda estivesse achando que aquele personagem de
coletinho e topete falando pelos cotovelos na televisão quase 24 horas por dia
era ministro da Saúde. Para quem não se lembra (estamos aqui pra isso), a
verborragia salvacionista do suposto ministro chegou a considerações
sociológicas sobre a condição humana dos traficantes de drogas. Droga pesada é
um homem usar pandemia como palanque.
Aí está. Pelo menos agora os verdadeiros propósitos saíram
do armário. Mas esse armário sempre foi transparente para quem não se recusou a
olhar para ele. Quem olhou, viu de tudo. Viu previsões levianas sobre projeção
da epidemia, um pico móvel que estava sempre um pouco adiante – e ainda hoje
está lá na linha do horizonte, em algum ponto nebuloso entre setembro e
dezembro, enquanto 2022 não vem. No registro civil o ponto mais alto de óbitos
por coronavírus no Brasil está em maio, mas o pico do Mandetta é uma
instituição comprometida com o futuro.
Ia faltar respirador (hoje sobram superfaturados), ia faltar
leito se a população não se enfiasse toda em casa – e de casa começou a vir o
maior número de infectados para os hospitais, como demonstraram os dados de
Nova York e da própria Organização Mundial da Saúde. Gente que praticou
quarentena severa pegou o vírus, porque ele não ouviu o discurso do Mandetta e
já estava por toda parte quando o confinamento começou. O famoso achatamento da
curva pelo lockdown místico não achatou nem o topete do homem do coletinho –
que continuou botando a culpa da sua demagogia eleitoreira na ciência.
Num show de coerência, depois de passar mais de um mês
pregando diariamente que todas as pessoas se isolassem totalmente umas das
outras, Mandetta se despediu do cargo de ministro da Saúde jogando às favas seu
isolacionismo – e saiu abraçando seus auxiliares sem máscara em ambiente
aglomerado. Viu como ele estava preocupado com vidas? A cena está por aí para quem quiser revisitar o monumento à
hipocrisia – e com certeza será a peça central da campanha Mandetta 22, com
narração do próprio candidato sobre as imagens eloquentes: “Olá, esse aí sou
eu, Henrique Mandetta, brincando de ministro da Saúde para tripudiar do pânico
geral no meio de uma pandemia”. Tá eleito.
Ao tirar sua politicagem do armário, Mandetta disse que pode
compor uma chapa com Sergio Moro. Será, de fato, uma chapa perfeita. Depois de
fazer história liderando a operação Lava Jato, Moro resolveu ser Mandetta na
vida. Em plena pandemia, com os cidadãos apanhando na rua a mando dos tiranetes
de lockdown, o então ministro da Justiça resolveu se dedicar à internet com
mensagens de autoajuda sobre prudência.
Soa enigmático? Mas não tem enigma nenhum aí. Sergio Moro
estava fazendo política contra Bolsonaro (o chefe do governo a que ele servia),
com a mesmíssima sutileza de elefante adotada por Mandetta para se apresentar
como “oposição” à postura do presidente a favor da circulação controlada da
população. Não se sabe se Bolsonaro estava certo ao propor o isolamento apenas
dos vulneráveis e grupos de risco, com distanciamento e proteção dos demais. O
que se sabe, com toda certeza, é que Moro e Mandetta estavam fazendo política
no meio da tragédia.
Abandonaram o barco e estão aí até hoje soltando conselhos
de prudência e “se cuida” a 1,99. Os motivos alegados por ambos para se opor e
romper com o governo continuam boiando no ar à espera de comprovação. Mas quem
confunde circo com ciência não precisa comprovar nada.
Guilherme Fiuza, jornalista - Gazeta do Povo - Vozes
Guilherme Fiuza, jornalista - Gazeta do Povo - Vozes