Quadrilha internacional trouxe cocaína das Farc para o Brasil e mirava África
Grupo que fazia rota Venezuela-Colômbia passou a mirar o País em 2013, após racha interno; traficantes se preparavam para atuar no trajeto entre Paramaribo, no Suriname, e a Guiné-Bissau, antiga colônia portuguesa
A organização criminosa formada por empresários brasileiros para transportar cocaína das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) da Venezuela para Honduras, revelada ontem pelo Estado, passou a operar em 2013 no tráfico também para o Brasil. Além disso, os traficantes se preparavam para uma nova rota: de Paramaribo, no Suriname, para a Guiné-Bissau, antiga colônia portuguesa na África.
De acordo com relatório do delegado Rodrigo Levin, da Delegacia de
Repressão a Entorpecentes da Superintendência da Polícia Federal (PF),
em São Paulo, os empresários Ronald Roland e Manoel Meleiro Gonsalez
viajaram para Bogotá em 13 de maio de 2013 e permaneceram lá por três
dias.
“Foi uma viagem de negócios. Mantiveram contatos com traficantes
locais”, afirma em seu relatório entregue à Justiça Federal. De acordo
com ele, foram “apresentados a novas demandas e a novas rotas de
interesse dos traficantes colombianos”.
O contato dos acusados seria o traficante Euder Jaramillo Perdomo. O
resultado das reuniões foi repassado ao homem apontado como o líder da
organização: o fazendeiro Paulo Flores. Em 14 de maio, Roland consultou
um dos pilotos da organização sobre qual aeronave teria capacidade para
cruzar o Atlântico, que sugeriu um Learjet da família 50, com autonomia
para voo de 4,6 mil quilômetros. Os traficantes calculam que o avião
seria capaz de transportar até 1,2 tonelada de cocaína.
A troca de mensagens interceptadas pela PF mostra que a organização
decidiu pela compra de outra aeronave, um Falcon 200, com capacidade
para nove passageiros. Em 28 de maio de 2013, o grupo já tinha um avião
disponível no Suriname. Em 20 dias, os colombianos iam levar a droga até
o Suriname para o embarque.
Competência
A investigação da PF não prosseguiu sobre a nova rota porque o
avião usado possivelmente não era brasileiro. Foi o uso de aeronaves
brasileiras no tráfico internacional de drogas que permitiu à PF apurar
os crimes, pois o interior deles é considerado território nacional. A
competência para apurar os delitos cometidos a bordo é da Justiça
Federal. No caso da conexão do Suriname e da Guiné-Bissau, a PF não
detectou outros carregamentos ou preparativos feitos pelo grupo para o
transporte de cocaína.
Em 2013, a organização criminosa que cuidava do transporte aéreo de
toneladas de cocaína rachou. De acordo com o relatório da PF, os
empresários Gonsalez e Roland montaram o próprio grupo e passaram a
operar não só na rota Venezuela-Honduras, mas também já traziam cocaína
para o Brasil. Para tanto, começaram a usar helicópteros que eram
carregados com cerca de 500 quilos da droga no Paraguai. Ali, mantinham
contato com o suposto traficante paraguaio Atilio Erico Portillo Meza, o
Doutor Original, dono da Fazenda Estância Curralito, no Departamento de
Concepción. Segundo a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do
Paraguai, a fazenda do acusado receberia aviões e helicópteros.
Aliciado
Para essa nova atividade, os empresários teriam aliciado o piloto
Alexandre José de Oliveira Junior, que, segundo a investigação, fez
diversos voos transportando cocaína para a organização criminosa.
Oliveira Junior acabaria preso em novembro de 2013 em Brejetuba, no
Espírito Santo, com 445 quilos de cocaína em um helicóptero R66. A
aeronave pertencia ao senador Zezé Perrella (PDT-MG), que, segundo a
investigação, não sabia da ação ilegal do funcionário.
Brasileiros levavam cocaína das Farc desde a Venezuela para cartéis mexicanos
Uma organização criminosa comandada por empresários brasileiros era
responsável pelo transporte de cocaína das Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia (Farc) da Venezuela para Honduras, onde
toneladas da droga eram entregues aos cartéis mexicanos de Sinaloa e Los
Zetas. O grupo comprava códigos de identificação do controle aéreo
venezuelano que, assim, deixava de abater o avião. Cada voo pagava até
US$ 400 mil de propina a militares da Venezuela.
Na terça, a Delegacia de Repressão a Entorpecentes da
superintendência paulista da Polícia Federal (PF) cumpriu 13 mandados de
busca e apreensão em São Paulo, Minas e Mato Grosso. Bens – imóveis e
empresas – e contas bancárias foram sequestrados pela Justiça Federal.
As investigações, que começaram em 2012, já haviam resultado na
apreensão do helicóptero da empresa Limeira Participações, do senador
Zezé Perrella (PDT-MG), em 2013, no Espírito Santo, com 445 quilos de
cocaína. As buscas de terça encerraram a primeira fase da Operação Dona
Barbara, da PF.
Segundo relatório enviado à Justiça pelo delegado Rodrigo Levin, a
apuração começou com a vigilância de dois empresários brasileiros –
Manoel Meleiro Gonsalez e Ronald Roland. Eles estariam comprando
aeronaves e preparando carregamentos de cocaína – a rota
Venezuela-Honduras era só uma suspeita. Os agentes passaram a vigiar os
alvos e seus aviões.
O inquérito mostra as negociações entre os traficantes e militares
da Venezuela descritas em mensagens de celular dos brasileiros para o
tráfico de Colômbia, Venezuela e Honduras. O grupo usava apenas
aparelhos de telefone BlackBerry, pois acreditava que suas mensagens não
poderiam ser interceptadas pela polícia.
Em uma delas, por exemplo, o homem apontado pela PF como líder da
organização – o fazendeiro brasileiro Paulo Flores – escreve, às 7h57 de
5 de setembro de 2013, ao hondurenho José Cristian Espinosa Erazo,
dizendo que os aviões aguardavam “el permiso de los teles” (os códigos)
para entrar no espaço aéreo venezuelano.
Propina
Há diversas mensagens em que são mencionados valores da propina de até US$ 400 mil para os militares do país vizinho. Os aviões partiam de cidades do interior paulista, de Sinop (MT), São Felix do Araguaia (TO) e Bacabal (MA). Antes de decolar, os pilotos recebiam o código transponder – número que faz a aeronave emitir um sinal que identificará o voo nos radares – da Venezuela.
Há diversas mensagens em que são mencionados valores da propina de até US$ 400 mil para os militares do país vizinho. Os aviões partiam de cidades do interior paulista, de Sinop (MT), São Felix do Araguaia (TO) e Bacabal (MA). Antes de decolar, os pilotos recebiam o código transponder – número que faz a aeronave emitir um sinal que identificará o voo nos radares – da Venezuela.
Com o código, afirma a PF, a força aérea daquele país sabia que o
avião havia pago propina e, assim, não o abatia, mesmo quando a polícia
daquele país era informada pela PF brasileira a respeito do voo. As
aeronaves pousavam no lugarejo de Aparte, no Departamento de Zulia,
perto da base militar de Maracaibo. Em pelo menos uma oportunidade, os
traficantes trocaram mensagens dizendo que pagaram propina complementar
de US$ 100 mil para guardar o avião em um hangar do Exército
venezuelano.
Os traficante citam um “coronel” e um “general” como contatos para
os pagamentos. Em Aparte, os aviões eram carregados com a droga trazida
pelas Farc, da Colômbia. O venezuelano Euder Jaramillo Perdomo cuidaria
da logística. Com outro código transponder, o avião rumava para
Honduras. Ali, a propina para a polícia era de US$ 200 mil por voo. A
droga era entregue aos mexicanos – de 700 quilos a 2,5 toneladas de
cocaína.
Muitas aeronaves foram abandonadas pelos pilotos em Honduras –
parte foi queimada para não deixar vestígios. Os pilotos usavam, então,
passaportes falsos hondurenhos e guatemaltecos para voltar ao Brasil
pela fronteira com o Paraguai.
Inocentes
O Estado procurou as Embaixadas da Venezuela e de Honduras, mas não obteve resposta. Paulo Flores é um dos três acusados do grupo que foi preso durante a investigação com R$ 2,3 milhões em dinheiro – dono de sete empresas aéreas, ele alega inocência. Ronald Roland e Manoel Gonsalez respondem ao inquérito em liberdade e se dizem inocentes.
O Estado procurou as Embaixadas da Venezuela e de Honduras, mas não obteve resposta. Paulo Flores é um dos três acusados do grupo que foi preso durante a investigação com R$ 2,3 milhões em dinheiro – dono de sete empresas aéreas, ele alega inocência. Ronald Roland e Manoel Gonsalez respondem ao inquérito em liberdade e se dizem inocentes.