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quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

O desprezo do STF com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Constituição - Sérgio Alves de Oliveira

O aparelhamento “progressista” da Organização das Nações Unidas-ONU,contrariando  a “sua” própria “Declaração Universal dos Direitos Humanos”,  que delineia os direitos humanos básicos, aprovada pelos Estados-membros,  através da Resolução Nº 217 A III, em 10 de dezembro de 1948, no Palais de Chaillot, em Paris,fica a cada vez mais evidenciado.

Consoante disposto no artigo 18 da DUDH,”Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,consciência e religião...”.

Reforçando esse conteúdo,prossegue o artigo seguinte (19): “todo ser humano tem direito  à liberdade de opinião e expressão ;esse direito inclui a liberdade de,sem interferência,ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, e independentemente de fronteiras”.

Mas, infelizmente, a ONU não “(e)voluiu”. A ONU, na verdade ,“(in)voluiu”.”Deu para trás”,melhor dizendo.

Tendo virado uma (des)organização de fazer inveja ao serviço público brasileiro, com mais “repartições” que trabalhadores propriamente ditos, dando início ao seu “aparelhamento” esquerdista, progressista, que contaminou toda a sua rede  de órgãos vinculados, como a própria Organização Mundial de Saúde-OMS, dentre uma infinidade de outros órgãos, em 2006 a ONU criou o “Conselho de Direitos Humanos”, composto por 47 países, com o objetivo de debater os abusos e violações dos direitos humanos em todo o mundo (parece  que menos no Brasil),expor violações e cobrar mudanças.

Apesar de mais “resumida” que as disposições sobre liberdade de pensamento e direitos humanos da “Declaração” da ONU, também a Constituição  brasileira de 1988 estabeleceu, no artigo 5º, IV, que ”É livre a manifestação do pensamento,sendo vedado o anonimato”.

Mas esse inciso IV do art.5º da CF seria perfeitamente “dispensável”,pela sua “redundância. Ocorre que pelo parágrafo 3ª desse mesmo artigo 5º da CF,”. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados em cada Casa legislativa do Congresso Nacional ...serão equivalentes à Emenda Constitucional”.

Ora, a livre expressão do pensamento, garantida na DUDH da ONU é, portanto,”direito humano”. E a dita “Declaração” foi aprovada, homologada e ratificada pelo Brasil. Portanto é como se fosse um artigo próprio inserido na própria Constituição.”É” Constituição.

Mas no Brasil da atualidade as disposições sobre liberdade de expressão do pensamento, como legítimo  direito humano consagrado tanto na Declaração dos Direitos Humanos, quanto na Constituição, estão sendo totalmente desprezadas por alguns “tiranetes” togados do Supremo Tribunal Federal, com “apoio”, por omissão, do Colegiado de Ministros, que mesmo agindo monocraticamente, mandam prender, sem qualquer  julgamento, agindo como tribunal de “exceção”, qualquer pessoa que dê alguma declaração que lhe desagrade. São os casos do jornalista Allan dos Santos, do Deputado Federal Daniel Silveira,e do Presidente do PTB,Roberto Jefferson,dentre inúmeros outros.

Como esse Tribunal ainda tem a cara de pau de dizer-se “guardião” da Constituição, desde o momento em que é o primeiro a atropelá-la?

E  qual a explicação das “vistas grossas” do Conselho de Direitos Humanos da ONU frente a esses atropelos grotescos  dos direitos humanos no Brasil? 
Seria “identidade ideológica progressista”?

Sérgio Alves de Oliveira - Advogado e Sociólogo


terça-feira, 23 de março de 2021

Quem estica a corda? - Merval Pereira

O Globo

Ameaças de Bolsonaro

Do jeito que a coisa vai, o Exército brasileiro será colocado à prova muito em breve, quando o presidente da República resolver decretar o estado de sítio, ou estado de defesa, ou qualquer medida emergencial para calar os que o criticam e controlar as instituições.

 
O ex-comandante do Exército e general Eduardo Villas Bôas revelou em entrevistas que a instituição foi sondada por emissários petistas para apoiar a decretação de estado de defesa durante a tramitação no Congresso do processo de impeachment que acabou tirando Dilma Rousseff da Presidência da República. O general disse que assessores militares no Congresso foram procurados, mas o Exército rechaçou a sondagem.

[o esticamento da corda tem vários atores, mas o mais acintoso é o que vez ou outra o Supremo promove = em decisões monocráticas, que representam,  pelo menos naquele momento,  a vontade do STF.
Ano passado, foi determinado pelo então decano do STF a condução de oficiais-generais, se necessário debaixo de vara - e se eles decidem 0or não comparecer, dado o caráter ofensivo da condução.
O mesmo ministro determinou que o presidente da Repú7blica comparecesse à Policia Federal para prestar depoimento.
Se o assunto tem curso, porém, no dia da audiência o presidente decide não comparecer.
E o então ministro emite ordem para que a Polícia Federal prenda o presidente onde se encontre - uma versão tipo flagrante perenemente possível na prática do crime de desobediência.
Viaturas da Polícia Federal tentariam entrar no Palácio da Alvorada - residência do presidente da República e sob a guarda do Exército Brasileiro. 
Por óbvio não conseguiriam efetuar a prisão por : 'obstrução de Justiça?' . Cometida pelo EB sob o comando do seu Comandante?
Tem vários outros exemplos, com destaque para o Poder Judiciário.
Situações que sempre ao alvo da medida contestável a perguntar: "se eu resolver não obedecer?"]


A ex-presidente negou ter acontecido tal episódio e desafiou Villas Bôas a revelar quem foi o emissário petista, mas não obteve resposta. De qualquer maneira, no relato do general, um ícone do Exército, autor de um famoso tuíte, às vésperas do julgamento de um habeas corpus para Lula no Supremo Tribunal Federal (STF), interpretado como pressão sobre os ministros para que não soltassem o ex-presidente, o Exército brasileiro rejeitou uma tentativa de golpe, o que seria uma atitude em defesa da democracia e do estado de direito.

O que se coloca hoje é qual seria a atitude do Exército, do qual Bolsonaro é oriundo e de cujo governo diversos militares, inclusive da ativa, fazem parte, se o presidente tentasse recorrer a uma regra constitucional excepcional para impedir que seus adversários políticos se pronunciem ou que manifestações a favor do impeachment prosperassem?

O presidente Bolsonaro usa o que chama de “meu Exército” [O Exército Brasileiro,
o Exército de Caxias,  o nosso Exército, o meu Exército,  o Exército de todos os brasileiros - o que inclui o colunista - é também o Exército do Presidente da República, tão 'dono' da Força Terrestre, quanto os demais 'donos', sendo também o seu comandante supremo]   que é também o seu comandante  para respaldar suas sandices, como fez domingo, em frente ao Palácio da Alvorada, saudado por centenas de apoiadores. Voltou a chamar os governadores e prefeitos que estão decretando medidas de restrição social, e em alguns casos lockdown, de “tiranetes ou tiranos” que, segundo ele, “tolhem a liberdade de muitos de vocês”.

Anteriormente, ele já dissera que estava chegando o momento “de tomar medidas duras” e comparou o fechamento de comércio e outros estabelecimentos a uma medida de exceção como o estado de sítio. Mais uma vez, fazendo prognósticos sombrios sobre fome dos cidadãos, perguntou: “Será que o governo federal vai ter que tomar uma decisão antes que isso aconteça? Será que a população está preparada para uma ação do governo federal dura no tocante a isso?”.

No domingo, retomou o tema, afirmando que poderiam contar “com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”. O presidente voltou a advertir que “estão esticando a corda” e que faria qualquer coisa “pelo meu povo”. Esse discurso delirante leva novamente à discussão sobre a tendência de Bolsonaro usar o Exército como arma de ataque aos que considera seus inimigos, agora sendo a vez de governadores e prefeitos. Tendo entrado no Supremo contra medidas de isolamento social adotadas no Distrito Federal e nos estados da Bahia e do Rio Grande do Sul, o presidente Bolsonaro faz uma pegadinha com os ministros.

Ele sabe que a tendência é negarem seu pedido, ou simplesmente nem o examinarem, pois o Supremo já decidiu sobre o assunto, dando poderes aos estados e municípios para tomar as medidas necessárias, sem retirar do Executivo qualquer iniciativa que deva ser adotada. [resultando implícito que qualquer decisão do Executivo,  que contrarie medida considerada necessária por prefeitos e/ou governadores, é abatida no nascedouro.  
O fato  - que agora,  inutilmente,  procuram apagar - é que os  ministros do Supremo em abril passado, decretaram que o protagonismo das ações de combate ao coronavírus seria dos governadores e prefeitos = qualquer medida do presidente contrariando o decidido não teria validade.  
Nasceu aberrações como uma rua de BH de um lado ficou fechada e no do outro - pertencente a um município da área metropolitana da capital mineira - podia abrir tudo. O belo-horizontino interessado em se aglomerar, atravessava a rua, aglomerava, voltada a BH com alguns vírus de carona e nada era feito. Ficasse a coordenação central, o comando central com o Poder Executivo da União este poderia decidir o melhor para a região/situação.Ainda que o decidido contrariasse a vontade de um dos prefeitos.
Em São Paulo ocorreu de em um shopping ser permitido as lojas de um lado do corredor abrirem e no outro lado era proibido abrir. No Distrito Federal e no Entorno tais situações de tornaram rotineiras. Tanto que Ibaneis Rocha, governador do DF, impôs o uso de máscara (por sinal, necessário) no DF e viajara para cidade vizinha para se aglomerar sem máscara.
A situação do Supremo é que qualquer que seja a decisão que profira, estará confirmando de forma  direta ou tácita da decisão tomada em abril passado. Vejamos:
- Se nega a examinar o processo = a negativa expressa tacitamente a concordância com a situação atual - prefeitos e governadores no assunto tem prioridade sobre o presidente da República; 
- Rejeita a petição do presidente =  expressando que ratificam a situação vigente, estabelecida pelo STF em março passado.
- Aceitam o requerido pelo presidente.]

Quer simplesmente Bolsonaro reafirmar sua tese de que o STF e os governadores não o deixam governar, uma tese mentirosa e perigosa, pois pode embasar a tentativa de golpe que ameaça sempre.   fato é que Bolsonaro, com o desastre que patrocina no combate à Covid-19, está perdendo apoio, o que demonstra a carta dos economistas divulgada na coluna de domingo, que desmascara a tese de que é a esquerda que está contra seu governo. E também apoio político, pois até mesmo o Centrão já está temeroso de continuar uma aliança acriticamente, só pensando nas benesses imediatas, sem medir as consequências de longo prazo de estar abraçado a um presidente que pode naufragar nessa travessia.

Merval Pereira, jornalista - O Globo 

 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Ativista trans estupra mulher, confessa e continua nos holofotes. Qual o limite? - Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

O respeito à dignidade humana é a linha divisória entre militância e radicalismo autoritário.

Muita gente nos movimentos identitários está surpresa com a crueldade de algumas pessoas que usam a causa para justificar a própria perversidade. Quem já foi alvo dos movimentos não vê a menor surpresa. Todo grupo que se julga moralmente superior tende a criar tiranetes, lideranças cruéis que jamais revêem atitudes ou posicionamentos porque se consideram necessariamente boas. A era da hiperconectividade, a partir de 2010, reforçou esse processo em que falar é mais importante que as atitudes e frutos.

Minha dúvida ainda é qual o limite que um ativista precisa cruzar para que seu grupo o reconheça como radical ou agressivo?
Confessar um estupro com orgulho
 supostamente seria suficiente para alguém deixar de ser linha de frente de movimentos que lutam por paz e igualdade. Não foi. É uma história real, ocorrida de 2016 a 2018 nos Estados Unidos.

Trata-se de um drama humano tratado à luz das teorias identitárias e não da ciência. Uma pessoa que passou por abusos terríveis na infância tenta superar seus traumas negando a própria individualidade. Coloca na identidade de grupo, negra e trans, o motivo e a solução de todos os problemas individuais. Só que esses problemas e suas potenciais consequências continuam latentes e vão fazer uma reviravolta perversa quando a ativista chega ao topo do poder.

Cherno Biko chegou a ser retratada pela revista Time como uma das vozes mais importantes em defesa de mulheres e trans negras vítimas de violência. Ela é co-fundadora do movimento Black Lives Matter, que surgiu em 2014. A história de vida da ativista trans é bem pesada. Ela diz ter sido estuprada por um familiar desde os três anos de idade. A violência persistiu durante mais seis anos. Como muitas vítimas de estupro na infância, ela conta ter tentado sufocar essas memórias. Foi aí que encontrou o ativismo.

Abraçou a causa da violência contra mulheres negras e trans, começou a se destacar e ganhou muito espaço na mídia. O episódio 115 da série Glee, Transitioning, é sobre ela. Esteve em vários documentários importantes, inclusive um que ganhou o Emmy. Desfilou por alguns dos programas de TV mais importantes dos Estados Unidos e acabou fazendo do ativismo uma profissão. Palestrante e consultora, focava principalmente na violência sexual contra mulheres.

Até então, ninguém sabia que a ativista trans Cherno Biko jamais havia tido uma relação sexual consentida, havia sido apenas estuprada. Ela resolveu escrever um texto público com um desabafo em 24 de julho de 2016. Neste mesmo texto, contou que sua primeira experiência sexual consentida foi estuprando um homem trans. Esperava ter filhos negros e não binários. Instalou-se o escândalo, mas não acabou a militância.

No campo progressista, qualquer pergunta sobre transexualidade rende imediatamente o cancelamento por motivo de transfobia. Disforia de gênero existe, é algo que a ciência explica e precisamos acolher essas pessoas na sociedade. Ocorre que isso é muito diferente de, por exemplo, chamar de transfóbicos os homens e mulheres lésbicas que não querem ter relações sexuais com pessoas que tenham órgão sexual masculino. Vira algo místico, dissociado da ciência. Sexualidade humana é desejo e as pessoas têm diversas preferências, não pode se impor uma preferência a alguém.

Estávamos, no caso concreto, diante de uma confissão pública de estupro com o objetivo de fazer bebês negros e não binários, algo extremamente grave. Só que essa pessoa tinha, além da fama e poder, uma carta na manga: quem a contraria é cancelado imediatamente pela militância. No caso falamos de militância trans e da fundadora do Black Lives Matter. Se você acha que, a partir desse momento, passou a haver um caso de polícia, engana-se. A ativista trans continuou brilhando.

Como a pessoa estuprada nasceu mulher, mas dizia se identificar como homem branco e era parte do movimento identitário, não havia dado queixa do estupro por concluir que era culpada. Depois que o caso veio à tona, declarou que adquiriu os privilégios do patriarcado ao se tornar homem, tendo superioridade física e anatômica quando se compara com Cherno Biko. Surgiram outras denúncias de estupro. No meio dessa discussão pública, a ativista foi chamada para discursar na Marcha das Mulheres em Washington.

Várias organizações de defesa das mulheres e organizações conservadoras questionaram duramente a irresponsabilidade de deixar alguém que confessou publicamente estupro e estava sendo acusada por outros à frente de luta contra a violência sexual. Não estivéssemos vivendo uma distopia, seria óbvio. Aqui não se trata nem de apurar os fatos para ver se a pessoa realmente tinha feito isso, ela própria havia confessado. Disse ainda que não via como estupro o estupro que cometeu.

“À medida que comecei a aprender mais sobre consentimento, descobri que, segundo a lei [do Estado de Nova York], é impossível para uma pessoa mentalmente instável dar consentimento. Lutei com essa ideia porque ela não deixa espaço para vários graus de doença mental ou para pessoas que sofrem de doença mental, mas nunca foram diagnosticadas como eu.”, declarou a ativista Cherno Biko. Foi questão de dias para que passasse a vítima do caso, mostrando como o racismo, a transfobia e o capacitismo faziam com que o julgamento fosse mais pesado que de um homem branco cis. O mais impressionante é que colou.

Após a confissão pública de estupro, além de ser convidada para falar na Marcha das Mulheres de Washington, a ativista continuava sendo membro do Conselho Consultivo de Mulheres Jovens da cidade de Nova Iorque. A atuação da militância trans começava a ter um problema real ao distribuir justiça por critério identitário, sem sequer levar em conta as ações das pessoas. Na cidade, uma lei pune com multa de até US$ 250 mil quem se referir de maneira pejorativa a uma pessoa trans.

Essa lei aparentemente bem intencionada acabou inibindo o registro de outros estupros, aqueles que não foram confessados pela ativista trans. Havia a possibilidade de que ela considerasse pejorativa uma referência ao próprio órgão sexual pelo nome, o que seria inevitável para prestar uma queixa dessa natureza. Assim, ela poderia processar a vítima por nomear seu órgão sexual na denúncia de estupro, com possibilidade de receber uma polpuda indenização.

Na época, a ativista trans Cherno Biko era uma das estrelas do debate nacional sobre o uso de banheiros femininos nas escolas, banheiros únicos e a possibilidade de manter trans em presídios femininos. E continuou sendo referência mesmo depois de confessar publicamente um estupro. Se isso não foi suficiente para a militância identitária repensar seus métodos, eu não sei o que seria. Espero que algo traga um despertar.

Diante desse tipo de aberração, muitas pessoas tendem a focar no conteúdo. Por não verem credibilidade em quem age diferente do que prega, muitos invalidam a causa em si. É um erro grotesco dizer que não há pessoas trans ou que o racismo já foi superado quando vemos casos do tipo. Pode ser tentador, mas é incorreto pensar que todas as pessoas envolvidas nessas causas se comportam assim. Há grupos sectários reunidos em torno de diversos temas e o problema não está no tema em si, mas no contexto.

Sempre houve radicais e intolerantes em todo tipo de grupo, a diferença é o efeito que eles causam em uma sociedade hiperconectada como ficou a nossa. A militância que parte de ideias místicas tem grande probabilidade de se converter em um grupo autoritário. Na esquerda há o conceito de Woke, aquele grupo que já passou por um "acordar" para as estruturas injustas. Na direita há o conceito de "Red Pill", aqueles que enxergam tramas porque estão fora da Matrix. É uma forma concreta de negar dignidade a quem não faz parte do grupo.

A linha de corte entre grupos democráticos e autoritários é o respeito à dignidade do outro, principalmente do adversário. Um estupro é o exemplo lapidar de desconsideração da dignidade alheia. Muitos grupos cunham termos próprios para operacionalizar esse processo. Quem fala aqueles termos é ouvido, já que é Woke ou Redpillado. Quem não domina o vocabulário é ouvido só para que se ache um erro a corrigir naquela fala ou postura, ainda que imaginário.

Muito tempo atrás, alguém deu a dica de olhar os frutos. Pouco importa o que a pessoa diz, como aparece, quem fala dela. Olhem os frutos. É o contexto, não o conteúdo. Gostamos de ter razão, criamos afeição para quem diz exatamente o que pensamos. Como hoje há muitos jeitos de falar o tempo todo, multiplicam-se as oportunidades para liderar um grupo em torno de uma causa. Temos colhido diversos tipos de frutos envenenados. Não é possível continuar dando espaço de liderança a pessoas que deixam um rastro de destruição por onde passam. Atualmente, isso é um esporte mundial.

Madeleine Lacsko, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

domingo, 26 de julho de 2020

Mandetta 2022: lá vem o pico - Guilherme Fiuza

Henrique Mandetta (se não lembrar quem é vai no Google) 

Gazeta do Povo - Vozes

Henrique Mandetta (se não lembrar quem é vai no Google) surpreendeu zero pessoas ao dizer que pode ser candidato a presidente. Ou talvez uma meia-dúzia ainda estivesse achando que aquele personagem de coletinho e topete falando pelos cotovelos na televisão quase 24 horas por dia era ministro da Saúde. Para quem não se lembra (estamos aqui pra isso), a verborragia salvacionista do suposto ministro chegou a considerações sociológicas sobre a condição humana dos traficantes de drogas. Droga pesada é um homem usar pandemia como palanque.

Aí está. Pelo menos agora os verdadeiros propósitos saíram do armário. Mas esse armário sempre foi transparente para quem não se recusou a olhar para ele. Quem olhou, viu de tudo. Viu previsões levianas sobre projeção da epidemia, um pico móvel que estava sempre um pouco adiante – e ainda hoje está lá na linha do horizonte, em algum ponto nebuloso entre setembro e dezembro, enquanto 2022 não vem. No registro civil o ponto mais alto de óbitos por coronavírus no Brasil está em maio, mas o pico do Mandetta é uma instituição comprometida com o futuro.

Ia faltar respirador (hoje sobram superfaturados), ia faltar leito se a população não se enfiasse toda em casa – e de casa começou a vir o maior número de infectados para os hospitais, como demonstraram os dados de Nova York e da própria Organização Mundial da Saúde. Gente que praticou quarentena severa pegou o vírus, porque ele não ouviu o discurso do Mandetta e já estava por toda parte quando o confinamento começou. O famoso achatamento da curva pelo lockdown místico não achatou nem o topete do homem do coletinho – que continuou botando a culpa da sua demagogia eleitoreira na ciência.

Num show de coerência, depois de passar mais de um mês pregando diariamente que todas as pessoas se isolassem totalmente umas das outras, Mandetta se despediu do cargo de ministro da Saúde jogando às favas seu isolacionismo e saiu abraçando seus auxiliares sem máscara em ambiente aglomerado. Viu como ele estava preocupado com vidas? A cena está por aí para quem quiser revisitar o monumento à hipocrisia – e com certeza será a peça central da campanha Mandetta 22, com narração do próprio candidato sobre as imagens eloquentes: “Olá, esse aí sou eu, Henrique Mandetta, brincando de ministro da Saúde para tripudiar do pânico geral no meio de uma pandemia”. Tá eleito.

Ao tirar sua politicagem do armário, Mandetta disse que pode compor uma chapa com Sergio Moro. Será, de fato, uma chapa perfeita. Depois de fazer história liderando a operação Lava Jato, Moro resolveu ser Mandetta na vida. Em plena pandemia, com os cidadãos apanhando na rua a mando dos tiranetes de lockdown, o então ministro da Justiça resolveu se dedicar à internet com mensagens de autoajuda sobre prudência.

Soa enigmático? Mas não tem enigma nenhum aí. Sergio Moro estava fazendo política contra Bolsonaro (o chefe do governo a que ele servia), com a mesmíssima sutileza de elefante adotada por Mandetta para se apresentar como “oposição” à postura do presidente a favor da circulação controlada da população. Não se sabe se Bolsonaro estava certo ao propor o isolamento apenas dos vulneráveis e grupos de risco, com distanciamento e proteção dos demais. O que se sabe, com toda certeza, é que Moro e Mandetta estavam fazendo política no meio da tragédia.

Abandonaram o barco e estão aí até hoje soltando conselhos de prudência e “se cuida” a 1,99. Os motivos alegados por ambos para se opor e romper com o governo continuam boiando no ar à espera de comprovação. Mas quem confunde circo com ciência não precisa comprovar nada.

Guilherme Fiuza, jornalista - Gazeta do Povo - Vozes



domingo, 22 de julho de 2018

O Lula nicaraguense e o Ortega brasileiro



Os dois tiranetes saíram da Historia para cair na vida

Ambos nascidos em 1945, Lula e Daniel Ortega chegaram à presidência da República fantasiadas de protetores dos injustiçados e pais dos pobres. O comandante da revolução sandinista livraria a Nicarágua dos horrores da ditadura de Anastasio Somoza. O chefão do PT libertaria o Brasil da elite exploradora que saqueava o país desde 1500.

Aos 72 anos, os dois reduziram a frangalhos as fantasias que vestiram no século passado. Tanto Lula quanto Ortega jogaram no lixo promessas, amigos honestos, normas éticas e valores morais, fora o resto. Saíram da História para cair na vida. Serão lembrados em asteriscos de pé de página como mais dois tiranetes destes trêfegos trópicos. Dois vigaristas que se venderam aos ricaços que fingiam odiar.

Lula é um Ortega brasileiro. Ortega é um Lula nicaraguense. A diferença é que um deles está fora da cadeia. Por enquanto.